Neollogia
Cogitações e quejandas quimeras 🧙‍♂️
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The Penguin, o Breaking Bad da DC

The Penguin (2024)

Pinguim tem se destacado como uma grande surpresa, uma das melhores séries do ano e também uma das melhores da DC de todos os tempos. É uma produção caprichada, comum roteiro de alto nível, atores que estão performando com excelência, uma trama e personagens cativantes, cada detalhe nesta série mostra que é um produto de qualidade.

Até o momento só lançou 5 episódios e já merece fazer parte da galeria de grandes séries de máfia, como The Sopranos (1999-2007), Breaking Bad (2008-2013) e Peaky Blinders (2013-2022). Inclusive a cada episódio me parece mais evidente que a showrunner de The Penguin, Lauren LeFranc, claramente inspirou-se em Breaking Bad para desenvolver a jornada do Oz.

Assim como Walter White, Oz é um cara que ninguém dava valor, desprezado em seu trabalho, nunca pôde manifestar seu verdadeiro potencial, até que encontrou no mundo das drogas a oportunidade para criar seu próprio império.

Walter adotou como sidekick o Jesse Pinkman, com quem desenvolveu uma complicada relação até mesmo paternal ou de mentor e pupilo. Da mesma forma, Oswald adotou o Victor Aguilar. Quando enfim ele constrói um laboratório para fabricar drogas, mais uma vez se estabelece este paralelo entre o Pinguim e Walter White.

E ouso até fazer uma previsão. Seguindo o modelo de Breaking Bad, Oswald vai em algum momento trair o seu pupilo, uma traição desprezível, covarde e o ingênuo garoto vai comer o pão que o Diabo amassou, assim como aconteceu com o Pinkman. Com este ato de "sacrifício do inocente", a vilania de Oswald estará consolidada, tornando-o um dos vilões mais imperdoáveis da DC e por isso mesmo um dos melhores vilões.

Breaking Bad and The Penguin
Já avisei que vai dar merda isso aí.

(29,10,2024)

Palavras-chave:

Aaron Paul, Bryan Cranston, Colin Farrell, DC Comics, Lauren LeFranc, Max, Rhenzy Feliz

A cena de um segundo que arruinou Don't Move

Don't Move (2024)

Tentei levar a sério esse filme Não se Mexa (Don't Move, 2024), porque a proposta é interessante: a vítima permanece o filme inteiro anestesiada, sem conseguir se mexer, de modo que o roteiro precisa ser bem criativo para conseguir levar essa personagem imóvel ao longo de toda a história.

É claramente um filme indie, de baixo orçamento e atores desconhecidos; o vilão segue o clichê do cara que parece legal, um amoroso pai de família, que esconde uma personalidade psicopata, etc. Podemos sentir a impotência da protagonista ao longo da narrativa. Até aí ok.

Aí chegamos no clímax e em literalmente um segundo a seriedade do filme é destruída. Acontece que o vilão, o Richard, levava uma faca presa no cinto nas costas. A vítima, Iris, está deitada no bote com as mãos atadas e ainda com o corpo semi imobilizado. Richard se aproxima dela para procurar algo no bolso dela e ele em nenhum momento se vira de costas, mas milagrosamente a Iris consegue pegar a faca que está nas costas dele sem ele sequer perceber. Isto acontece em um corte de um segundo mais ou menos.

Se pararmos para olhar o frame (eu até queria tirar um print, mas a Netflix tem algum software de proteção contra prints), seria uma cena patética a moça estendendo os dois braços atados pelo lado do cara para alcançar a faca nas costas. Aliás, mesmo que por um momento ele virasse de costas para ela, ainda assim, nas condições em que ela estava, não tinha como ela conseguir este feito. Foi uma grande forçação de barra.

Mas tirando isto, o filme é legal.

(26,10,2024)

Palavras-chave:

Adam Schindler, Brian Netto, Netflix, Sam Raimi

O mito da sabedoria do índio

Algumas pessoas têm uma visão romantizada do índio, uma veneração ao mito do "bom selvagem". Falam na "sabedoria do índio", como se a condição de indígena atribuísse certos dons especiais e como se os índios vivessem em um estado avançado de consciência, considerando tudo sagrado e possuindo virtudes que faltam aos seres urbanos.

Mas adivinha só: índios são seres humanos. Eles são pessoas normais, como eu, como você, como sua mãe, como sua tia (desculpa, não resisti). Assim como em toda comunidade humana, no meio indígena existe todo tipo de pessoa. Tem sábios, tem tolos, tem almas boas, tem psicopatas, tem gênios e estúpidos. 

Índios são humanos, não são fadas mágicas da selva. E humano você sabe bem como é, tem seu lado bom, seu lado ruim, uns são civilizados, outros são monstros. Em todos os lugares, em todas as raças e tribos é assim. Não existe nenhum grupo específico de humanos que seja imune a este caos e essa variedade de virtudes e defeitos de que somos feitos.

(22,10,2024)

Late Night with the Devil

Late Night with the Devil (2023)

Late Night with the Devil (2023)

Nos anos 70 o interesse por ocultismo e particularmente o satanismo se tornou uma espécie de moda nos EUA, promovida pelo movimento Nova Era e por artistas que estavam em busca de inspirações alternativas ao padrão tradicional americano.

Obviamente o ocultismo sempre existiu, mesmo nos EUA. Ainda na época da fundação, os puritanos e cristianíssimos pioneiros se depararam com fenômenos como as bruxas de Salem. No mundo artístico, bem no começo do século XX, teve o famoso caso do Robert Johnson, talentosíssimo músico de blues cujo talento era atribuído a um pacto com o Tinhoso.

Late Night with the Devil (2023) inicia como uma história bem convincente de Jack Delroy, um apresentador de talk show dos anos 70 que nunca consegue ficar em primeiro lugar na audiência e já começamos a suspeitar que em algum momento o Jack deve tentar um pacto em troca de sucesso, o que não seria o primeiro ou único caso na indústria do entretenimento.

David Dastmalchian, Ingrid Torelli, Laura Gordon in Late Night with the Devil (2023)

Não à toa, a noite em que ele finalmente consegue a maior audiência é quando entrevista uma parapsicóloga e a sua protegida, uma garota chamada Lily que fora vítima de uma seita satânica e agora supostamente carrega em si um demônio. Jack vai mergulhando a fundo na entrevista até enfim convencer Lily e sua tutora a manifestar o demônio a fim de que ele seja entrevistado. O programa literalmente se torna uma entrevista com o demônio.

O demônio obviamente não é inofensivo e vai se tornando mais e mais perigoso, até tocar o terror no studio, quando então o filme assume um estilo de terror meio galhofa dos anos 70, com efeitos especiais toscos. Faz parte da proposta do filme que inclusive foi feito com o modesto orçamento de 11 milhões de dólares e realmente não precisa de mais que isto, já que o seu charme está no estilo found footage e particularmente na atuação dos dois principais atores.

Ingrid Torelli in Late Night with the Devil (2023)
Nesse momento o filme abraça a tosqueira do terror anos 70.

A jovem atriz Ingrid Torelli, que interpretou Lily, atuou muito bem, transmitindo um ar esquisito, alheio, de uma pessoa quebrada e vítima de lavagem cerebral, transformando-se de forma convincente durante a manifestação demoníaca. A guria está de parabéns.

Mas quem também mandou muito bem foi o David Dastmalchian (o Homem-Bolinha do Esquadrão Suicida) no papel de Jack. A atuação dele é tão boa em suas microexpressões que eu até pude prever o final por causa do seu rosto. 

David Dastmalchian in Late Night with the Devil (2023)
Isto não é apenas uma expressão de medo, mas de culpa.

Acontece que, quando a Lily começa a manifestar o demônio, Jack assume um ar cada vez mais assustado. É visível no seu olhar, na expressão pálida e caída, que ele está assustadíssimo com aquela situação. Só que existe uma nuance aí.

A maneira como o David Dastmalchian faz esta expressão parece sugerir sutilmente que ele não está apenas com medo, mas com culpa. Sim, a cara dele não parece apenas a de quem está apavorado diante de uma situação perigosa, mas de quem fez algo muito errado e está vendo as consequências se aproximando.

Foi por causa desta expressão que entendi logo onde aquela história iria terminar (spoiler): Jack fez um pacto e certamente o preço pago foi o sacrifício de sua esposa que morreu de câncer no começo do filme. Pois é, é uma história previsível, mas o ator fez jus a esta previsibilidade, pois conseguiu interpretar as nuances de alguém que está no limiar entre o medo e a culpa.

(12,10,2024)

Palavras-chave:

David Dastmalchian, Cameron Cairnes, Colin Cairnes, Ingrid Torelli

Feios, uma distopia infantiloide

Uglies (2024)

Distopias adolescentes são praticamente um gênero à parte no sci-fi futurista. Basicamente consiste em um mundo dividido em castas em que uma parte vive em uma utopia com conforto e tecnologia avançada e outra vive à margem da sociedade. Então adolescentes destemidos se rebelam contra este sistema.

É o caso das franquias Jogos Vorazes, Divergente e Maze Runner. A fórmula é essencialmente a mesma e explora o sentimento de rebeldia contra os pais, o diretor da escola ou qualquer outra figura de autoridade. 

Todos sabem que na adolescência este sentimento de rebelião aflora e convenhamos que ele faz parte do amadurecimento. Livros, filmes e bandas de música sempre tiraram proveito disso, produzindo conteúdo de teor rebelde para atrair a atenção dos púberes.

Pelo menos nas distopias que mencionei acima havia uma história realmente interessante e até verossímil, do ponto de vista de descrever um possível mundo tirânico. Então chegamos a Uglies (Feios, 2024), um filme que já mostra sua infantilidade a partir do título. 

Feios é tipo um Jogos Vorazes escrito por uma criança ou mesmo um adolescente que tem uma visão de mundo deveras estreita e narcisista. A premissa é que, uma vez que a pobreza e a escassez energética são solucionadas, o grande problema da humanidade, a causa de conflitos e divisões de classes é a aparência. Pois é, a história é besta neste nível.

Somente pessoas imaturas ou muito narcisistas enxergam o mundo de maneira a pensar que a aparência física é a coisa mais importante. Ok, ok, o mundo valoriza sim a aparência e as redes sociais estão cheias de pessoas que acumulam milhões de seguidores simplesmente porque são belas; pessoas bonitas costumam ser tratadas com mais cortesia e atenção, homens bajulam mais as mulheres bonitas, etc, etc. Todavia, a beleza e a feiura estão longe de estar entre as causas mais nocivas de conflitos entre as pessoas.

Ora, já pararam pra observar como os políticos em sua maioria são feios ou, quando muito, de uma aparência levemente mediana? Estas pessoas não chegaram ao poder por serem bonitas e são elas que definem boa parte dos rumos da sociedade, que podem causar pobreza e miséria com decisões erradas, podem declarar guerra, podem literalmente se tornar tiranos.

Em toda distopia que se preze o perigo está no jogo de poder, seja um governo mundial tirânico, seja uma anarquia do apocalipse zumbi, onde se formam gangues e milícias disputando por um poder local. O fato de ter pessoas feias ou bonitas é o menor dos problemas.

Mas esse filme resolveu seguir por este caminho. Ou melhor, a ideia começou no livro Uglies (2005) de Scott Westerfeld. Aparentemente foi um sucesso em seu nicho de leitores, pois rendeu as continuações Pretties (2005), Specials (2006) e Extras (2007).

Então a Netflix bancou uma adaptação cinematográfica dirigida por McG, um diretor bem experiente e que é do tipo pau pra toda obra, pois já dirigiu e produziu toda espécie de filme e série, sendo mais conhecido por As Panteras (2000) e Terminator Salvation (2009). Apesar de seus 30 anos de experiência, em Feios temos a impressão de que o filme foi escrito e dirigido por um adolescente.

E ainda colocaram a Joey King como a protagonista supostamente feia. Nem ela, que é uma atriz talentosa e promissora, conseguiu salvar essa marmota de filme. Ironicamente, Feios é tão ruim que acabou sendo um sucesso, pois as pessoas criticaram, fizeram reviews e memes, atiçando a curiosidade dos usuários da Netflix para conferir esta bomba.

A seguir, umas fotinhas da "feia" Joey King.

Joey King

Joey King

Joey King

Joey King

Joey King

Joey King

Joey King

(10,10,2024)

Palavras-chave:

Joey King, McG, Netflix, Scott Westerfeld

O que eleições e a música Der Kommissar têm em comum para mim

Falco, Der Kommissar

Tenho uma curiosa lembrança dos anos 90. Na época a TV obviamente reinava, antes da explosão da internet, e a gente assistia TV até quando a programação não interessava (o que provavelmente acontecia a maior parte do tempo). Hoje em dia felizmente a internet nos permite ser muito mais seletivos e normalmente só assistimos algo que realmente nos interessa.

Se bem que nos velhos tempos da TV existia o hábito de "zapear", que consistia em ficar mudando de canal com o controle remoto, geralmente para pular as propagandas ou procurar algo mais interessante para ver. O zapear na TV equivalia ao "rolar pra cima" que as pessoas hoje fazem no smartphone, passando os vídeos curtos até achar um que prenda a atenção por alguns segundos. 

De toda forma, o ato de zapear só acontecia em momentos de muito tédio e o normal era deixarmos a TV ligada em algum canal de preferência. E então chegamos à época de propaganda eleitoral. Diferente do intervalo comercial, não adiantava zapear durante o horário eleitoral "gratuito" (a saber, bancado pelos impostos), já que ele acontecia em todos os canais.

E aí vem minha recordação específica. Não sei exatamente por que, mas às vezes acontecia de começar o horário eleitoral na Globo, só que na minha cidade ele não era transmitido, a não ser quando se tratava de candidatos a presidente. Suponho que, como a matriz da Globo ficava no Rio de Janeiro, o seu horário eleitoral mostraria candidatos de lá, uma campanha que não faria sentido transmitir para outros estados.

Então no lugar do programa eleitoral a TV Globo na minha região ficava transmitindo clipes de música e ocasionalmente até desenho animado. Lembro que algumas vezes passou as Tartarugas Ninja e o desenho do Robocop e do Rambo, mas era mais comum passar esses clipes. 

O Material Girl, da Madonna, por exemplo, tocava bastante. Também lembro do clipe de Build, da banda The Housemartins e de It's Raining Again, da banda Supertramp. Este clipe mostrava um cara tentando a sorte na vida e passando por vários apuros num verdadeiro dia de azar. Eu achava a cena bem triste e tinha dó do coitado do protagonista.

Mas o clipe que mais me marcou foi outro, o Der Kommissar, de Falco. O clipe em si nada tinha de extraordinário. Era o cara cantando e dançando diante de um fundo com carros de polícia passando. Como cantava em alemão (o cantor Falco é austríaco), eu não fazia ideia do que se tratava, mas era também por isto que eu gostava, pela estranheza da letra, somada ao ritmo agradável, meio eletrônico, da música.

O refrão era muito chiclete:

"Drah di ned um, oh, oh, oh
Schau, schau, der Kommissar geht um, oh, oh, oh"

Obviamente eu não sabia como se escrevia e até hoje não fazia ideia do significado da letra ou do refrão, mas como resolvi escrever sobre, enfim, após décadas, fui dar uma olhadela no texto (que não fala nada de interessante, na verdade). 

O fato é que a letra não importa, pois o que sempre gostei nessa música foi justamente das palavras incompreensíveis para mim, o que a torna exótica. É uma experiência puramente fonética, melódica e nada semântica.

Há muitas músicas cujas melodias eu gosto e que estou pouco me importando pelo significado da letra. Não tenho este tipo de purismo de só ouvir música se a letra tiver algum significado importante para mim.

Enfim, acabei guardando curiosas boas lembranças do horário eleitoral nos anos 90, não por causa dos políticos, mas da ausência deles, já que eram substituídos por clipes de música.

(10,10,2024)

Palavras-chave:

Falco, Madonna, TV Globo