Neollogia
Cogitações e quejandas quimeras 🧙‍♂️
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Guerra dos Mundos, um resumão da franquia

The War of the Worlds; H. G. Wells

The War of the Worlds (1898) foi originalmente publicada em forma de série nas revistas Pearson's Magazine e Cosmopolitan em 1897, sendo enfim publicada como livro em 1898.

Não é a primeira obra de ficção a mencionar alienígenas ou invasão alienígena. Em Micromégas (1752), de Voltaire, por exemplo, já se fazia menção a seres vindos de Saturno e Sirius. Em Across the Zodiac: The Story of a Wrecked Record (1880), de Percy Greg, temos aliens que se disfarçam de humanos e se infiltram na Terra. Isto para ficar em uns poucos exemplos. 

Todavia, A Guerra dos Mundos consagrou o tema e pode ser considerado o pai do gênero de invasão alienígena. É de certa forma também um proto terror cósmico, todavia não adota o estilo enigmático e incognoscível que posteriormente seria consagrado pelo Lovecraft. Ao contrário, já no início a criatura alienígena é descrita com vívidas cores e detalhes:

"Creio que todos esperavam ver um homem emergir – possivelmente algo um pouco diferente de nós, homens terrestres, mas, em todos os aspectos essenciais, um homem. Sei que eu esperava. Contudo, em minha contemplação, logo vi algo se mexendo no interior das sombras: movimentos acinzentados e encapelados, uns sobre os outros, e então dois discos luminosos – como olhos. Então alguma coisa assemelhada a uma pequena cobra cinzenta, dotada mais ou menos da espessura de uma bengala, desenrolou-se para fora da massa serpenteante e se contorceu no ar em minha direção – e depois outra (...) Um grande vulto arredondado e cinzento, talvez do tamanho de um urso, emergia lenta e penosamente do cilindro. Conforme foi assomando e entrando na luz, passou a cintilar como couro molhado. Dois grandes olhos de cor escura me fitavam com firmeza. A massa que os emoldurava, a cabeça da coisa, era arredondada e tinha, poderíamos dizer, um rosto. Havia uma boca, sob os olhos, cuja borda sem lábios estremecia e arquejava, derramando saliva. A criatura toda arfava e pulsava convulsivamente. Um delgado apêndice tentacular agarrou a beira do cilindro, outro balançou no ar (...) Quem nunca viu um marciano vivo mal pode imaginar o estranho horror de sua aparência. A esquisita boca em V, com o lábio superior pontudo, a ausência de arcadas superciliares, a ausência de um queixo sob o lábio inferior em forma de cunha, o incessante tremor dessa boca, os repulsivos grupos de tentáculos, a respiração tumultuosa dos pulmões num ambiente estranho, a evidente lentidão penosa do movimento devido à maior energia gravitacional da Terra – acima de tudo, a extraordinária intensidade dos olhos imensos –, tudo aquilo se mostrava ao mesmo tempo vital, intenso, inumano, aleijado e monstruoso. Havia algo de fúngico na pele marrom oleosa, algo de indizivelmente asqueroso na deliberação desajeitada dos movimentos cansativos. Mesmo naquele primeiro encontro, naquele primeiro vislumbre, fui dominado pelo nojo e pelo pavor."

Então, após o terror da descrição física dos marcianos, vem a assustadora arma de raios que se assemelha a uma espécie feixe de micro-ondas. Esta arma é ainda mais impressionante se levarmos em conta que fora imaginada no século XIX:

"Um lampejo ofuscante, quase silencioso – e um homem caía duro, imobilizado. Enquanto aquele feixe de calor não visto passava por eles, pinheiros pegavam fogo, e cada arbusto seco de tojo se tornava, num baque surdo, uma bola de chamas. E na distância longínqua, na direção de Knaphill, vi os lampejos de árvores e sebes e construções de madeira subitamente incendiadas (...) Qualquer que seja o procedimento, é certo que um feixe de calor é a essência da questão. Calor e uma luz invisível, em vez de visível. Tudo que for combustível lampeja em chamas ao mero toque, o chumbo escorre como água, aquilo amolece o aço, racha e derrete o vidro, e, quando incide sobre a água, esta explode em vapor no mesmo instante."

Por fim, vem a descrição da grande máquina alienígena de três pernas, o tripod:

"E a Coisa que eu vi! Como poderei descrevê-la? Um trípode monstruoso, mais alto do que várias coisas, dando passadas por sobre os pinheiros jovens e esmagando-os de lado em sua marcha (...) Era, sim, uma máquina, com andadura metálica, retumbante, e tentáculos longos, flexíveis e cintilantes (um dos quais agarrou um pinheiro jovem) balançando e chocalhando em torno de seu corpo estranho (...) vastas máquinas aracnídeas, com quase trinta metros de altura, capazes de atingir a velocidade de um trem expresso e de disparar um feixe de intenso calor."

A superioridade tecnológica dos marcianos, aos olhos do autor, é uma lição de humildade para a civilização humana que se vê impotente diante desta invasão. A lição de humildade se acentua ainda mais no fato de que a própria "vitória" da humanidade se dá não por mérito humano, mas pela intervenção das criaturas mais desprezíveis da Terra, os germes:

"E espalhados em volta, alguns em suas máquinas de guerra tombadas, alguns nas agora rígidas máquinas de manipulação, e uns doze deles hirtos e quietos e dispostos numa fila, estavam os marcianos – mortos! –, trucidados pelas bactérias malignas e putrefativas contra as quais seus sistemas não estavam preparados; trucidados como a erva vermelha estava sendo trucidada; trucidados, depois que todos os artifícios humanos haviam falhado, pelas coisas mais humildes que Deus, em sua sabedoria, criara nesta terra."

Vale mencionar o ilustrador brasileiro Henrique Alvim Corrêa, que produziu impactantes ilustrações para a edição de 1906 de The War of the Worlds.

The War of the Worlds by Henrique Alvim Corrêa (1906)

The War of the Worlds by Henrique Alvim Corrêa (1906)

The War of the Worlds by Henrique Alvim Corrêa (1906)

The War of the Worlds by Henrique Alvim Corrêa (1906)

The War of the Worlds by Henrique Alvim Corrêa (1906)

The War of the Worlds by Henrique Alvim Corrêa (1906)

The War of the Worlds by Henrique Alvim Corrêa (1906)

Desde o início, A Guerra dos Mundos rendeu uma série de adaptações e obras derivadas, a começar por Fighters from Mars (1897-1898) e Edison's Conquest of Mars (1898). Esta obra tem o próprio Thomas Edison como protagonista. Ele desenvolve armas desintegradoras para enfrentar os marcianos, bem como uma máquina voadora elétrica superior à tecnologia marciana, então uma armada humana viaja no espaço a fim de vingar a humanidade.

Uma conferência global levanta um fundo bilionário para construir uma frota de cem naves elétricas e três mil armas desintegradoras

Fighters from Mars (1897-1898)

Edison's Conquest of Mars (1898)

Primeiro chegam à Lua, onde descobrem resquícios de uma extinta civilização de gigantes, seguem para um asteroide de ouro que estava sendo minerado pelos marcianos e enfim, em Marte, encontram Aina, a última humana de uma linhagem que fora raptada há 9000 anos e mantida escrava em Marte. Aina revela que os marcianos construíram as grandes pirâmides e a Esfinge no Egito (um conceito que muitas décadas depois se tornaria popular em obras como Eram os Deuses Astronautas). Ela ajuda os humanos a sabotar e derrotar a civilização marciana, inundando as cidades com uma quantidade massiva de água fruto do degelo polar.

The Massacre of Mankind (2017)

Sherlock Holmes's War of the Worlds (1975) é um pastiche que coloca ninguém menos que Sherlock Holmes como o protagonista da invasão marciana de Guerra dos Mundos. Entre outras obras inspiradas no clássico de H. G. Wells, temos também The Space Machine (1976), War of the Worlds: New Millennium (2005), The Martian War: A Thrilling Eyewitness Account of the Recent Invasion as Reported by Mr. H.G. Wells (2005) e The Massacre of Mankind (2017).

Em 30 de outubro de 1938 foi ao ar na rede de rádio CBS um programa narrado por Orson Welles e que foi um fenômeno de histeria coletiva. Narrando uma invasão alienígena como se fosse um noticiário real, o programa causou pânico em parte da audiência que ouvia estarrecida o falso noticiário. 

Em 1968 uma nova narração da invasão alienígena foi performada na rádio WWKB e, embora não tenha causado o mesmo impacto da versão de 1938, também conseguiu deixar uma parte da audiência confusa e acreditando que se tratava mesmo de uma invasão real. 

Para nós hoje parece até que as pessoas da época eram extremamente ingênuas, mas convenhamos que tudo o que elas tinham como fonte de informação era o rádio. Não havia internet pra fazer buscas e checar informações. Tudo dependia de confiar nas emissoras de rádio e, quando a emissora fazia uma "fake news" ou pegadinha, não havia opção senão acreditar.

The War of the Worlds (1953)

The War of the Worlds (1953)

The War of the Worlds (1953)

A primeira adaptação cinematográfica veio em 1953, produzida por George Pal e estrelada por Gene Barry e Ann Robinson. Para a época, os efeitos especiais foram realmente marcantes. A nave alienígena tinha um formato de arraia com uma espécie de olho telescópico que se destacava do corpo e disparava terríveis raios pulverizadores. 

A batalha é pesada, com a humanidade mobilizando tanques, jatos e até disparando em vão uma bomba atômica nas naves alienígenas. Enquanto as naves seguem disparando raios nas cidades, as pessoas não veem outra saída senão se refugiar na igreja e rezar. Milagrosamente, as naves começam a cair por terra e os aliens que as pilotam morrem de repente, contaminados pelas bactérias terrestres.

The War of the Worlds (1953)

O narrador termina o filme dizendo: "The Martians had no resistance to the bacteria in our atmosphere to which we have long since become immune. Once they had breathed our air, germs, which no longer affect us, began to kill them. The end came swiftly. All over the world, their machines began to stop and fall. After all that men could do had failed, the Martians were destroyed and humanity was saved by the littlest things, which God, in His wisdom, had put upon this Earth." 

No fim das contas, os aliens são vencidos pelos micróbios presentes na Terra e para os quais não possuem imunidade.

The Night That Panicked America (1975)

Em 1975, a rede ABC lançou para TV o filme The Night That Panicked America, que conta a história do polêmico programa de rádio de 1938, sob o ponto de vista de Orson Welles.

O ano de 2005 foi particularmente produtivo para a Guerra dos Mundos. Teve dois filmes indies, ambos intitulados H. G. Wells' The War of the Worlds. Um deles foi produzido pela Pendragon Pictures e outro pelo studio The Asylum. Este inclusive teve uma sequência War of the Worlds 2: The Next Wave (2008).

War of the Worlds (2005)

Naturalmente estas pequenas obras foram ofuscadas pela super produção War of the Worlds (2005) da Paramount, dirigida por ninguém menos que Steven Spielberg, estrelada pelo Tom Cruise, com narração de Morgan Freeman e trilha sonora de John Williams. Um timaço. Até hoje permanece como a mais aclamada adaptação da obra de H. G. Wells.

War of the Worlds (2005)

Nas palavras do próprio Spielberg: "For the first time in my life I'm making an alien picture where there is no love and no attempt at communication". Pois é, ele que costumava representar aliens como seres amistosos, dessa vez abraçou o terror e criou um cenário assustador, com máquinas gigantes extraindo o sangue dos humanos para regar campos com bizarras plantações vermelhas. É instalado um inferno na Terra e as pessoas chegam a surtar com tanto pavor.

Como no livro, e no filme de 1953, a súbita salvação ocorre graças aos germes terrestres aos quais os aliens não têm imunidade. Com orçamento de 132 milhões de dólares, o filme foi um grande sucesso, arrecadando 604 milhões.

La Guerre des Mondes (2019-2022)

Em 2019 tivemos uma série produzida pela rede francesa Canal+, La Guerre des Mondes (2019-2022) que chegou a ter três temporadas, mas não ganhou muita notoriedade mundial.

War of The Worlds (2025)

Eis que agora em 2025 foi lançada uma nova adaptação que conseguiu a proeza de estragar completamente uma história tão clássica.

Numa tentativa desnecessária de modernizar a trama, o filme adota a temática hacker (que já é clichê no cinema há décadas, mas ainda insistem nisso como se fosse algo cool e moderno). O protagonista (interpretado pelo Ice Cube) é um funcionário do departamento de segurança dos EUA que passa o dia monitorando (espionando) tudo e todos no PC, até que acontece a invasão alienígena e vamos acompanhando os eventos pela tela do PC, captados por câmeras no mundo todo.

Até aí tudo bem. É uma escolha narrativa. Só que a história toda não tem sal e nem mesmo o terror e violência que foi tão bem apresentado no filme de 2005. O mais ridículo, porém, é o conceito dos aliens "consumirem dados". É o tipo de ideia de alguém que não deve entender bulhufas de como funcionam os dados digitais.

No filme, os robôs alienígenas invadem servidores para consumir dados, e a coisa acontece de forma literal mesmo. Uma vez que eles entram em contato com um dado, este é apagado do servidor. Ora, dados são armazenados de forma redundante e não são objetos físicos. O simples fato de um invasor acessar os dados de um servidor não deveria implicar em seu apagamento, já que toda vez que se faz uma leitura de uma informação digital, ela é simplesmente copiada, multiplicada.

Enfim, esta sofrida adaptação está no momento com a nota 2,9 no IMDb, uma nota merecida. É uma pena que esse clássico da ficção científica tenha recebido uma adaptação tão tosca, ainda mais levando em conta que até mesmo os efeitos especiais desta atual versão ficam muito aquém da qualidade do filme do Spielberg feito há vinte anos.

(17,08,2025)

Palavras-chave:

ABC, Amazon, Ann Robinson, Byron Haskin, Canal+, Christopher Priest, David Michael Latt, Douglas Niles, Garrett P. Serviss, Gene Barry, George Pal, Henrique Alvim Corrêa, H. G. Wells, Howard Overman, Ice Cube, John Williams, Kevin J. Anderson, Manly Wade Wellman, Morgan Freeman, Nicholas Meyer, Orson Welles, Paramount, Pendragon Pictures, Rich Lee, Stephen Baxter, Steven Spielberg. The Asylum, Thomas Edison, Timothy Hines, Tom Cruise, Universal Pictures, Wade Wellman

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