Constantine é o Batman da magia. Ambos se assemelham no fato de serem detetives, de não terem superpoderes e recorrerem a uma série de acessórios e técnicas de combate, o chamado preparo. Só que, enquanto o Batman usa acessórios tecnológicos e conhecimento em diversas artes marciais, o Constantine usa amuletos, artefatos antigos, poções, spells e até pactos com entidades místicas, além de muita malandragem.
Batman é um personagem trágico devido à traumática perda dos pais na infância, já Constantine é uma tragédia ambulante, pois no mundo da magia tudo tem um preço e não raro ele paga o preço de maneiras bem questionáveis e trazendo consequências graves para as pessoas à sua volta.
Batman é uma pessoa de poucos amigos, pois o trauma o fez desenvolver uma personalidade reclusa e desconfiada. Constantine não é exatamente um eremita, mas o caminho da magia é solitário, ainda mais quando se anda além dos limites seguros. Seus amigos ou morrem ou se afastam ao perceber que ele é problema. Como ele mesmo disse em Hellblazer: Dangerous Habits: "I walk my path alone... who would walk with me?". Constantine é mais deslocado que o Batman. Não há um lugar no mundo ou no além que ele se sinta em casa. Um eterno exilado.
Obviamente nem Batman nem Constantine criaram este subgênero. Detetives existiram muito antes de Batman, Sherlock Holmes que o diga. E do gênero detetive surgiu o peculiar subgênero do detetive ocultista que, em vez de investigar crimes convencionais, especializa-se em casos envolvendo demônios, fantasmas, vampiros e outras forças sobrenaturais.
Aliás, o próprio Sherlock, em The Hound of the Baskervilles, envereda pelo oculto, mas no final acaba no estilo Scooby Doo, com o vilão supostamente sobrenatural sendo apenas um farsante.
Temos um personagem mais claramente deste gênero em Van Helsing, surgido no Dracula de Bram Stoker (1897). Nos quadrinhos, os próprios criadores do Superman, Jerry Siegel e Joe Shuster, criaram também o Doctor Occult em 1935 e ele é praticamente um protótipo do Constantine.
John Constantine veio ao mundo em junho de 1985, criado por Alan Moore e Stephen R. Bissette. Ele apareceu como um personagem de suporte em Swamp Thing 37 e acabou ganhando uma revista própria, Hellblazer, publicada a partir de janeiro de 1988.
Acabou se tornando a mais duradoura revista do selo Vertigo, alcançando 300 edições em 2013, quando enfim o título encerrou e foi substituído pela revista Constantine (que durou apenas até 2015), reapresentando o personagem agora dentro do universo Novos 52.
Apesar de ter sido criado por Alan Moore, Constantine desde cedo foi uma construção coletiva de vários autores na revista Hellblazer, incluindo nomes como Grant Morrison, Neil Gaiman, Garth Ennis, Warren Ellis, Jamie Delano e Peter Milligan, dentre outros.
Ele não é um herói convencional. Muitas vezes usa a trapaça contra os inimigos e toma decisões moralmente ambíguas, supostamente para o bem maior, e sua vitória sobre uma situação adversa muitas vezes tem consequências dolorosas para ele e as pessoas próximas.
O primeiro roteirista principal foi Jamie Delano, de 1988 a 1991. Já nos primeiros números da revista, Constantine vivencia um de seus maiores traumas, algo que o marcou para sempre, quando ele não conseguiu salvar a garota Astra que foi levada para o inferno pelo demônio Nergal. Enlouquecido pelo trauma e a culpa, ele chegou a ser encarcerado em um asilo psiquiátrico após esta tragédia.
Quem assumiu de 1991 a 1995 foi Gath Ennis, que antes trabalhara em Judge Dredd e depois criaria o Preacher, em 1995. Convenhamos, aliás, que Preacher é uma espécie de derivado de Constantine, com seu estilo cínico, pessimista e moralmente ambíguo. Esta fase do Constantine escrita pelo Garth Ennis foi a inspiração para o filme de 2005, estrelado pelo Keanu Reeves, quando o mago detetive tem um câncer de pulmão e para sobreviver faz um pacto com o First of the Fallen, ou seja, Lúcifer. Também nesta fase ele chega a virar um morador de rua e mergulhar no alcoolismo.
Paul Jenkins assumiu o roteiro de 1995 a 1999. Nesta fase conhecemos mais sobre a relação abusiva que ele teve com o pai, ele cria uma versão antagonista de si mesmo, o Demon Constantine e até mesmo tem uma conversa cara a cara com Deus.
De 1999 a 2000 assume Warren Ellis. De 2000 a 2002, Brian Azzarello. De 2002 a 2006, veio Mike Carey, que na época ganhara o prêmio Eisner pela revista Lucifer, um spin-off de Sandman. Detalhe que Mike Carey é um britânico de Liverpool, assim como o próprio Constantine.
De 2006 a 2007 assume Denise Mina. De 2007 a 2009, Andy Diggle. Por fim, de 2009 a 2013 é a vez de Peter Milligan. Durante esta fase, Constantine chegou a se casar.
Então Hellblazer teve fim, bem como esta primeira versão de Constantine, que passaria por um reboot em 2011 na revista Justice League Dark, agora no universo Novos 52. Também ganhou uma nova revista, Constantine, que durou apenas de 2013 a 2015, como já mencionei.
Em julho de 2019 o título Hellblazer foi relançado, agora escrito por Simon Spurrier, e teve apenas 12 edições.
Nas palavras de Warren Ellis:
"[Hellblazer] retains the occult connections, but what sets it apart from the sad, played out "dark fantasies" that you'll find on the shelf next to it is its clear knowledge that real horror is perpetrated not by eye-soiling pantomime monsters, or pale things in black with stupid names. Real horror comes from people. Just people. They're the scariest things in the world."
A DC havia iniciado em 2007 um novo universo de animações chamado DC Universe Animated Original Movies, começando com Superman: Doomsday (2007) e desde então dezenas de animações foram produzidas.
Constantine protagonizou quatro destas animações: Justice League Dark (2017), Constantine: City of Demons (2018), Justice League Dark: Apokolips War (2020) e DC Showcase: Constantine - The House of Mystery (2022). Nelas temos um gostinho das aventuras do personagem, sua personalidade sarcástica e marcante e também um lado melancólico.
Em The House of Mystery, por exemplo, o Espectro, uma entidade cósmica, julga Constantine por ele ter alterado a linha do tempo e a punição foi expulsá-lo do universo, prendendo-o em uma casa infinita. curiosamente, Espectro foi misericordioso e colocou na casa réplicas de entes queridos, incluindo Zatanna, para que Constantine tivesse uma companhia em sua prisão perpétua.
Só que estes entes queridos viravam demônios e sempre matavam Constantine num ciclo infinito. Só quando ele consegue malandramente escapar da casa é que Espectro explica a situação: ele não planejou isto como parte da punição, foi o próprio Constantine que inconscientemente fez aquelas réplicas se voltarem contra ele como uma forma de auto castigo.
Isso revela uma interessante nuance de Constantine, pois ele às vezes parece um cara sem escrúpulos que não se importa com nada, mas ele vive sempre atormentado pelo peso da culpa por suas decisões controversas. Ele tem uma forte consciência e auto julgamento por trás da sua máscara de cafajeste.
O que tornou o personagem mundialmente conhecido pelo público em geral foi o filme de 2005, estrelado pelo Keanu Reeves. Convenhamos, não era bem o ator com a physique du rôle ideal. Ele não era loiro (nem se deram ao trabalho de tingir), não tinha sotaque britânico e a atuação de Reeves tinha seus limites, mas o ator estava no auge com a franquia Matrix, então foi um nome de peso para interpretar e popularizar o mago.
O fato é que o filme é bom e sobreviveu ao tempo. Mesmo agora, vinte anos depois, não parece datado e até o CGI continua convincente. Há várias cenas dignas de uma splash page de quadrinhos, quando ele visita o inferno, quando pratica exorcismos e no final temos uma cena marcante, quando Lúcifer tenta carregar Constantine para o inferno, mas por ter feito um sacrifício em favor de outra pessoa ele é subitamente salvo e quase sobre para o céu, não fosse a intervenção de Lúcifer que garantiu ao mago mais uns anos de vida, curando-o do câncer de pulmão.
Em 2014 foi lançada a série live action de Constantine pela rede NBC, infelizmente sendo cancelada após 13 episódios. O mago foi interpretado por Matt Ryan que caiu como uma luva no papel, tanto visualmente quanto no sotaque e trejeitos. Não à toa Ryan se tornou o Constantine definitivo, passando também a dublar o personagem nas animações.
Mais ainda. Apesar do cancelamento da série, o Constantine da NBC encontrou uma nova casa na CW, sendo inserido no arrowverso e tornando-se um personagem regular de Legends of Tomorrow (2016-2022).
O Constantine de Matt Ryan durou por quase uma década, participando de mais de 120 episódios, se somarmos a série original, Legends of Tomorrow e eventuais aparições em outras séries do arrowverso. Agora que o arrowverso acabou e um novo DCU está se formando, sob a liderança de James Gunn, ainda é incerto o futuro do personagem em live action.
Como o Matt Ryan já está com 44 anos, talvez ele não retorne ao papel, já que o novo DCU, visando um projeto de longo prazo, está recrutando um elenco mais jovem. De toda forma, ele deixou sua marca.
Palavras-chave:
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