Nos anos 70 o interesse por ocultismo e particularmente o satanismo se tornou uma espécie de moda nos EUA, promovida pelo movimento Nova Era e por artistas que estavam em busca de inspirações alternativas ao padrão tradicional americano.
Obviamente o ocultismo sempre existiu, mesmo nos EUA. Ainda na época da fundação, os puritanos e cristianíssimos pioneiros se depararam com fenômenos como as bruxas de Salem. No mundo artístico, bem no começo do século XX, teve o famoso caso do Robert Johnson, talentosíssimo músico de blues cujo talento era atribuído a um pacto com o Tinhoso.
Late Night with the Devil (2023) inicia como uma história bem convincente de Jack Delroy, um apresentador de talk show dos anos 70 que nunca consegue ficar em primeiro lugar na audiência e já começamos a suspeitar que em algum momento o Jack deve tentar um pacto em troca de sucesso, o que não seria o primeiro ou único caso na indústria do entretenimento.
Não à toa, a noite em que ele finalmente consegue a maior audiência é quando entrevista uma parapsicóloga e a sua protegida, uma garota chamada Lily que fora vítima de uma seita satânica e agora supostamente carrega em si um demônio. Jack vai mergulhando a fundo na entrevista até enfim convencer Lily e sua tutora a manifestar o demônio a fim de que ele seja entrevistado. O programa literalmente se torna uma entrevista com o demônio.
O demônio obviamente não é inofensivo e vai se tornando mais e mais perigoso, até tocar o terror no studio, quando então o filme assume um estilo de terror meio galhofa dos anos 70, com efeitos especiais toscos. Faz parte da proposta do filme que inclusive foi feito com o modesto orçamento de 11 milhões de dólares e realmente não precisa de mais que isto, já que o seu charme está no estilo found footage e particularmente na atuação dos dois principais atores.
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Nesse momento o filme abraça a tosqueira do terror anos 70. |
A jovem atriz Ingrid Torelli, que interpretou Lily, atuou muito bem, transmitindo um ar esquisito, alheio, de uma pessoa quebrada e vítima de lavagem cerebral, transformando-se de forma convincente durante a manifestação demoníaca. A guria está de parabéns.
Mas quem também mandou muito bem foi o David Dastmalchian (o Homem-Bolinha do Esquadrão Suicida) no papel de Jack. A atuação dele é tão boa em suas microexpressões que eu até pude prever o final por causa do seu rosto.
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Isto não é apenas uma expressão de medo, mas de culpa. |
Acontece que, quando a Lily começa a manifestar o demônio, Jack assume um ar cada vez mais assustado. É visível no seu olhar, na expressão pálida e caída, que ele está assustadíssimo com aquela situação. Só que existe uma nuance aí.
A maneira como o David Dastmalchian faz esta expressão parece sugerir sutilmente que ele não está apenas com medo, mas com culpa. Sim, a cara dele não parece apenas a de quem está apavorado diante de uma situação perigosa, mas de quem fez algo muito errado e está vendo as consequências se aproximando.
Foi por causa desta expressão que entendi logo onde aquela história iria terminar (spoiler): Jack fez um pacto e certamente o preço pago foi o sacrifício de sua esposa que morreu de câncer no começo do filme. Pois é, é uma história previsível, mas o ator fez jus a esta previsibilidade, pois conseguiu interpretar as nuances de alguém que está no limiar entre o medo e a culpa.
(12,10,2024)
Palavras-chave:
David Dastmalchian, Cameron Cairnes, Colin Cairnes, Ingrid Torelli
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