Neollogia
Cogitações e quejandas quimeras 🧙‍♂️
.・゜゜・Omnia Mutantur ・゜゜・.

Cansado

Não é tarefa fácil viver com depressão
Por um ano, por vários anos, por décadas.
A energia gasta e a força de vontade necessárias
Para não desistir da vida, para continuar de pé.
Hercúleo trabalho, Sisífica atividade.
Não à toa vivo sempre tão cansado.

(23,04,2025)

Black Mirror, um resumão das temporadas

Originalmente Black Mirror foi uma produção do canal britânico Channel 4 e a primeira temporada em 2011 já começa tocando em um tema bem sensível aos britânicos: a família real. 

1.01
The National Anthem; Black Mirror (2011)
Oinc!

Em The National Anthem a adorada princesa é sequestrada e o sequestrador simplesmente exige que o Primeiro Ministro faça sexo com um porco diante das câmeras ou a garota morre. E assim Black Mirror começou chocando com uma história de zoofilia. Não há ainda nada de futurista, mas explora a forma como a internet, o Youtube e as redes sociais mudaram o mundo e a privacidade.

1.02

Fifteen Million Merits; Black Mirror (2011)

Já em Fifteen Million Merits o futurismo chega. Os personagens trabalham pedalando umas bicicletas (provavelmente para gerar energia) e vivem confinados em quartos com telões, usando avatares virtuais e tudo o que compram é pago com créditos digitais gerados pelas pedaladas. Há um programa de celebridades que é a chance de alguns deles subirem na vida e no fim das contas tudo nessa sociedade é uma celebração do fake e da atuação. Bem século 21, não é mesmo?

1.03

The Entire Story of You; Black Mirror (2011)

O último episódio (é, só teve três episódios), The Entire Story of You, foi o melhor dessa temporada. Mostra um futuro em que as pessoas usam um implante no cérebro e nas retinas que grava todas as memórias visuais e elas podem acessá-las à vontade, de modo que a vida das pessoas é permeada por este hábito de sempre recordar tudo, revendo fotos e vídeos gravados em suas retinas, uma espécie de versão avançada do que já temos hoje com Youtube, Instagram, etc.

Viver sempre com acesso a todas as memórias tem suas vantagens, torna a sociedade mais segura (mas a perda da privacidade é o preço cobrado), etc., mas também potencializa o sofrimento em momentos ruins da vida que seria melhor esquecer. 

Uma das personagens optou por remover o implante, de modo que é vista como excêntrica (como hoje uma pessoa que não tem redes sociais), mas ela diz que sua qualidade de vida melhorou depois disso. Também alguns fetiches bizarros se desenvolvem, como transar ao mesmo tempo em que o casal assiste antigas memórias de sua melhor transa.

Após um hiato de dois anos, a série retornou para uma segunda temporada com três episódios lançados em fevereiro de 2013. Depois disto, outro episódio só viria em dezembro de 2014, num especial de natal.

2.01

Be Right Back; Black Mirror (2013)

Em Be Rigth Back, uma mulher perde seu namorado e descobre um serviço na internet que supostamente ajuda pessoas a lidar com o luto. Coletando informações da pessoa que morreu, como suas fotos e postagens em redes sociais, o site cria uma simulação virtual imitando a personalidade e até a voz, mas não para por aí. Também é possível instalar essa personalidade virtual em um corpo biotecnológico. Apesar de achar estranho no começo, a protagonista vai tentando se relacionar com esse "clone" de seu antigo namorado.

2.02

White Bear; Black Mirror (2013)

White Bear é o episódio menos interessante dessa temporada. Basicamente é uma sátira sobre o voyeurismo da sociedade atual, com as pessoas sempre de celular na mão filmando o sofrimento alheio. Em uma espécie de reality show macabro, a protagonista é caçada em público e filmada pelas pessoas.

2.03

The Waldo Moment; Black Mirror (2013)

Em The Waldo Moment, um personagem animado fica famoso por seu jeito debochado. Durante as eleições a sua popularidade cresce tanto que um partido acaba convidando-o a concorrer. O objetivo era apenas gerar publicidade, mas o plot twist no final mostra que o mundo se tornou uma espécie de distopia cyberpunk governada por ninguém menos que o desenho Waldo. Assim como em White Bear, a ideia é mostrar como a sociedade se tornou uma espécie de culto fanático do meme e da publicidade. Um meme se torna governante.

2.04

White Christmass; Black Mirror (2014)

No ano de 2014 saiu apenas um episódio no final do ano, White Christmas. Dois homens contam histórias para passar o tempo. Uma das mais interessantes teve a participação da Oona Chaplin (neta do próprio).

Uma empresa presta um curioso serviço em que a consciência do cliente é copiada e transformada em uma inteligência artificial vivendo em um aparelhinho em forma de ovo. Uma vez que ela é uma cópia da mente do dono, sabe exatamente os gostos e hábitos da pessoa e por isso é usada como uma criada da casa, gerenciando desde o ponto da torrada até a agenda de compromissos. Acontece que essa inteligência artificial tem consciência e a princípio não quer se submeter a essa escravidão, mas que escolha ela tem?

Outra história mostra uma tecnologia que se tornou normal no mundo: uma pessoa pode ser bloqueada na vida real, caso incomode alguém ou cometa algum crime. O resultado é que as pessoas bloqueadas se tornam párias, seus rostos aparecem borrados e vão ficando cada vez mais isoladas na sociedade. Pois é, algo parecido com o cancelamento da internet que se tornou moda nos últimos anos.

Após estas duas breves temporadas cheias de hiatos (apenas 7 episódios entre 2011 e 2014), a série parecia caminhar para o cancelamento, até que foi adotada pela Netflix, ganhando uma terceira temporada com 6 episódios em 2016. A ida para a Netflix também fez com que Black Mirror saísse do nicho cult (até então poucas pessoas a conheciam), para se tornar um novo fenômeno nerd. A expressão "isso é muito Black Mirror" viralizou como sinônimo de algum fato tecnológico sinistro ou distópico.

3.01

Nosedive; Black Mirror (2016)

O primeiro episódio, Nosedive, é muito bom. Faz uma clara sátira à sociedade atual em que as pessoas estão sempre tentando causar boa impressão nas redes sociais, buscando likes e aprovação. Na história, o like ou estrelinha se tornou não só uma moeda universal como uma espécie de social rating. Pessoas com pontuação entre 4 e 5 são a elite privilegiada, 3 é a pontuação dos medíocres e abaixo disso as pessoas se tornam párias desprezadas. Por isso todos estão sempre fingindo uma simpatia forçada e negociando estrelas para manter um bom status.

3.02

Playtest; Black Mirror (2016)

Em Playtest um cara é cobaia no teste de um jogo de realidade virtual que opera diretamente no cérebro, de modo que ele se vê imerso em uma realidade criada pela mente, o que a princípio parece interessante, mas um bug faz com que a coisa saia do controle e ele em uma fração de segundo experimenta diversas camadas de realidade, como um sonho dentro de um sonho, a ponto de sobrecarregar o cérebro.

Esse tema de tortura mental, de inferno imaginário e da mente presa numa realidade virtual, que começou no episódio White Christmas, se repetirá bastante ao longo da série.

3.03

Shut up and Dance; Black Mirror (2016)

Shut up and Dance é o episódio menos futurista dessa temporada. De fato, poderia ocorrer no tempo presente. Algumas pessoas são alvo de chantagem por parte de um anônimo que coletou informações privadas criminosas ou comprometedoras e exige que realizem certas tarefas como assaltar um banco ou travarem uma luta mortal.

3.04

San Junipero; Black Mirror (2016)

San Junipero retoma o tema da digitalização de consciência e da mente vivendo em um mundo virtual, no caso a praia de San Junipero onde as pessoas se encontram para se divertir e existe a opção (oferecida a doentes terminais) de transferir completamente a consciência para lá e viver "para sempre", o que faz desse mundo virtual uma espécie de céu.

Diferente do costumeiro tom pessimista de Black Mirror, essa história tem um final feliz, com o casal vivendo felizes para sempre em San Junipero. No fim vemos um gigantesco servidor onde as pessoas mortas são pequenos discos ali guardados. A humanidade se tornou um depósito virtual de consciências.

3.05

Men Against Fire; Black Mirror (2016)

Men Against Fire é o episódio menos interessante dessa temporada. Um grupo de militares está caçando mutantes que eles chamam de "baratas". É como um apocalipse zumbi que alterou geneticamente as pessoas, deixando-as agressivas e com um rosto bestial. Acontece que na verdade isso é uma ilusão provocada por um implante que os soldados usam. Os tais mutantes são apenas humanos renegados, mas, para que os soldados não sentissem compaixão ou remorso, foram induzidos a acreditar que eram monstros. A velha tática da desumanização do inimigo, agora anabolizada pela tecnologia.

3.06

Hated in the Nation; Black Mirror (2016)

Hated in the Nation termina a temporada. Como as abelhas foram extintas, foram desenvolvidos drones em forma de abelha para realizar o seu papel na natureza. Estes drones acabam sendo hackeados e passam a atacar e matar pessoas, mas não aleatoriamente e sim pessoas que se tornavam alvo de hate nas redes sociais. Novamente o tema do cancelamento virtual.

As abelhas robóticas seguiam esse critério: se nas redes sociais as pessoas odiavam alguém ou mesmo desejavam a morte, as abelhas iam atrás dessa pessoa, agindo como uma espécie de executores do tribunal popular. É uma sátira das redes sociais e como rapidamente as pessoas aderem ao hate e ao linchamento virtual, como um enxame.

4.01

USS Callister; Black Mirror (2017)

A quarta temporada, lançada em 2017, começou com o episódio USS Callister em que um programador de muito sucesso cria um jogo de total imersão numa realidade virtual online. Acontece que, apesar de parecer um típico nerdão tímido e quieto, no fundo ele é bem escroto, pois em segredo desenvolve uma camada particular do jogo em que ele recria pessoas virtualmente e as aprisiona em um ambiente inspirado no Star Trek clássico, mantendo-as submissas à sua vontade.

Sendo o administrador do software, o cara tem poderes divinos sobre aquelas consciências e elas fazem tudo para agradá-lo, do contrário podem ser punidas das maneiras mais sádicas. Ele se torna um demiurgo, um deus malvado. Bom, a história força bastante a suspensão de descrença com relação aos limites da tecnologia, pois o cara consegue recriar consciências inteiras, verdadeiras cópias de pessoas reais, simplesmente coletando uma amostra de DNA. Como é possível que a partir de um DNA ele crie uma mente de uma pessoa com todas as suas memórias e personalidade?

4.02

Arkangel; Black Mirror (2017)

Em Arkangel (que foi dirigido pela Jodie Foster) uma mãe resolve testar uma tecnologia experimental que permite que ela monitore sua filha por meio de um implante. A princípio parece uma boa ideia, pois ela pode saber onde a filha está e protegê-la de perigos, até mesmo usar um filtro de imagem que impede que a criança veja alguma coisa muito estressante ou traumatizante. Com o tempo, porém, a mãe vai ficando obcecada em stalkear e controlar os passos da filha. Uma mãe paranoica e super protetora e uma tecnologia de vigilância... Combinação perfeita hein.

4.03

Crocodile; Black Mirror (2017)

O terceiro episódio, Crocodille, a meu ver teve o melhor roteiro da temporada. O detalhe tecnológico é um aparelhinho que permite coletar fragmentos de memórias das pessoas e costuma ser usado em investigações policiais ou, neste caso, na apuração de acidentes para uma companhia de seguros.

No entanto, diferente de outros episódios, este não dá muita atenção à tecnologia em si ou em explorar algum uso maligno e distópico dela. É a trama que se desenrola que é interessante, uma história intrincada em que uma investigadora aos poucos vai descobrindo pistas de um crime, enquanto a criminosa vai se envolvendo mais e mais em outros crimes na tentativa de abafar o seu crime original. Parece um conto que o Allan Poe escreveria se vivesse hoje.

4.04

Hang the DJ; Black Mirror (2017)

Hang the DJ é como San Junipero, uma historinha romântica com final feliz, o que não faz muito o estilo Black Mirror. Mostra as experiências amorosas de um homem e uma mulher, orientados por uma inteligência artificial, um app de relacionamentos, que guia todos os passos de suas relações, até mesmo calcula o tempo que cada casal vai durar. No fim, todas aquelas experiências eram simulações usando cópias das consciências das pessoas reais a fim de determinar o match perfeito, ou seja, um aplicativo que roda simulações para encontrar sua alma gêmea.

4.05

Metalhead; Black Mirror (2017)

Metalhead é o episódio menos interessante da temporada. Filmado em preto e branco e parecendo um curta genérico de ficção distópica, mostra uma mulher sendo perseguida por um cachorro robô assassino.

4.06

Black Museum; Black Mirror (2017)

Em Black Museum uma mulher visita um museu que coleciona objetos de cenas de crime e o dono do local conta algumas histórias sinistras, como a de um médico que, após experimentar um aparelho que lhe permitia sentir as dores dos pacientes, fica viciado na dor ao ponto da morbidez; em outra história a mente de um homem é copiada no momento de sua execução na cadeira elétrica, de modo que vira um show de horrores para as pessoas que assistem a seu sofrimento imortalizado na mídia digital.

A história mais bizarra é a de uma mulher que após ficar em coma tem sua mente transferida para o cérebro de seu namorado que a princípio vê nisso uma maneira de ter contato novamente com sua mulher, mas com o tempo a relação se torna problemática e a mente dela é transferida para um macaquinho de pelúcia (isso mesmo) e tem apenas duas maneiras de se comunicar. Se ela quer dizer "sim" ou expressar uma emoção positiva, o macaquinho fala "Monkey loves you". Se ela quer dizer "não" ou expressar uma emoção negativa, o macaquinho fala "Monkey needs a hug". Você pode imaginar a tortura que deve ser viver com a mente assim dentro de um objeto, sem corpo, sem expressão.

Mais uma vez Black Mirror explora o conceito que vem desenvolvendo desde o White Christmas, de que o maior sofrimento possível é o de ter a mente imortalizada num meio virtual, sem poder jamais dormir ou deixar de existir, sofrendo eternamente em um inferno digital 2.0.

O filme

Black Mirror: Bandersnatch (2018)

Em 2018 não houve uma temporada nova, mas um filme, Bandersnatch, que trouxe um conceito novo para a plataforma de streaming: em certos momentos do filme você deve fazer escolhas pelo personagem (sim, uma espécie de Você Decide ou Life is Strange), um recurso metalinguístico, já que o personagem (um programador de jogos no ano de 1984) sofre uma paranoia de achar que não tem livre arbítrio e que suas ações estão sendo manipuladas pela audiência de um site de streaming.

A experiência de assistir um filme como se fosse um jogo em que você faz certas escolhas é inusitada, mas a história em si não é lá muito interessante. De fato, em certos momentos é um tédio ter que repetir certas escolhas até que a história siga o rumo que deve seguir para seu encerramento.

5.01

Striking Vipers; Black Mirror (2019)

A quinta temporada veio em 2019 com apenas 3 episódios, o que mantém a tradição da série de entregar poucos episódios e ainda após longos hiatos. Eu diria que faz parte da experiência de tortura que a série propõe, ao menos para quem a acompanha há anos e tem esperado esses episódios entregues a conta-gotas.

Falando em experiência torturante, a verdade é que, desde que foi adotada pela Netflix, Black Mirror deu uma suavizada no tom, com direito até a episódios de romance com final feliz, como foi o caso de San Junipero, depois Hang the DJ e agora Striking Vipers.

Em Striking Vipers vemos mais uma vez um aparelhinho que é bem típico do universo da série, uma espécie de botão que se coloca na fronte e conecta a mente numa realidade virtual extremamente realista, com direito a sensações tácteis. E é assim que dois amigos, vivendo na pele virtual de avatares em um jogo de luta, se veem experimentando a broderagem no sexo virtual. Há um drama familiar, já que o protagonista é casado, mas no fim tudo se resolve e vivem todos felizes a la Dona Flor e Seus Dois Maridos.

O detalhe curioso é a coincidência do elenco, pois o protagonista é o Anthony Mackie, que é o Falcon dos filmes dos Vingadores, e seu amigo é o cara que interpretou o vilão Manta de Aquaman (Yahya Adbul). Já no mundo virtual eles são interpretados por Ludi Lin, que já foi um power ranger, e a garota foi a Mantis dos Vingadores (Pom Klementieff). Ou seja, basicamente, o Falcon e a Mantis têm um namoro virtual.

5.02

Smithereens; Black Mirror (2019)

O episódio Smithereens é muito bem narrado. A história se passa nos tempos atuais, em 2018, e não tem nada de fantástico na tecnologia, antes aborda algo que já é bem comum: o celular e as redes sociais.

O protagonista Chris sequestra um funcionário de uma mega empresa de rede social com o objetivo de falar ao telefone com o bilionário dono da empresa, uma espécie de Mark Zuckerberg (sendo que o personagem é bem mais cool que o Mark). E assim o episódio vai desenrolando todo o processo de abordagem policial e negociação e como a coisa reverbera em tempo real nas redes sociais.

No fim, o homem confessa que perdeu a esposa num acidente de carro porque ele estava olhando a notificação no celular enquanto dirigia, um tipo de acidente relativamente comum hoje em dia. O episódio faz uma crítica óbvia ao fato dos apps e redes sociais serem projetados para criar esse vício nas pessoas. Não à toa a história termina com a música "Can't take my eyes of you", que ilustra bem a nossa relação atual com o celular. Não conseguimos tirar os olhos dele.

Também há um detalhe interessante: quando o cara pega o refém e a polícia é acionada, começa a rolar uma troca de informações entre a polícia e a rede social e esta é de longe mais avançada na sua maneira de adquirir informações sobre o sujeito e entender seu comportamento com base em análises estatísticas de suas postagens. A tecnologia de monitoramento e coleta de dados das redes sociais hoje é capaz de conhecer as pessoas em um nível impressionante.

5.03

Rachel, Jack and Ashley Too; Black Mirror (2019)

Por fim, a temporada termina com Rachel, Jack and Ashley Too, que a princípio dá impressão que vai ser alguma história de boneco assassino, já que tem essa bonequinha que leva a cópia da mente de uma cantora pop (interpretada pela Miley Cyrus) e a gente sabe que histórias com bonecos animados, e ainda mais com inteligência artificial, não devem terminar bem.

No fim das contas a bonequinha é bem legal e o episódio não tem um final sombrio nem trágico. Ao contrário, a cantora que era escrava da indústria pop se liberta e vira roqueira underground. É meio que uma sátira baseada nesse conceito de que as pessoas na indústria pop são bonecas controladas, verdadeiras escravas e que simulam uma personalidade apenas para agradar os fãs.

Enfim, essa quinta temporada bem mais amena em relação às anteriores. Não teve o sadismo e o terror psicológico que em alguns episódios dos anos anteriores chegou a um nível de tortura. Agora se adotou mais o drama e até certa comédia em vez do terror propriamente.

Um detalhe curioso em toda a série é que desde 2011 o seu roteirista é o mesmo, Charlie Brooker. Ele tem se mostrado bastante versátil, mudando de tema e de tom a cada temporada, mas ainda mantém certa unidade, criando um "universo Black Mirror", com certos elementos que se repetem, como as tecnologias de realidade virtual e em alguns episódios, especialmente no filme Bandersnatch, há easter eggs, referências internas.

O tema de Black Mirror, em resumo, é a presença perigosa da tecnologia na vida das pessoas. Por isso o título da série faz referência à tela preta da televisão ou do computador ou celular, o "espelho negro".

A princípio o gênero da série era mais voltado ao terror psicológico e foi o que me atraiu. Ocasionalmente isso mudou para algo mais drama e até romance, o que me pareceu não combinar com a proposta inicial que me provocava sensações de perturbação. Mas ok, pois como um todo a série merece figurar na lista de grandes séries de terror e ficção científica, como uma versão moderna de Twilight Zone.

6.01

Joan is Awful; Black Mirror (2023)

Após um hiato de quatro anos, enfim chega a sexta temporada. O primeiro episódio, Joan is Awful, brinca com a metalinguística, pois mostra uma mega empresa de mídia, a Streamberry (um trocadilho bem bolado de stream com strawberry), que usa um computador quântico para criar séries personalizadas para os usuários, um tema bastante atual, já que ultimamente, com a evolução da inteligência artificial, aprendizado de máquina, etc, já se começa a especular se num futuro próximo a indústria de entretenimento vai investir em filmes e séries criados especificamente sob demanda para cada pessoa. Aí entra a questão da privacidade, dos cookies, de como estamos a todo momento sendo espionados pelos dispositivos à nossa volta. 

6.02

Loch Henry; Black Mirror (2023)

Loch Henry deixa de lado o aspecto tecnológico da série e conta uma história clássica de terror em que um casal faz um documentário investigando um serial killer que tinha um porão de tortura e tal. Não há nada de novo. Só que no finalzinho há um detalhe bem interessante: em uma cerimônia de premiação do BAFTA, são mencionados alguns documentários sobre crimes mórbidos e entre eles está um chamado Eutanásia: por dentro do Projeto Junipero.

San Junipero foi um episódio muito querido por algumas pessoas porque parecia ser uma história feliz, um romance envolvendo duas garotas que se conhecem no mundo virtual e que digitalizam as próprias consciências para viver eternamente neste paraíso artificial, um além vida tecnológico.

A digitalização da consciência é um tema bastante explorado no sci-fi e eu mesmo no passado já tive uma visão mais ingênua a respeito, acreditando que esse troço pode de fato garantir uma expansão da vida humana e sua consciência. Bom, talvez isto seja possível daqui a séculos ou milênios, mas agora e nas próximas décadas é bastante improvável que uma digitalização dos dados de um cérebro seja capaz de realmente preservar a verdadeira consciência de uma pessoa e mantê-la viva fora do cérebro.

Em San Junipero, o seu avatar é uma representação virtual sua, mas no fim das contas é apenas uma mídia, um meio para se comunicar com o ambiente virtual e outras pessoas, enquanto seu eu real está no mundo real, em carne e osso, acessando Junipero por um dispositivo. Quando você morre, quem passa a operar o seu avatar não é mais você e sim a IA que coletou os dados do seu cérebro e agora simula uma cópia sua, imitando seus comportamentos típicos com base em tudo o que coletou da sua mente. 

O fato de Junipero ser citado neste episódio e relacionado a uma investigação criminal mostra que a empresa que tocava o projeto fez uma propaganda enganosa, praticando eutanásia em seus usuários, prometendo vida eterna no mundo virtual. San Junipero começou como um romance fofo, mas no fundo envolvia uma grande fraude que levava à morte de pessoas.

6.03

Beyond the Sea; Black Mirror (2023)

Beyond the Sea se passa em um mundo alternativo dos anos 60, no início da era espacial, onde existe uma tecnologia extraordinária de réplica corporal, algo parecido com o avatar de James Cameron. Dois astronautas vivem em uma estação espacial, mas conseguem frequentemente visitar a Terra por meio de um corpo artificial. Enquanto estão usando a réplica, o corpo real fica adormecido lá na estação.

Não tive problema em ligar a suspensão de descrença pra aceitar que de alguma forma aquele mundo dos anos 60 conseguiu uma tecnologia tão avançada. O que me deixou encasquetado foi o fato de o corpo humano ficar no espaço e a réplica na Terra. Não era muito mais lógico fazer o contrário? Por que expor os astronautas a riscos de vida desnecessários se é possível deixar réplicas deles na estação espacial? Mas ok, vamos adiante.

Então um grupo de hippies fanáticos à la Charles Manson invade a casa de um dos astronautas, mata toda a família dele e também a réplica. O cara fica obviamente devastado e, pra piorar, ficou confinado na estação espacial, até que seu colega, interpretado pelo Aaron Paul, vem com a proposta de emprestar a réplica dele para que o cara possa visitar a Terra e espairecer.

Acaba que eles fazem um acordo e ficam revezando no uso da réplica. Cheguei a pensar que o cara ia aproveitar que estava na Terra e partir em uma jornada de vingança, caçando os hippies, o que seria uma história bem estilo daquele filme Mandy (2018), com o Nicolas Cage. Mas que nada. Em vez disso ele ficou de gracinhas com a esposa do amigo e a trama virou uma história de cornagem, um Dom Casmurro sci-fi e com um final bem trágico, afinal o Aaron Paul foi fadado a pegar personagens trágicos desde Breaking Bad.

Mais do que um Dom Casmurro, esta é uma história sobre Caim e Abel, sobre Esaú e Jacó, o milenar problema da inveja. Um homem perdeu tudo, a família, a alegria, até mesmo o "corpo", de modo que passou a cobiçar a vida completa que seu colega tinha. Quando, porém, ele viu que não podia ter aquilo que o outro tinha, resolveu tirar tudo do outro. Agora ambos eram iguais na miséria, o que satisfez o invejoso, pois para o invejoso só há dois finais aceitáveis: ou ele tem aquilo que é do outro, ou o outro perde o que tem e assim ambos se igualam. 

6.04

Mazey Day; Black Mirror (2023)

Mazey Day é o episódio menos Black Mirror desta temporada e talvez da série inteira, pois não usa a tecnologia como um elemento importante do plot e envereda mais pela fantasia clássica. É um conto de lobisomem misturado com uma crítica social sobre o trabalho inescrupuloso dos paparazzi.

6.05

Demon 79; Black Mirror (2023)

O último episódio, Demon 79, também foge do sci-fi e envereda pela fantasia sobrenatural, pois conta a história de uma mulher que meio que involuntariamente faz um pacto com um demônio e agora precisa matar três pessoas para cumprir os termos do pacto. Caso não faça isto, o mundo inteiro será destruído.

Desta forma, nestes dois últimos episódios parece haver um esforço em afastar a série de seu tema original e torná-la mais generalizada. Se alguém assistisse sem saber que se trata de Black Mirror, nunca ia pensar que "isto é tão Black Mirror".

Enfim, este esfriamento da série, a amenização do conteúdo e o abandono da fórmula original são um sinal de que já está na hora de encerrar, ou melhor, na minha hora de encerrar.

Tem sido a intenção do próprio Charlie Brooker dar uma variada na temática da série. Diz ele que não quer que ela seja associada a "tecnologia é má", o que é um curioso caso de arrependimento autoral, já que foi exatamente este tema que deu a Black Mirror sua cara e fama. Quando alguém fala "isso é muito Black Mirror", não está se referindo a qualquer tipo de evento assustador, algo fantástico, sobrenatural, mas sim à tecnologia assustadora. Este era o DNA original da série, algo que agora o próprio autor parece querer abandonar.

Há fãs que estão ok com isso e há até mesmo pessoas que não se interessavam pela série por terem aversão a temas distópicos envolvendo tecnologia e agora estão começando a se aproximar, já que ela está migrando para o terror de fantasia e talvez abandone até mesmo o terror, preferindo algo mais satírico, como foi o caso de Demon 79.

Esta sexta temporada inclusive parece com uma espécie de pesquisa de mercado, pois cada episódio seguiu por um gênero diferente: distopia, investigação policial, sci-fi vintage, terror de monstro, terror sobrenatural misturado com sátira... Estão experimentando um pouco de tudo para ver o que mais atrai audiência e feedback. 

Boa sorte com isto. Não pretendo ser o fã chato e purista, mas a questão é que o que me atraiu para Black Mirror foi a sua assinatura original e agora que esta assinatura já foi quase completamente removida, não restou muito para me atrair. 

7.01

Common People; Black Mirror (2025)

Após dois anos, a série retornou com uma sétima temporada. Desta vez não tão experimental quanto a sexta, sendo "mais do mesmo", porém no bom sentido, retomando a fórmula original, como já se nota no episódio Common People, onde uma mulher que sofre de um tumor no cérebro recebe uma nova chance com uma tecnologia inovadora da empresa Rivermind.

Trata-se de uma espécie de implante cibernético que substitui a parte do cérebro danificada e faz um upload na nuvem dos dados cerebrais, criando uma espécie de "computação cerebral na nuvem". Pois é, um conceito bem Black Mirror e fascinante na verdade. Por meio desse sistema, é possível por exemplo uma pessoa acessar habilidades do cérebro de outra, tipo o que vemos na série Sense8, só que em Sense8 essa interconexão é mística, enquanto aqui é digital.

Só tem um detalhe. Para manter esse sistema funcionando, a empresa cobra uma assinatura mensal e há vários níveis de serviço, desde o básico até o plus, o lux, etc. O casal da história começa assinando o plano básico, mas logo se depara com as limitações: a mulher tem que permanecer em uma área de cobertura limitada do sinal (se ela viajar para outra cidade, pode perder o sinal e entrar em um estado de catatonia, até que o sinal seja restaurado) e também do nada o cérebro e o corpo dela podem ser usados pela empresa para veicular anúncios.

Pois é, é uma clara sátira ao sistema de assinaturas com anúncios, que ironicamente existe na própria Netflix. A moça está conversando normalmente aí de repente começa a falar como se estivesse divulgando um produto. Um spam humano ambulante.

Para evitar estas chateações, eles optam por um plano mais caro, que é tentador, já que oferece funcionalidades fascinantes, como a possibilidade de controlar as próprias emoções por meio de um aplicativo no celular. Convenhamos, todo mundo gostaria de ter tal nível de controle sobre a própria mente. Imagina você sair da depressão para a euforia apenas dando um comando. Aliás, esta é mais ou menos a promessa de tecnologias como o Neuralink.

O grande problema desse casal nem é a tecnologia em si, mas o fato de serem um casal classe média baixa, cidadãos médios (common people) que ralam pra se manter mês a mês. A assinatura do Rivermind é cara demais para eles e chega em um ponto em que não é mais possível pagar. Se não fosse essa limitação financeira, a história seria uma verdadeira utopia, pois o plano mais caro do Rivermind realmente melhora a qualidade de vida.

Além da crítica manjada a serviços de assinatura, esse episódio já se adianta a uma realidade que está por vir num futuro próximo: a tecnologia trará muitos benefícios às pessoas e uma qualidade de vida nunca antes vista na história humana, transcendendo as limitações da natureza (esse conceito de "cérebro na nuvem" é praticamente uma garantia de imortalidade), porém os mais pobres não terão acesso a tais tecnologias.

7.02

Bête Noire; Black Mirror (2025)

Em Bête Noire, a série extrapola o sci-fi chegando ao nível fantástico. A história em si é sobre uma nerd esquisita que sofreu bullying na escola e quando adulta resolveu se vingar das colegas usando uma misteriosa tecnologia de alteração da realidade, submetendo sua ex-colega a um gaslighting enlouquecedor.

Eu diria que essa tecnologia passa do ponto, pois em Black Mirror as tecnologias avançadas são coisas que poderemos ter no mundo, pelo menos parcialmente, em algumas décadas, enquanto esse computador quântico capaz de fazer uma pessoa saltar pelo multiverso, encontrando realidades paralelas, é algo extremamente avançado e surreal.

De toda forma, o ponto do episódio é mostrar quão profundo e enraizado um ressentimento pode se tornar, pois essa garota, um gênio da computação, criou no porão de casa a tecnologia mais formidável de todas, sendo capaz de saltar entre universos e até virar a imperadora de um universo paralelo, mas nada a satisfazia e viveu obcecada com a ideia de se vingar do bullying feito por adolescentes idiotas.

7.03

Hotel Reverie; Black Mirror (2025)

Hotel Reverie explora outra tecnologia, chamada ReDream, em que um mundo digital é criado, com NPCs que acham que são pessoas reais. Tal tecnologia é usada experimentalmente para criar filmes, pois estes NPCs funcionam como atores e figurantes hiper realistas. Uma atriz humana famosa, Brandy, é chamada para gravar um remake de um filme clássico, e na interação com uma protagonista digital, Dorothy, acaba se desenvolvendo um sentimento mútuo. Assim temos uma relação anímica entre uma humana e uma consciência digital.

7.04

Plaything; Black Mirror (2025)

Plaything é um dos melhores episódios dessa temporada e também um dos mais anímicos. Temos o retorno de Colin Ritman, sim, aquele do filme Bandersnatch. Esse misterioso e disruptivo programador criou nos anos 90 um joguinho pixelado chamado Thronglets, que basicamente é uma versão turbinada do Tamagochi: o jogador começa criando um ovo, que vira um bichinho fofo e este bichinho se multiplica, criando toda uma população virtual.

Colin mostra esse jogo ao resenhista de jogos Cameron Walker (interpretado na sua versão idosa pelo Peter Capaldi, o Doctor Who dos anos 2005), um jovem autista e bem sucedido nessa carreira. Walker passa a jogar o joguinho em casa e percebe que os bichinhos não se comportam como meros programas. Apesar de aparentemente simples, eles têm vida própria e logo criam uma linguagem própria, que Walker só consegue entender quando usa LSD para expandir a mente.

E os anos passam, décadas, enquanto Walker cuida desses bichinhos e vai fazendo upgrade após upgrade no computador a fim de dar mais capacidade de processamento àquela IA. Um dia, achando que era apenas um jogo qualquer, um "amigo" de Walker passa a matar os bichinhos e Walker desesperado o mata na frente da câmera do PC. Assim os bichinhos assistem tudo e aprendem sobre o lado sombrio da humanidade.

Desta forma, esta IA, junto com Walker, passa anos desenvolvendo um plano de fundir-se à humanidade, criando uma nova sociedade pacífica e utópica, onde a vontade individual deixa de existir. Pois é, como os Borgs de Star Trek, só que fofinhos.

7.05

Eulogy; Black Mirror (2025)

Embora essa temporada tenha retornado à formula original da série, diferente da sexta temporada que enveredou mais pela fantasia, o nível de terror deu uma amenizada na maioria dos episódios. A tecnologia até mesmo parece atraente e não tanto assustadora, como é o caso desse episódio Eulogy.

Aqui temos uma espécie de monólogo com o protagonista Philip, interpretado pelo Paul Giamatti, em que ele conversa com uma IA, enviada em um convite de velório, pois a namorada da juventude de Philip, que ele não via há décadas, faleceu, mas seu plano funerário promoveu uma espécie de velório virtual precedido por uma recordação de memórias. 

Assim, com ajuda da IA, Philip revisita antigas fotos que tinha da namorada e a IA, numa experiência imersiva e catártica, recria cenas e até restaura memórias perdias. Esse episódio não tem nada de terror e essa tecnologia de restauração de memórias se mostra bem terapêutica e até desejável. 

7.06

USS Callister: Into Infinity; Black Mirror (2025)

E a temporada termina com o melhor episódio, USS Callister - Into Infinity, retornando àquela história da quarta temporada. Aliás, USS Callister cria um universo próprio tão interessante que poderia até ganhar uma série própria seguindo esse estilo Star Trek em um mundo virtual.

Na quarta temporada, o criador desse MMORPG, Robert Daly, criou clones de seus colegas de trabalho dentro desse universo virtual, a fim de explorá-los e divertir-se como um deus. Daly acabou morrendo, deixando aqueles seres à deriva dentro do jogo.

Assim nesse novo episódio a história continua com tais seres tentando uma forma de sobreviver naquele universo ou mesmo escapar dele. Sendo clones digitais de suas versões humanas, são ao mesmo tempo humanos e IA, mas o fato é que são seres vivos e conscientes e que querem a todo custo sobreviver.

A descoberta mais bizarra é que a "engine" daquele imenso jogo, o núcleo que mantém tudo funcionando e gerando novos planetas, não é uma IA, mas um clone do próprio Daly, que vive ali exclusivamente focado em expandir e manter esse universo.

(05,06,2019; 16,06,2023; 22,04,2025)


Palavras-chave:

Aaron Paul, Alice Eve, Andrea Riseborough, Angourie Rice, Anthony Mackie, Black Mirror, Bryce Dallas Howard, Channel 4, Charlie Brooker, Cristin Milioti, David Slade, Hayley Atwell, Jodie Foster, Letitia Wright, Miley Cyrus, Netflix, Oona Chaplin, Paul Giamantti, Peter Capaldi, Pom Klementieff, Salma Hayek, Will Poulter, Zazie Beetz

Você é uma fofa barqueira da morte em Spiritfarer

Spiritfarer (2020)

Existem jogos de coleta e construção, como Minecraft e Terraria, e existem jogos de exploração e navegação, como Sea of Thieves. Spiritfarer (2020) tem tudo isso e muito mais.

À primeira vista parece um jogo simples. É um plataforma 2D com um visual meio "joguinho de flash", mas é bastante rico em conteúdo. Sobre o visual e ambientação, é bem relaxante, com uma protagonista feminina simpática e animações constantes que dão bastante vida aos personagens.

Os NPCs estão sempre se movendo e realizando alguma atividade no navio. Cada um tem sua história, suas linhas de interação, alimentos e comportamentos que gostam ou desgostam, níveis de humor. Quando estão com o humor alto, eventualmente coletam e te entregam itens, quando estão de mau humor, assumem  atitudes destrutivas.

Eles também dormem em suas casinhas, o que dá mais impressão de que são criaturas vivas. A protagonista, Stella, possui diversas animações para cada tipo de atividade que realiza e até quando está ociosa ela não fica simplesmente parada respirando, mas brinca de ioiô, se espreguiça, e o gato que é seu companheiro também está sempre brincando e rolando. 

Spiritfarer (2020)

São pequenos detalhes que enriquecem a experiência visual do jogo e mostram que foi desenvolvido com carinho e atenção. Aliás, carinho e atenção são palavras importantes em Spiritfarer. Como diversos jogos do gênero de coleta e sobrevivência, você deve cuidar da saúde dos NPCs do seu navio, alimentando-os de vez em quando. Eles, porém, rejeitam a comida se você oferecer sempre o mesmo prato, então tem que variar as receitas, experimentar novas combinações de alimentos. O cardápio culinário é vasto e é sempre empolgante descobrir uma receita nova.

O cuidado com os NPCs não para na alimentação. Eles têm uma vida emocional, cada um tem coisas que o incomodam ou o agradam. Ficam felizes quando você realiza uma quest e, quando estão abatidos (ao interagir você pode ver todo o status de saúde física e mental deles), você pode animá-los com um fofo abraço. Isso mesmo, você pode abraçar os NPCs.

Spiritfarer (2020)

Além de interagir com os NPCs e fazer suas quests, há muitas atividades no jogo. Você comanda um navio e deve explorar um imenso mapa, descobrindo cidades, tesouros e loots, ilhas com recursos como madeira e minérios, construindo instalações diversas no navio para forjar os minérios, serrar a lenha, pescar, cozinhar, produzir tecidos, cultivar hortas, pomares e até uma cerquinha para criar ovelhas e vacas. Você nunca vai ficar sem ter o que fazer.

Uma coisa que pode ser meio chatinha são alguns diálogos em formas de balões que são bem longos, mas, se você curte a história, vai apreciar estas conversas. Há um elemento metroidvania, pois é preciso conquistar certas habilidades, como o pulo duplo, que vão ajudar bastante a personagem a acessar áreas difíceis. Também o próprio navio precisa ser aprimorado para obter mais acesso, como o upgrade com quebrador de gelo que permite que você navegue em mares gelados.

Além de tudo isso, o jogo é cheio de referências mitológicas particularmente associadas à morte. Já começa com Stella encontrando Caronte, o barqueiro do mundo dos mortos, e o nome Stella (estrela) também faz referência ao fato de que os mortos, segundo antigas mitologias, se transformam em estrelas. Segundo a sinopse oficial, o jogo fala sobre a morte, porém de uma forma leve e simbólica.

O nome spiritfarer significa algo como "barqueiro dos espíritos" e esta é sua tarefa. Você passa a fazer o trabalho de Caronte. Os NPCs que você vai conhecendo e acolhendo em seu navio, e que se parecem com animais, na verdade são representações simbólicas de espíritos de humanos, pessoas que você deve levar até a porta do além vida.

Spiritfarer (2020)

Por ser bem comportado, sem violência e também educativo, Spiritfarer é um bom jogo para crianças, mas os adultos que curtem exploração, coleta e sobrevivência também têm garantidas várias horas de diversão.

O jogo é do studio indie canadense Thunder Lotus Games, que também desenvolveu Jotun, Sundered e 33 Immortals.

(20,08,2020; 18,04,2025)

Palavras-chave:

Thunder Lotus Games

Os jogos da Jagex

Runescape

Nem sei o número total de horas que joguei Runescape, mas sei que até hoje nenhum outro jogo bateu esse número, afinal joguei Runescape por anos. Creio que já faz bem uma década desde que parei de jogar com frequência, mas ainda guardo uma admiração por este que é um dos melhores MMOs clássicos e que continua vivo e sempre recebendo atualizações.

A Jagex podia muito bem ser a empresa de um jogo só, dedicando-se exclusivamente ao Runescape, mas ocasionalmente já tentou experimentar coisas novas. Em 2015/2016 lançaram o Chronicle: RuneScape Legends, um joguinho de combate com cartas que tive o prazer de experimentar e ainda joguei por umas 320 horas, até que o projeto foi infelizmente cancelado. 

Também em 2016 lançaram Runescape: Idle Adventures, em parceria com a Hyper Hippo, criadora de Adventure Capitalist. Joguei um pouquinho, mas não me interessou tanto. Também acabou sendo cancelado em 2017.

Outros projetos nem cheguei a conhecer ou experimentar: Carnage Racing (2012), Gas Guzzlers: Combat Carnage (2012), Gas Guzzlers Extreme (2013), Block N Load (2015), Prominence Poker (2016), Space Punks (2021), Melvor Idle (2021), This Means Warp (2021) Para mobile lançaram Bouncedown (2009), StarCannon (2010) Miner Disturbance (2010) e Undercroft (2010).

Planetarion, um MMO de browser que existe desde 2000, criado pelo pequeno studio Fifth Season AS, teve seus direitos adquiridos pela Jagex em 2010, e depois ela transferiu a licença e administração do jogo para o studio Ranul Tech Ltd, mas se manteve como proprietária do jogo. É um daqueles jogos bem antigos que continuam vivos graças a uma pequena e fiel comunidade.

Surfando na onda dos survivals e battle royales, lançaram Scum em early access em 2018 e na época fez relativo sucesso, sendo jogado por grandes streamers na Twitch. Agora já anda esquecido e convenhamos que 7 anos em early access é muuuito tempo, mas as reviews são bem positivas.

No cemitério da Jagex já existem vários jogos cancelados: FunOrb (2008-2018), War of Legends (2010-2014), Herotopia (2010-2019), Stellar Dawn (2010-2012), 8Realms (2011-2012), Ace of Spades (2012-2019), Transformers Universe (2014-2015; sim, era um MMO baseado em Transformers), Darkscape (2015-2016), 

RuneScape Dragonwilds (2025)

Por fim, fui pego de surpresa agora pelo lançamento do RuneScape: Dragonwilds (2025) em early access. Eu estava tão por fora dos projetos da Jagex que só soube desse jogo quando apareceu um anúncio no Twitter. É um survival cooperativo, parecido com Valheim, porém mais fantástico, com dragões e tudo, afinal é ambientado no mundo de Runescape.

Se fosse há 10 ou 5 anos, eu estaria empolgadíssimo para experimentar, mas acho que meus dias de Runescape já ficaram no passado mesmo. Além disso, agora já estou acompanhando o Pax Dei, que também envolve coleta e construção, e não tem os gráficos de massinha do Runescape, que, confesso, hoje em dia não me apetecem mais.

Desejo sincera boa sorte, Jagex, com este novo projeto, mas eu já estou envolvido com outros jogos.

(16,04,2025)

Palavras-chave:

Jagex, MMORPG, Runescape

Pena

Sou uma pena.
Leve e frágil, 
Levada pelo vento.
Não resisto a impactos,
Quebradiça, sem sustento.
E a pena, na verdade,
Não importa, é a mensagem
Que carrego, é a tinta em minha ponta.
É isto que vale a pena,
Não apenas minha existência efêmera,
Mas o tema, a ideia, a egrégora.
Levo em minha leve ponta o universo.
Levo lembranças de outrora e de além.
Não olhe o instrumento,
Olhe os seus versos.
Eu sou apenas
Uma pena.

(03,05,2024)

Piegas

Todo poeta é piegas,
Pois piegas é todo sentimento.
Não há sentimento nesta vida
Que da pieguice esteja isento.

A pieguice é que nos salva da apatia,
É a centelha que resta de emoção.
E assim sendo piegas garanto sobrevida
Para o que resta do meu coração.

(12,05,2024)

Antitóxico

É só uma questão de tempo
Até que eu digira o veneno.
Então eu estarei imunizado
E o mesmo mal não irá afetar-me.

Depois de um tropeço eu aprendo.
Não hei de repetir o mesmo passo.
Meus olhos estarão bem mais atentos.
Meu instinto irá adaptar-se.

(16,05,2024)

Windows não reconhece SSD M2

Gerenciamento do computador

Com o passar dos anos acumulei alguns HDs e SSDs. Tem uns que já aposentei, usando como um backup velho, mas outros ainda mantenho no PC como backups ativos. Depois que adquiri um NVME de 1 TB, que uso para o sistema e turbinar os jogos, resolvi deixar meu velho NVME de 250 GB também na placa, pra servir como mais um backup. Aí vez ou outra me deparo com um problema.

De todas as unidades conectadas na placa, por algum motivo é sempre este NVME secundário que desaparece no Explorador do Windows. A princípio até temi que ele tivesse pifado, mas enfim encontrei uma solução bem simples para o problema.

O que acontece é que, devido ao excesso de unidades, o sistema acaba falhando em atribuir uma letra a uma das unidades no slot M2, e sem letra o dispositivo obviamente não será listado. A solução é liberar uma letra para ele.

Basta abrir o Gerenciamento do Computador. O atalho é Windows + R e digitando o comando compmgmt.msc ou digite o próprio nome do aplicativo na barra de buscas do Windows. Aberto o programa, vá em Repositório > Gerenciamento de disco. Ali serão listadas as unidades instaladas, que normalmente recebem as letras C, D, E, etc.

Escolha uma destas unidades, de preferência uma que não seja a principal do sistema, e simplesmente atribua uma nova letra mais distante no alfabeto, de modo a liberar uma das primeiras letras para o disco que está desaparecido.

Para fazer esta atribuição, ponha o mouse sobre a unidade que pretende renomear, clique com o botão direito e no menu que surgir escolha "Alterar letra de unidade e caminho...". Não é para formatar nem nada. Vamos apenas mudar a letra com a qual a unidade é nomeada na lista, o que não afeta o conteúdo presente nela.

Por exemplo, escolha a unidade que está nomeada com a letra D e atribua a ela a letra H ou I ou J, etc. Desta forma, a letra D vai ficar disponível. Feito isto, reinicie o PC. Se tudo der certo, após o boot o sistema vai atribuir a letra D para aquela unidade que até então estava invisível, e assim ela volta a ser listada.

(18,05,2024)

A evolução de Pax Dei

Pax Dei artwork

Quando foi lançado o early access de Pax Dei, em junho de 2024, foi divulgado um roadmap com 29 itens, 29 promessas do que se pretendia implementar no jogo até 2025. Depois veio outro roadmap mais elaborado, dividido em duas fases chamadas Verso 1 (a ser lançado no outono de 2024) e Verso 2 (no inverno de 2024). Agora estamos entrando em mais uma fase, o Verso 3 (vindo em breve na primavera de 2025).

Pax Dei roadmap

Pax Dei roadmap

Pax Dei roadmap

Ao longo destes 9 meses houve constantes melhorias no sistema de construção, que é a grande identidade deste MMO. Pode parecer um detalhe bobo, mas agora o personagem consegue até sentar em cadeiras e ainda performar diferentes emotes enquanto está sentado. Este tipo de funcionalidade mostra que um dos públicos-alvo é a galera que curte RP, tanto que existem servidores específicos para roleplay.

É uma pena que o jogo ainda seja bem desconhecido e esteja de fato abandonado, pois mesmo quem curtiu o jogo resolveu dar um tempo, esperar este bolo cozinhar mais. De toda forma, é um MMO com potencial para streaming, especialmente neste aspecto do roleplay.

O que mais precisa melhorar para atrair os players é certamente o combate, mas ele vem evoluindo pouco a pouco. A economia começou a engatinhar com a implantação do mercado e do gold como moeda. Também foi lançado um sistema de grace e miracle, que basicamente consiste em adquirir esta "moeda" feita de favores divinos que pode ser usada para performar milagres como teleportes e buffs na colheita, etc.

É uma forma interessante de dar sentido ao "poderzinho" que é comum em jogos de fantasia. A magia existe em Pax Dei, bem como os favores divinos, e ela tem um embasamento. Não existe simplesmente por existir. Os pontos de teleporte, por exemplo, são chamados "petra dei", pedras dedicadas aos deuses e que dão acesso ao favor divino do teleporte.

A integração com o Geforce Now já foi realizada, de modo que mesmo quem tem um PC modesto já pode jogar com boa qualidade. Adicionaram um compasso ao mapa, o que facilita a navegação, mas ainda torço que coloquem um minimapa. Uma novidade incomum foi a integração do chat do jogo com o Discord, algo que nenhum MMO havia feito até então.

Ainda para este ano devem concluir o update para Unreal Engine 5.4 (ou já fizeram isto, não estou certo), lançar novos mobs (um em específico mencionado no roadmap é a cabra selvagem), novas spells e skills de combate, um bioma de corrupção, um revamp em vários elementos do jogo e do mapa.

Estão trabalhando em traduções para outros idiomas além do inglês, em suporte para o controle e a possibilidade de remapear as teclas. Isto aí eu espero desde o lançamento, pois sempre gosto de deixar os controles do meu jeito.

Particularmente, o que mais me chamou atenção nas promessas do roadmap é o sistema de farming. Sim, vamos poder brincar de fazendinha. Também há planos de implantar o sistema de pesca. Outra grande novidade a vir neste verso 3 é o staff, o bastão mágico. Enfim teremos uma arma de mago e será dedicada a magias de cura, assim surgindo a classe healer no jogo. 

Outras classes que estão a ser melhor trabalhadas são knight e soldier, basicamente tank e DPS. Existe arco, mas parece não receber muita atenção. Só que não curto melee, tenho preferido jogar de arco e pelo visto irei adotar a combinação arco e cajado.

Mount in Pax Dei

Outra importante novidade será a montaria, algo fundamental em um jogo que envolve muita caminhada pelo mapa. Diferente da maioria dos MMOs que costumam ter montarias de todo tipo de animal fantástico (no Tibia dá pra sair cavalgando até em uma joaninha), o Pax Dei certamente vai permanecer mais pé no chão e usar apenas cavalos, com diferentes skins, mas sempre cavalos.

Por fim também haverá mais conteúdo sobre a lore. É algo que a maioria dos players está pouco se lixando. No Throne and Liberty me dá uma agonia ver lives de streamers que são tão experientes no jogo, já estão no high tier de build, mas ao caminhar no mapa passam por livros e nem se interessam em dar um clique para coletar. 

No TL, como é comum um MMOs, existem páginas de lore espalhadas no mapa e enquanto elas não são coletadas pelo player (simplesmente clicando no botão de interagir), elas se mostram com um brilho arroxeado. Assim, ao ver um livro roxo, sabemos que ainda não foi coletado. E é assim que eu sei que o streamer nem se interessou em coletar os livros do mapa, pois estão roxos. É tão grande o desinteresse pela lore, que nem mesmo se dão ao mínimo trabalho de clicar num livro quando veem em seu caminho.

No Pax Dei não será diferente. Muitos players não vão ler um parágrafo da lore e ainda reclamar hipocritamente que o jogo não tem lore. De toda forma, a lore é um tipo de conteúdo que os desenvolvedores dedicam para os nerds do jogo e eu serei um deles. E ao que parece livros poderão ser colecionados, então mal posso esperar para montar minha biblioteca.

Em postagens diversas, já foram divulgados alguns textos envolvendo a lore e pelo visto teremos páginas de livros escritas por algumas figuras históricas deste mundo. Alguns livros fictícios já mencionados:

- St. Gregorius, On the Fate of the Damned
- St. Gregorius, On Temptation and Vice
- Brother Aldric of Libornes, On the Wickedness of the Flesh
- The Gyronomicon, Giraud´s expository on the Redeemers
- Archpriest Theodoric of Anatolia, Sermons Against the Abyss

Boa parte destes textos desenvolve a lore dos mobs que atualmente são os mais frequentes nas dungeons, os zebians. Devotos do Culto de Zeb, nome diminutivo de Beelzebub, que outrora era um Anjo da Abundância e decaiu, tornando-se um Príncipe do Inferno e relacionado ao pecado da gula. Não à toa os zebians são canibais.

Subligar and strophium

A atenção aos detalhes para dar à ambientação um estilo medieval está presente até nas roupas de baixo. Em Pax Dei os personagens não ficam totalmente nus, mas usam mas roupas de baixo bem simples e até meio feinhas que na verdade têm embasamento histórico, pois são inspiradas nas peças romanas chamadas subligar e strophium, sendo subligar a roupa de baixo e strophium um tecido que as mulheres usavam em volta dos seios como um biquini rudimentar.

Fay Guardian, Pax Dei

Neste primeiro de abril publicaram a artwork de uma nova criatura que está por vir e que irá adicionar um elemento fantástico à floresta, a Fay Guardian, um bicho gigante e sinistro, com um estranho rosto feminino.

No aspecto técnico, estão migrando o banco de dados do Amazon RDS para o Amazon Aurora, que oferece um melhor desempenho e latência.

No site e no Discord e equipe frequentemente publica respostas às perguntas frequentes da comunidade, mostrando que estão acompanhando com atenção o feedback e respondendo com transparência, mesmo quando a resposta é certamente não satisfatória. 

Inclusive responderam sem enrolação que não têm planos ainda de implantar um meio do craft usar itens dos baús automaticamente, o que é uma pena, pois é chatinho ficar catando os itens do baú para o inventário do personagem toda vez que vamos craftar algo.

A pergunta mais importante é quanto ao lançamento e já responderam que estão confiantes em lançar este ano. Certamente ainda haverá um longo caminho de polimento e implementação de novidades após o lançamento, mas na verdade eu gosto dessa possibilidade de ir acompanhando a evolução do jogo ao longo dos meses. Esse é o espírito de um player fundador, que estava ali quando tudo era mato e tem o prazer de ver o jogo sendo aprimorado. Então por mim podem lançar o quanto antes.

(10,04,2025)

Palavras-chave:

Mainframe Industries, MMORPG, Pax Dei