Neollogia
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A Fantástica Fábrica de Chocolate

Willy Wonka & the Chocolate Factory (1971)

Charlie and the Chocolate Factory (1964) foi um livro infantil originalmente escrito por Roald Dahl, o mesmo autor que inseriu na cultura popular o termo "gremlins", a partir de seu conto The Gremlins (1943).

O sucesso do livro rendeu uma adaptação cinematográfica poucos anos depois, com o icônico Willy Wonka and the Chocolate Factory (1971), contando a história do pobre garoto Charlie e sua aventura ao conhecer um excêntrico fabricante de chocolates, Willy Wonka (interpretado por Gene Wilder). A fábrica de Wonka tem um ar fantástico e seus trabalhadores são misteriosos seres minúsculos chamados oompa-loompas.

Gene Wilder in Willy Wonka & the Chocolate Factory (1971)
Décadas depois, este frame se tornou um dos memes mais famosos da internet.

Wonka é um personagem ambíguo. Por um lado ele parece ter prazer em alegrar as pessoas com seus doces, mas durante o tour em sua fábrica ele demonstra ora sadismo ora indiferença à medida em que os visitantes vão sofrendo acidentes surreais. Não à toa o estranho comportamento de Wonka levou a uma especulação de que ele pode ser uma espécie de alegoria para o Diabo, enquanto a fábrica é o Inferno.

A fábrica é um mundo de tentações e toda vez que algum dos visitantes desobedece as regras (logo, pecando), é severamente punido. Bem ao estilo da Divina Comédia, onde cada categoria de pecado tem sua punição específica, também os "acidentes" na fábrica combinam com os pecados dos visitantes.

Primeiro vemos Augustus, um garoto gordinho, cometer o pecado da gula ao se empanturrar no rio de chocolate. Ele é levado pelo rio e sugado por um cano. A punição do glutão é ele próprio ser engolido.

Depois a Violet se mostra uma garota arrogante que se gaba de bater o recorde de mascar chiclete. Ela é tentada a mascar um chiclete experimental e sua punição é inchar como um balão e ficar toda roxa.

Veruca é gananciosa e invejosa, desejando tudo o que vê na fábrica. Ela começa a fazer uma arruaça na fábrica e acaba caindo em um buraco que vai terminar no lixão. A punição da ganância é ser reduzida ao estado de miséria que é o lixo.

Por fim, o agressivo pivete Mike é tentado a se submeter a um experimento de teleporte na Wonkavision e se torna minúsculo. A punição para a violência é se tornar fraco e impotente.

A ideia do Diabo como uma espécie de juiz não é exatamente algo descrito na Bíblia, mas que foi se desenvolvendo no folclore cristão ao longo dos séculos e este é o Diabo representado por Wonka. Ele pune os pecados e também recompensa quem resiste à tentação.

Gene Wilder and Peter Ostrum in Willy Wonka & the Chocolate Factory (1971)

A tentação de Charlie era entregar para um fabricante concorrente um exemplar do doce experimental Everlasting Gobstopper, um doce que dura a vida toda. Uma vez que o avô de Charlie provou uma bebida proibida na fábrica, Wonka revogou o prêmio que daria ao garoto. Desiludido, o garoto está prestes a ir embora, mas antes entrega o seu exemplar da Everlasting Gobstopper num gesto de boa fé. Ele poderia ter levado o doce e entregue ao concorrente para se vingar, mas seu coração puro não caiu nesta tentação.

Diante deste gesto, Wonka celebra o fato de Charlie ter passado no teste de confiança e não só garantiu o prêmio para o garoto, como deixou toda a fábrica de herança. Pois é, Wonka já tinha planos para deixar um sucessor, mas a esta altura a analogia com o Diabo já chegou ao fim.

Como em toda analogia, nem todos os detalhes devem ser interpretados como parte de algum simbolismo. Os oompa-loompas, por exemplo, seriam demônios a serviço do Diabo? É uma possibilidade, mas uma explicação mais simples e Occaniana é que eles estão na história pelo simples fato de serem divertidos. As melhores cenas são performadas por estes anões, com suas músicas e dancinhas sincronizadas.

Charlie and the Chocolate Factory (2005)

Três décadas depois tivemos uma nova adaptação intitulada Charlie and the Chocolate Factory (2005), dirigida pelo Tim Burton e com Johnny Depp no papel de Wonka. Tim Burton usou e abusou de efeitos em CGI, afinal o filme teve um gordo orçamento de 150 milhões de dólares (o que equivaleria a uns 300-350 milhões agora em 2024 com a devida correção da inflação), bem mais do que os 3 milhões que custaram o filme de 1971 (e que hoje em dia equivaleria a uns 20 milhões).

Deep Roy in Charlie and the Chocolate Factory (2005)

Visualmente chama bastante atenção. Quanto ao Wonka, não é o melhor dos papéis do Johnny Depp. Essa versão burtonesca tentou enfatizar o lado sinistro e até sádico do Wonka, em detrimento de seu carisma. Quem acabou roubando a cena no filme inteiro foram os oompa-loompas, ou melhor, o ator Deep Roy, com seus 1,32 de altura e performando estranhos momentos musicais ao longo do filme. Ele sozinho interpretou todos os oompa-loompas, multiplicado pelos efeitos de CGI. De longe os melhores momentos são aqueles em que os oompa-loompas aparecem para fazer seu show musical. O Deep superou o Depp.

Timothéé Chalamet in Wonka (2023)

Wonka (2023) funciona como uma prequela, mostrando a origem do jovem fabricante de chocolates, muito bem interpretado pelo Timothée Chalamet. Este filme enfatiza o aspecto mágico do personagem e investe mais em musical. É menos cômico que os anteriores, mais romântico no sentido de mostrar Wonka como alguém em busca de realizar o grande sonho de sua vida.

Este novo Wonka também tem uma natureza completamente diferente. O primeiro Wonka de 1971 já tinha um ar creepy e o de 2005 era ainda mais sinistro. Não à toa rolam teorias de fãs que sugerem que ele era uma espécie de serial killer que intencionalmente provocava certos acidentes com os visitantes na fábrica (além da teoria alegórica sobre o Diabo).

A versão do Timothée, por outro lado, se mostra completamente livre de maldade. É um jovem pacato, que trata a todos com candura e até se sacrifica para ajudar os outros. Ironicamente, este novo Wonka se assemelha mais a uma alegoria de Jesus do que do Diabo.

Peter Ostrum
Peter Ostrum, o ator de um filme só.

O esperançoso e bondoso garotinho Charlie Bucket foi interpretado por Peter Ostrum aos 12 anos. Este foi o único papel do jovem em toda sua vida, mas que o eternizou na galeria da fama de Hollywood. E foi justamente toda a atenção e publicidade que recebeu por causa do filme que o fez chegar à conclusão que ele não queria aquele tipo de vida.

Peter acabou enveredando pela veterinária, carreira que seguiu até se aposentar aos 66 anos. Sempre reservado, ao longo das décadas ele evitou as câmeras e nem mesmo gostava de contar para as pessoas que alguma vez ele já protagonizou um filme.

Uma nota sobre o computador do primeiro filme

Em 2021 o clássico filme de 1971 chegou aos 50 anos e um curioso detalhe futurista neste longa chama atenção: um computador.

Na década de 70 alguns computadores já eram usados em fábricas, entre eles o Siemens 4004. No filme, vemos um engenheiro usando este dispositivo para tentar prever em quais barras de chocolate estariam os tíquetes premiados, só que a máquina se mostra com um relativo grau de consciência, visto que ela se recusa a dar o resultado, pois, segundo ela, isto seria trapaça.

World on a Wire (1973)

Welt am Draht (1973)

O Siemens 4004 da vida real obviamente era bem mais limitado em sua inteligência e utilidade, mas na ficção ele ganhou superpoderes e não apenas no filme do Wonka. Também temos o caso da minissérie de 2 episódios Welt am Draht (O Mundo por um Fio, 1973), em que um supercomputador Siemens 4004 é usado pelo instituto Cybernetics and Future Science para rodar um programa de simulação de mundo virtual.

Neste mundo virtual (sim, um dos precursores e inspiração para o filme Matrix décadas depois), vivem 9000 pessoas que na verdade são inteligências artificiais programadas para viver e pensar como humanos, existindo na simulação sem sequer se darem conta de que é uma simulação.

É interessante como nos anos 70 já havia uma expectativa bem elevada quanto ao potencial dos computadores, talvez até ingênua, pois eles não tinham ideia de como seria necessário um poder de processamento e armazenamento colossal para rodar a simulação de um mundo virtual, enquanto um Siemens 4004 usava disquetes que só comportavam alguns Kbytes de dados.

Cast of Willy Wonka & the Chocolate Factory (1971)

Cast of Willy Wonka & the Chocolate Factory (1971)

(01,06,2024)

Palavras-chave:

Deep Roy, Gene Wilder, Johnny Depp, Matrix, Mel Stuart, Paramount, Paul King, Peter Ostrum, Roald Dahl, Tim Burton, Timothée Chalamet, Warner

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