Neollogia
Cogitações e quejandas quimeras 🧙‍♂️
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O universo Suicide Squad

Suicide Squad (2016)

Suicide Squad ou O suicídio do DCU

Revi Esquadrão Suicida (2016) três anos depois, já passada a hype ou esperança que eu tinha na época de ver alguma coisa nova da DC no cinema, só ficou mais claro pra mim como esse filme é errado. Errado num mau sentido.

Jared Leto in Suicide Squad (2016)

O Coringa realmente não é o Coringa. Não que o Jared Leto e toda a galera da maquiagem e figurino não tenham se esforçado, mas o resultado não é o esperado. Aquele personagem pode ser um gângster, um vilão de filme de ação que pinta o cabelo de verde, mas de Coringa mesmo só tem o nome.

Não que o David Ayer e o Jared Leto não tenham feito suas pesquisas. Há elementos visuais no Coringa que são clara referência aos quadrinhos. A edição e os cortes do filme talvez tenham mutilado o personagem.

Jared Joker references in comics
É, eles tentaram...

Por outro lado, a Arlequina funcionou muito bem. Além da caracterização física, que rapidamente se tornou inspiração para muitos cosplays, a personalidade e os trejeitos são realmente da Arlequina.

Margot Robbie and Jared Leto in Suicide Squad (2016)

Suicide Squad (2016)

Também fizeram uma bagunça com os antagonistas. Desde que foi anunciada a presença do Coringa, todo mundo esperava que ele fosse o vilão. Nada mais digno do personagem. Em vez disso, o Palhaço acabou se tornando só uma nota de fundo, aparecendo vez ou outra na tentativa de construir uma relação com a Arlequina.

No fim das contas, o grupo como um todo não chamou atenção. Até o Will Smith não teve um personagem marcante. A grande exceção é a Arlequina, que sobreviveu ao filme e não à toa já faz parte de outros projetos, como o Aves de Rapina. Visualmente também gostei da Magia.

Cara Delevingne in Suicide Squad (2016)

(15,09,2019)

Birds of Prey ou O filme solo da Arlequina

Birds of Prey (2020)

A Harley Quinn (aqui também conhecida como Arlequina) surgiu bem por acaso em 1992 na excelente série Batman The Animated Series. A intenção é que ela fosse apenas uma coadjuvante em um episódio, interagindo com o Coringa, mas a personagem, como uma egrégora, imediatamente ganhou vida própria.

Devido ao sucesso dela na animação, em 1993 foi inserida no canon oficial, aparecendo nos quadrinhos da DC. Desde então a personagem foi crescendo, até que, no Suicide Squad de 2016, ela se tornou uma tendência mundial. Naquele ano, a Arlequina foi uma das personagens mais homenageadas em cosplays e festas de halloween. E não foi uma moda. Ela veio pra ficar.

Além da personagem em si já ser esteticamente chamativa (nas cores, roupas e comportamento meio sapeca meio psicopata), a Margot Robbie encarnou uma das melhores caracterizações em live action já feitas no cinema. No visual e na performance ela ficou perfeita, a própria Arlequina em carne e osso, e foi em grande parte graças a ela que a personagem se tornou inspiração para tantos cosplayers desde então.

Suicide Squad foi dois filmes em um. Por um lado foi uma espécie de Guardiões da Galáxia da DC, ou seja, um filme com uma equipe desconhecida e anti-heroica. Além de ser a história do Esquadrão Suicida em si, também rolou uma trama paralela apresentando o casal Coringa (pela primeira vez interpretado pelo Jared Leto) e Arlequina. No fim das contas, a Arlequina, originalmente uma mera coadjuvante do Coringa, acabou chamando mais atenção que o próprio Coringa.

Suicide Squad foi um fracasso, mas ficou essa expectativa pelo retorno da Arlequina e quem sabe até um filme solo. É aí que chegamos a Aves de Rapina (2020). O título original já revela o tom de sátira:  Birds of Prey (and the Fantabulous Emancipation of One Harley Quinn). A ideia foi ousada em relação ao que a Marvel vinha fazendo. Pela primeira vez um filme dedicado exclusivamente a uma equipe feminina e com direito a violência e humor negro. 

Na prática, porém, a execução deixou a desejar. O humor é sem graça e as cenas de ação têm umas coreografias mal feitas. A história não é lá essas coisas e até mesmo a prometida equipe não existe. Em vez de fazer um filme solo da Arlequina com o nome dela no título (e bastava isso mesmo: se o título fosse Harley Queen já chamaria atenção do grande público nerd), fizeram um suposto filme de equipe, sendo que na prática a trama é focada na Arlequina e o grupo só se reúne rapidamente no finalzinho para umas lutas insossas. 

O objetivo do longa também era fazer uma correção na biografia da Arlequina, desligando-a do relacionamento abusivo que ela sofria com o Coringa¹. Daí o subtítulo falar na sua emancipação. A verdade é que ela já era emancipada enquanto personagem. Enquanto egrégora, Arlequina ganhou vida própria há tempos e pode muito bem existir sem depender do Coringa.

Tirando a personagem principal, as outras são esquecíveis, desinteressantes. Acabaram não entregando nem um filme do grupo Birds of Prey, nem um solo da Arlequina. Foi uma mistura tosca e mal acabada de ambos. Enfim, vai cair no esquecimento e seu único mérito é ter sido o primeiro filme solo (ou quase solo) da Arlequina.

(03,07,2021)

James Gunn salva The Suicide Squad

The Suicide Squad (2021)

The Suicide Squad (2021)

The Suicide Squad (2021)

The Suicide Squad (2021)

Dos irmãos Gunn, James Gunn se tornou o mais conhecido por sua carreira no MCU. Ele estourou a partir de Guardiões da Galáxia, em 2014, mas anos depois foi cancelado pela internet por causa de seu histórico de tuítes com um humor sórdido.

James Gunn não é o único da família a se envolver com cinema e também não é o único perturbado da cabeça. Sean Gunn é ator há um bom tempo, Patrick Gunn é produtor cinematográfico, Beth Gunn foi a única que não seguiu a carreira do cinema, se tornando advogada. E, por fim, temos Brian Gunn e Matt Gunn. Foram estes dois que escreveram a sombria história de Brightburn.

Tanto em Brightburn quanto em Guardiões, dá para notar a predileção de Gunn em abordar famílias disfuncionais e personagens com traumas familiares, bem como algumas relações catárticas. Em Guardiões, o Star-Lord teve um pai ausente na infância e na vida adulta descobre que ele era um egomaníaco, literalmente nomeado Ego, sendo um planeta vivo com desejo de conquista cósmica. Rola então o clássico conflito em que o filho derrota o pai. 

Por outro lado, existe uma relação catártica entre Star-Lord e o mercenário Yondu que, apesar de tê-lo raptado e feito de escravo, acabou desenvolvendo um sentimento paternal, demonstrado de uma forma rude, mas sincera.

A relação mais perturbada se dá entre Thanos e as duas filhas adotivas Gamora e Nebula. Thanos treinava ambas com métodos cruéis, tortura de fato, e, apesar de ter por elas algum afeto, este não era maior que seu sonho fanático de "consertar" o universo, de modo que ele não hesitou em matar Gamora, oferecendo-a em sacrifício para obter a joia da alma.

The Suicide Squad (2021)

The Suicide Squad (2021)

Enfim, James Gunn curte estes dramas familiares e no novo O Esquadrão Suicida (2021) ele traz de volta esta sua assinatura. A fórmula de Gunn, todavia, não se resume ao drama familiar. Isto é parte de seu método para criar personagens interessantes e com os quais simpatizamos. Eles são humanizados ao ganhar vida emocional, ao mesmo tempo em que são ótimos personagens de ação.

Idris Elba in The Suicide Squad (2021)
O super hero landing do Idris Elba.

Margot Robbie and Idris Elba in The Suicide Squad (2021)
Ele é badass como o Batman, mas tem medinho de ratos.

O personagem do Idris Elba, Bloodsport, é uma espécie de Batman. Um verdadeiro badass, cheio de habilidades e gadgets, além de um inquestionável poder de liderança. No entanto, ele tem medo de ratos, o que aplica um alívio cômico misturado a uma causa dramática, pois ele, quando criança, era castigado pelo pai aprisionado em uma caixa cheia de ratos. O tema do pai abusivo sempre presente nos filmes do James Gunn. A catarse se dá no relacionamento paternal que rapidamente se desenvolve entre Bloodsport e a jovem Ratcatcher.

James Gunn gosta de parodiar o próprio gênero de super-heróis. Um exemplo disto é a cena em que o personagem do Idris Elba está em um edifício caindo aos pedaços, o chão sob seus pés desaba e cai no andar de baixo, que também desaba, de modo que ele vai descendo andar após andar até "aterrissar". Acaba sendo uma paródia do super hero landing, quando um herói aterrissa de um salto fazendo uma pose badass, só que, no caso dele, foi um inception² de super hero landing, já que ele aterrissou repetidas vezes à medida em que os andares caiam.

The Suicide Squad (2021)

The Suicide Squad (2021)

The Suicide Squad (2021)
O perturbado Bolinha vê sua mãe em toda parte.

Outro drama ainda mais recheado de alívio cômico é o do personagem Polka-Dot Man (Bolinha), um cara que já chama atenção pelo superpoder zoado de atirar bolinhas coloridas e mortais que saem do corpo dele. Vítima de experimentos científicos feitos pela própria mãe, ele nutre um ódio tal que enxerga a aparência da mãe em todo mundo, inclusive no monstro gigante Starro.

Na primeira versão do Esquadrão Suicida (2016), o David Ayer parecia tentar seguir o tom sombrio e sério de Zack Snyder, com personagens com um jeitão militarizado. James Gunn, por outro lado, captou o verdadeiro espírito da equipe misturando humor e violência. Este humor negro, bem no nível dos filmes do Deadpool, caiu como uma luva no filme.

The Suicide Squad (2021)
O Garoto Destacável, um dos poderes mais estúpidos e inúteis da equipe.

Ele consegue misturar personagens que são realmente fodões (Bloodsport, Harley Quinn, Peacemaker, Rick Flag, King Shark), com personagens bem zoados, como o Bolinha, o T. D. K. (The Detachable Kid, O Garoto Destacável), que tem o estúpido superpoder de destacar os próprios braços e usá-los como drones, e o Weasel (Doninha), interpretado pelo irmão de James, Sean Gunn.

Sylvester Stallone as King Shark in The Suicide Squad (2021)

Sylvester Stallone as King Shark in The Suicide Squad (2021)

Sylvester Stallone as King Shark in The Suicide Squad (2021)

Sylvester Stallone as King Shark in The Suicide Squad (2021)

Sylvester Stallone as King Shark in The Suicide Squad (2021)

Sylvester Stallone as King Shark in The Suicide Squad (2021)

King Shark (dublado por ninguém menos que o Stallone) é o mascote do grupo, como o Groot dos Guardiões, só que mais gore. As melhores e mais divertidas (e uso essa palavra sem culpa) cenas gore são protagonizadas pelo tubarão humanoide, quando o vemos engolindo pessoas inteiras ou esquartejando-as e comendo crânios como se fossem petiscos.

Margot Robbie in The Suicide Squad (2021)

Margot Robbie in The Suicide Squad (2021)

Margot Robbie in The Suicide Squad (2021)

Por fim temos a Harley Quinn que é obviamente a personagem mais conhecida da equipe. Ela foi a melhor coisa do filme de 2016, virando instantaneamente um novo fenômeno cultural (a partir daquele ano, os cosplays de Arlequina se tornaram ainda mais frequentes e comuns, especialmente em eventos como o Halloween).

Arlequina é outra personagem que tem fortes issues familiares, um sentimento de carência e abandono que ocupa o cerne da sua personalidade e explica o fato dela ter se envolvido em relação abusivas, como o Coringa. 

A Arlequina de 2016 se consagrou principalmente pela estética, incluindo a aparência e os trejeitos criados pela Margot Robbie. Em Birds of Prey, ela foi infantilizada, literalmente dando tiros com balas de purpurina e pagando de certinha. Por fim, neste novo Suicide Squad, ela desenvolve uma personalidade que melhor se encaixa no seu arquétipo. 

Arlequina é uma doida. Assim como o Coringa, ela age em certos momentos só pela diversão ou por um impulso aleatório de sua vontade. Ela não está interessada em fazer o certo, pois ela não é uma heroína, bem como não é vilã. Ela é caótica. James Gunn manteve isto. 

Personagens caóticos como ela costumam contar com uma intervenção da sorte em suas aventuras, de modo que ela foi a única que sobreviveu à emboscada no começo do filme e herdou a lança do Javelin que, por pura coincidência, acabou sendo útil no final para que ela derrotasse o kaiju Starro. Foi uma arma de Chekhov e também um Deus ex machina anunciado já no início da história. Todo mundo sabia que no fim ela ia usar aquela lança.

Arlequina é a personagem mais colorida, tanto na personalidade alegre e aventureira quanto no visual. Nas cenas em que ela aparece, o tom azulado do filme muda e ganha mais cores, mais vermelho e amarelo. Ela é o sol do grupo.

Starro in The Suicide Squad (2021)

Starro in The Suicide Squad (2021)

Quanto ao Starro, o vilão da história, é um antigo monstro dos quadrinhos da DC e que combina com o estilo de James Gunn, pois é um bicho zoado. O próprio nome tem um ar cômico, já que tem a ver com o verbo "stare" (encarar), afinal trata-se de uma enorme estrela-do-mar alienígena com um olho gigante. No seu jeito atrapalhado de andar, ele parece um bebezão gigante.

James Gunn, que tanto dirigiu quanto roteirizou, sabe contar uma história. Ele é zoeiro, cheio de humor negro e brinca com o absurdo e inverossímil. Um bom exemplo é o personagem Milton, que nada mais é do que um cara comum, um gordinho vestido com short e camiseta, que sabe-se lá por que estava seguindo na arriscada missão com os super seres do Esquadrão. Esse contraste cria uma situação de absurdo. É como se um noob nível 1 partisse com uma equipe de veteranos nível 100 para explorar uma dungeon.

Mesmo recheado de ação, violência e comédia, o roteiro é bem escrito em termos dramáticos. Há um encaixe conveniente de flashbacks que não quebram a fluidez da história e criam situações em que ora você ri, ora você chora. Ele sabe balancear expectativa e recompensa, de modo que você termina o filme bastante satisfeito e entretido.

The Suicide Squad (2021)

Uma cena que ilustra o seu talento como filmmaker é a luta do Peacemaker que é mostrada no reflexo de seu elmo. A câmera vai girando em torno do elmo e acompanhando a pancadaria espelhada no metal. É um tipo de recurso visual que lembra bastante o estilo narrativo dos quadrinhos.

A maneira como o James Gunn consegue brincar com nossas emoções é bem mostrada no exemplo da Ratcatcher 2 (filha do Ratcatcher 1). A princípio, ela parece uma das personagens mais inúteis do grupo, uma garota que controla ratos (semelhante à Garota-Esquilo da Marvel), uma jovem que está ali para ser carregada e protegida pelos fodões da equipe.

Eis que, no clímax da batalha, um flashback traz um significado bem profundo para o poder da garota. O pai dela era um brilhante cientista que, por causa do vício em drogas, vivia na miséria, literalmente no esgoto, desprezado pela sociedade. Ele, porém, aprendeu a viver desta maneira com uma atitude mental de dignidade, como um Diógenes de Sinope.

Ele desenvolveu um dispositivo para sumonar animais e propositalmente escolheu os ratos, explicando o porquê: "Os ratos são as criaturas mais humildes e mais desprezadas de todas. Se eles têm propósito, então todos nós temos". Ele escolheu os ratos pelo seu poder simbólico contra o niilismo. Criaturas que vivem nos esgotos, são caçadas e odiadas e que mesmo assim lutam para sobreviver dão um exemplo para o ser humano. O danado do James Gunn conseguiu dar uma carga dramática e profunda a uma personagem com o ridículo poder de sumonar ratos.

Daniela Melchior and Compadre Washington

Enfim, este é o Suicide Squad do James Gunn, uma fórmula que mistura terror e humor, ação e emoção. Ele consegue ser sombrio e colorido de uma forma harmônica, sem que nada pareça forçado ou fora do tom.

Parece que não haverá uma sequência para este filme, todavia, uma série spin-off do Peacemaker (John Cena) está em curso, de modo a aumentar o acervo de séries da DC na HBO Max.

(18,09,2021)

O feliz casamento de James Gunn e a DC em Peacemaker

Peacemaker (2022)

James Gunn não só salvou o Suicide Squad como ainda expandiu aquele universo no spin-off Peacemaker (2022). Digo mais: o lugar do James Gunn é na Warner.

Ele se destacou na Marvel com os Guardiões da Galáxia, mas, depois de Suicide Squad e Peacemaker, fica claro que ele está muito mais à vontade, pois a Warner não tem os filtros de nudez, palavrão e violência que a Disney tem. Só na DC ele terá liberdade para usar sua perturbada criatividade.

Em termos de séries, a DC está anos à frente da Marvel. Tem conteúdo de todos os tipos. Tem séries mais infantis e quadrinhescas como The Flash, outras mais adultas e sombrias como Preacher e até algo maluco e inclassificável como Doom Patrol. 

Agora com o Peacemaker temos mais um tom nesta diversificada paleta de estilos. James Gunn é uma mistura de Tarantino com Dave Chappelle. Ele sabe balancear humor e violência e sempre de uma forma relativamente ofensiva para os padrões atuais do politicamente correto. Ele faz piada com o politicamente incorreto, como um bom satirista. 

Mas a graça do James Gunn não se limita a seu humor negro. Ele é de fato um bom contador de história. Sabe desenvolver uma narração e criar personagens cativantes. No Peacemaker há vários momentos de conversas aleatórias, bem ao estilo Tarantino, que têm este efeito de quebrar o gelo e dar leveza e humanidade aos personagens. Assim facilmente nos apegamos a eles.

Desta forma, a narrativa se torna mais character-driven do que plot-driven, ou seja, a trama nem é o motivo pelo qual acompanhamos a história³. Nos primeiros episódios mal dá pra saber qual é exatamente a missão do Peacemaker, já que os tais "borboletas" nunca são propriamente explicados. E não importa. O que dá gosto ao assistir a série é simplesmente acompanhar aquelas pessoas com suas peculiaridades, criando laços ao mesmo tempo em que se xingam e se sacaneiam.

John Cena in Peacemaker (2022)

O Peacemaker, interpretado pelo John Cena, a princípio parece um tipo bem caricato e plano. Ele é um militar fortão e burro, cheio de preconceitos e um jeitão de douchebag. Quando conhecemos seu pai e a relação entre os dois, começamos a entrar na mente do personagem e, portanto, a simpatizar com ele.

Relações familiares tóxicas são parte da assinatura do James Gunn, especialmente pais abusivos, o que ele aborda na forma de zoeira. Outro detalhe da fórmula é a presença de um mascote. Nos Guardiões da Galáxia, o mascote era o Rocket Racoon, agora no Peacemaker é a sua águia de estimação que proporciona uns momentos bem divertidos.

Jennifer Holland in Peacemaker (2022)

O James Gunn tem o hábito de envolver irmãos e amigos em suas produções, especialmente o Sean Gunn, que esteve tanto nos Guardiões da Galáxia quanto no Suicide Squad. Agora a família Gunn tem um novo membro, a belíssima Jennifer Holland, que é sua parceira desde 2015 e ultimamente tem se engajado nos projetos do namorado (que esta semana se tornou noivo).

Em 2019, Holland atuou no Brightburn, que teve roteiro dos irmãos Brian e Matt Gunn e o próprio James Gunn como produtor, mas não diretor. Aí veio o The Suicide Squad, quando ela passou a interpretar a Emilia Harcourt.

A princípio, Harcourt era apenas uma funcionária do departamento comandado pela Amanda Waller e teve uma importância secundária no filme, mas na série do Peacemaker ela foi crescendo em importância, bem como em sua função dentro da equipe, se tornando a líder do grupo e o par romântico do Peacemaker, mas ainda em uma relação platônica na primeira temporada.

Peacemaker (2022)
Harcourt evoluiu de capanga da Amanda Waller a líder do grupo.

A Harcourt passa por uma evolução não apenas na sua liderança, quanto na relação com os colegas, se tornando mais amigável. Isto é algo que o James Gunn já fazia nos Guardiões da Galáxia: ele investe no desenvolvimento da amizade do grupo, transformando-o em uma pequena família. A cena em que Harcourt troca figurinhas no zap com a equipe ilustra bem esta evolução do relacionamento.

Há também uma mistura de cringe que é agradável. A abertura da série, por exemplo, tem uma dancinha dos personagens que é meio cringe, mas ao mesmo tempo cool, tanto que eu nunca pulo a abertura e cada vez que assisto gosto mais. O James Gunn conseguiu fazer o brutamontes do John Cena parecer legal dançando. 

Por fim, tem a trilha sonora. Desde os Guardiões que ficou bem definida esta assinatura do diretor. Ele tem um gosto musical apurado, capricha na escolha das músicas e faz com que elas sejam parte da história, como na cena em que o John Cena (badumtss) vai pra cama com uma garota aleatória e fica apreciando os discos de rock que ela coleciona.

Peacemaker (2022)
Gosto de pensar que esta cena foi uma referência ao Aríete do He-Man.

Peacemaker tem potencial para viver por muitas temporadas, enquanto o James Gunn e o John Cena estiverem dispostos a continuar.

Creio que o casal, James Gunn e Jennifer Holland, tem planos ambiciosos para a personagem dela. Tenho impressão que a Harcourt pode evoluir a ponto de se tornar uma nova Amanda Waller e se tornar uma recrutadora de personagens que podem expandir este universo, este gunnverso.

A DC até o momento tem dois grandes universos compartilhados: o snyderverso, que começou com o Man of Steel e foi até a versão final da Justice League; e tem o arrowverso, que começou obviamente no Arrow e se ramificou em uma grande quantidade de séries dedicadas a outros personagens. 

Eis que agora o DCU parece se expandir em mais uma direção, a do gunnverso, que começou no The Suicide Squad, ganhou muito rapidamente um spin-off com o Peacemaker e tem potencial pra continuar se ramificando.

Peacemaker (2022)

Peacemaker (2022)

(14,01,2022)

As animações de Suicide Squad

Em 2018 foi lançado Suicide Squad: Hell to Pay, uma de inúmeras animações da DC dirigidas por Sam Liu. Este universo não tem nenhuma relação com os filmes, tanto que os personagens tiveram dubladores diferentes, como a Arlequina, dublada por Tara Strong.

Tara Strong
Tara Strong, dubladora de longa carreira, de Meninas Superpoderosas a Arlequina na DC.

Suicide Squad: Isekai (2024) chamou mais atenção por ser uma série animada estilo anime, produzida por um studio japonês, o Wit Studio (eles têm Attack on Titan no currículo, por exemplo). Não é lá uma animação supimpa, mas traz uma proposta inusitada no universo da DC que é colocar os personagens numa história isekai, se bem que basicamente um isekai é uma versão japonesa de multiverso. O estilo do desenho é agradável, especialmente o visual da Arlequina.

Suicide Squad Isekai (2024)

Suicide Squad Isekai (2024)

No mundo dos games, foi lançado um action shooter chamado Suicide Squad: Kill the Justice League (2024) que foi um grande fracasso.

E agora chegamos ao good stuff, uma animação realmente interessante: Harley Quinn (2019-). Com um tom bastante satírico e humor negro, esta série não tem medo de fazer humor com muito gore e eventuais alfinetadas políticas que são por vezes enviesadas, a típica piada progressista zoando temas conservadores, o que certamente incomodou uma parte do público, mas eu não diria que isto estraga a série.

Harley Quinn (2019-)

Harley Quinn (2019-)

Harley Quinn (2019-)

Harley Quinn (2019-)

Harley Quinn (2019-)
O melhor e mais trágico casal da série.

Harley Quinn (2019-)

Até o momento já teve quatro temporadas, com a quinta a sair neste final de 2024, e seus quase 50 episódios garantiram um bom desenvolvimento dos personagens. Apesar do humor bastante debochado, há certos momentos dramáticos e até um trágico romance shakespeariano entre Mister Freeze e Nora Freeze, a ponto dele se sacrificar para salvar sua amada. Bom, depois que ele morre, a Nora resolve cair na farra, o que estraga um pouco o belo romance que tiveram, mas não era de se esperar menos de uma comédia.

Kite Man Hell Yeah! (2024)

O sucesso desta animação foi tal que até rendeu seu próprio spin-off focado no personagem mais fraco daquele universo, o Kite Man (Homem Pipa), um cara que simplesmente não tem poder algum e sua "arma" é uma pipa. Ele é tipo um Batman só que pobre e burro. O curioso no Homem Pipa é sua personalidade, pois em um mundo de vilões psicopatas e escrotos, ele se mostra muito gentil e ingênuo. O super poder dele é ter um bom coração.

Enquanto na série da Arlequina o Lex Luthor foi dublado pelo Giancarlo Esposito, no Homem Pipa ficou na voz de Lance Reddick (o eterno Charon de John Wick), que infelizmente faleceu em 2023. O grande destaque na dublagem de ambas animações fica para a Kaley Cuoco e devo dizer que ela é a melhor Arlequina de todas em termos de voz. Ela realmente consegue transmitir a energia e os trejeitos que se esperam da Arlequina. 

A série do Homem Pipa mantém a mesma qualidade da Arlequina, tanto na animação quanto no roteiro, sem contar que a imensa quantidade de personagens envolve uma grande equipe de dubladores. É realmente um trabalho caprichado e espero que ambas animações ainda rendam muitas temporadas.

Enfim, este é o universo do Suicide Squad nas telas até o momento. O Peacemaker já tem uma segunda temporada a caminho e as animações da Arlequina e Homem Pipa parecem que também devem continuar na era James Gunn. Quanto a novos filmes, certamente o Esquadrão Suicida não deve estar nos planos deste novo DCU.

(11,11,2024)

Notas:

1: Acho interessante falar algo sobre esse fenômeno que vem acontecendo ultimamente, ligado à chamada "cultura do cancelamento" e wokeísmo. Baseadas na moral politicamente correta, há pessoas que se põem a criticar certos personagens e histórias fictícias quando estes violam tal moral. É algo parecido com a pressão que havia nos anos 50 para que os quadrinhos fossem menos violentos, mais family friendly e mais propagadores da moral e dos bons costumes (ver a história do Comics Code).

É uma forma extremista de se propagar a moral na sociedade, pois chega ao ponto de achar que mesmo na ficção tudo deve ser certinho para não correr o risco de dar um mal exemplo ao público. Por exemplo, no lançamento do filme X-Men: Apocalipse (2016), houve na internet uma turma reclamando de um poster em que o vilão, Apocalipse, estrangulava a Mística, pois isto podia passar uma mensagem de misoginia. 

Ora, o Apocalipse era um vilão, e vilões fazem coisas erradas. O vilão mata, tortura, engana, conspira, é tirano, é cruel... É sabido desde sempre, como uma regra tácita da sociedade, que vilões, em termos de ensino da moral, existem para ser um exemplo negativo. Toda criança sabe que o vilão não é um exemplo a ser seguido. Logo, cobrar de um vilão que não seja visto estrangulando uma personagem é realmente forçar a barra.

O mesmo vale para a relação entre Coringa e Arlequina. Ele era definitivamente abusivo, pois o Coringa é nada menos que um dos personagens mais cruéis do universo Batman. Ele já fez coisas terríveis, matou o filho do Batman, abusou e aleijou a primeira Batgirl, para ficar em exemplos mais conhecidos. É de se esperar que este sujeito psicopata seja igualmente cruel em um relacionamento "romântico". 

Inclusive, a existência deste relacionamento doentio pode servir como um exemplo negativo. O fato do Coringa tratar assim uma mulher não é uma motivação para que as pessoas tratem da mesma forma seus parceiros. É justamente o contrário.

Anyway, o mundo precisa reaprender a função e importância dos vilões e personagens errados. Transformar vilões em bons moços só serve para empobrecer a ficção com puritanismo.

2: O filme Inception (2010) de tal forma virou um fenômeno cultural que até mesmo consagrou uma palavra no dicionário nerd. Nos anos posteriores ao filme, "inception" logo se tornou sinônimo de metalinguagem ou um conceito fractal de camadas dentro de camadas, pois no filme vemos os personagens mergulhando em diferentes camadas do mundo psíquico do sonho, como uma matrioshka, em que bonecas saem de dentro de bonecas. Infelizmente hoje em dia, quase 15 anos depois do filme, o termo já não é tão popular quanto era antes.

3: Existem raros casos em que uma série consegue ser excelente tanto no character-driven quanto no plot-driven. Um bom exemplo é Game of Thrones. As inúmeras cenas de diálogos e interações fazem com que nos apeguemos bastante aos personagens (e olha que GoT tem muuuitos personagens), ao mesmo tempo em que estamos sempre focados na trama, esperando o próximo movimento deste jogo de xadrez político que acontece em Westeros.

Palavras-chave:

Cara Delevingne, Cathy Yan, David Ayer, DC Comics, Dean Lorey, Eri Osada, Giancarlo Esposito, Idris Elba, James Gunn, Jared Leto, Jennifer Holland, John Cena, Kaley Cuoco, Katie Rich, Lance Reddick, Margot Robbie, Patrick Schumacker, Sam Liu, Sean Gunn, Sylvester Stallone, Tara Strong, Warner, Will Smith, Wit Studio

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