Neollogia
Cogitações e quejandas quimeras 🧙‍♂️
.・゜゜・Omnia Mutantur ・゜゜・.

Sobre fanatismo

Os religiosos mais fanáticos costumam ser os recém-convertidos. O velho religioso, que já está nesta jornada há anos, já alcançou um certo estágio de tédio, de mesmice, ou, olhando por um aspecto positivo, o devoto se tornou mais maduro e realista, sabendo conciliar sua fé e a vivência no mundo. Ele já fez o ajuste fino da sua fé e alcançou a serenidade.

O novato tem um sentimento de revolução, de certa superioridade arrogante em relação aos infiéis e até mesmo aos outros fiéis mais experientes que não mostram o mesmo fervor. Encantado por ter descoberto a verdade, fecha a mente para qualquer questionamento. Enxerga erros em tudo e todos, negligenciando a autocrítica. Um pequeno fariseu.

Obviamente também existe fanatismo nos fiéis mais vividos, que acumularam anos de crença. Em alguns casos, trata-se de pessoas mentalmente fossilizadas, que permanecem as mesmas por anos e anos, sem jamais aprender algo novo. 

Em outros casos, são pessoas que obtêm vantagens de seu status religioso, pois ocupam funções de liderança, são seguidos e venerados por outros fiéis, exercem influência, poder, são recompensados de diversas maneiras. Estes provavelmente não têm mais a visão ingênua e utópica dos recém-convertidos. Talvez até cultivem no íntimo um desencanto com a crença, mas externam o fanatismo pelas vantagens que ele proporciona.

Isto não acontece apenas em religiões, mas também em outros sistemas parecidos, como a política e a ideologia. Podemos trocar o jovem fiel pelo jovem militante político. Ambos assemelham-se no fervor, na crença firme em seus dogmas e na agressividade com que atua em sua cruzada para salvar o mundo, converter novos adeptos e julgar hereges.

É certo que há beleza e bondade na religião, mesmo na política e na ideologia. Crença e fanatismo não são sinônimos. O fanatismo é a perversão da crença. Há aqueles que creem de uma forma inofensiva e benevolente. Entre estes misturam-se os fanáticos, como o joio brotando na plantação de trigo.

(22,05,2023)

Solitude

A maioria das pessoas associa a solidão a algo negativo, algo que se deve evitar, que se deve temer, como um castigo. A solidão é triste, a solidão causa angústia e vazio.

Bom, não para mim ou para outros como eu que veem na solidão um alívio, um descanso, a paz. Existe esta comunidade invisível que une todos os amantes da solidão. A irônica comunhão dos eremitas, separados, porém juntos na visão de mundo que partilham.

Fiquemos em silêncio, cada um na sua caverna. À noite olharemos as estrelas e assim de longe veremos os infinitos mundos vagando na imensidão. Lá longe, há bilhões de anos-luz, estão outros de nossos irmãos, outros eremitas que também desfrutam da arte de olhar as estrelas em completo silêncio e solitude.

(29,05,2023)

A régua da ofensa

Nas sociedades extremamente bárbaras e nas extremamente civilizadas a régua da ofensa se encontra. Em uma sociedade bárbara, um bruto pode facilmente se ofender com um olhar torto, uma palavra mal explicada, um ato falho ou uma opinião discordante. Em consequência, ele pode te matar por se ofender com estas tolices. 

Em uma sociedade muito civilizada, igualmente, mínimos gestos e palavras casuais podem ser interpretados como ofensas graves que, embora não levem à morte, podem ser punidas com uma severidade exagerada. 

A civilização naturalmente ruma para o desenvolvimento da tolerância, da aceitação de opiniões discordantes, da sátira e do sarcasmo. A sociedade estabelece este pacto tácito de mútua aceitação e da liberdade de expressão, obviamente assumindo a responsabilidade por excessos. 

Todavia, mesmo atitudes saudáveis podem se tornar doentias quando levadas ao extremo. Uma pessoa asseada é ótimo, mas uma pessoa com uma mania patológica de limpeza torna-se doente. Assim o excesso de civilidade pode se tornar uma patologia que ironicamente leva as pessoas de volta à barbárie, quando as coisas mais banais tornam-se ofensivas e provocam uma retaliação desproporcional.

(25,07,2023)

A evolução da etiqueta na internet

Normalmente, se você está em um ambiente público conversando com um grupo de pessoas, inclusive pessoas estranhas que você nunca viu antes, existe um certo nível de etiqueta. Um estranho não costuma se aproximar de você com xingamentos e críticas, os conhecidos podem te xingar em tom de brincadeira, mas também evitam ser muito críticos e falar tudo o que pensam. 

Afinal, todos sabem que, se você se aproxima dos outros com uma atitude crítica, você se torna uma companhia desagradável e que todos vão evitar. Somente loucos, delinquentes e desequilibrados se comportam assim na vida real.

Na internet, por sua vez, este tipo de postura hostil é bem comum e muitas pessoas simplesmente abandonam as normas de etiqueta que usam na vida real, tornando-se mais críticas, xingando gratuitamente outras pessoas, fazendo comentários inapropriados, praticando bullying, sendo inconvenientes.

Isto acontece obviamente por causa de uma camada de anonimidade que a internet oferece. Não que você seja de fato um anônimo. Quem comete crimes na internet pode ser punido, porque sempre deixa rastros. No entanto, mesmo em redes sociais, onde você pode se apresentar com seu nome e colocar sua foto no perfil, o fato de não se sentir fisicamente presente naquele ambiente faz com que você perca a noção de pessoalidade. Ao falar com outras pessoas, você não tem o mesmo nível de empatia que teria se as visse pessoalmente, em carne e osso, pois ali, na internet, são apenas uma fotinha num perfil e às vezes nem é a foto real da pessoa.

Esta sensação de anonimidade e impessoalidade deverá mudar no metaverso, o real metaverso. Um dia, você vai se mover na internet como se fosse um segundo mundo físico, e sentirá a presença das pessoas, elas vão parecer mais reais, mais sólidas. Este tipo de sensação de presença real deverá ser suficiente para fazer com que muitas pessoas naturalmente passem a adotar na internet a mesma etiqueta que adotam no mundo físico, de modo que somente loucos, delinquentes e desequilibrados vão continuar se comportando como brutos mal educados no mundo virtual.

(14,09,2023)

A era de ouro do animismo

Flammarion engraving

O erotismo e a paixão são um campo onde o animismo floresce. Hoje em dia mais ainda com a internet. Há algumas décadas, quando criança, eu era apaixonado pela Penélope Charmosa, uma personagem de desenho animado. Eu ficava me imaginando como um herói que a salvava dos bandidos. Era um animismo infantil, atribuir a um desenho uma vida própria, uma substância tal que eu podia nutrir sentimentos por ela. 

Hoje em dia vejo que mesmo adultos experimentam um pouco disto ao gostar de personagens de anime, games, até mesmo personagens sem uma aparência física visível, como aqueles dos livros. Mulheres talvez tenham ainda mais facilidade que homens para se apaixonar por personagens de livros e não à toa consomem romances mais que homens. Obviamente qualquer pessoa dita normal sabe fazer uma distinção entre estes sentimentos platônicos por seres fictícios e algo real, mas tais sentimentos existem e se constituem numa manifestação de animismo.

No erotismo existe toda uma cultura de produção de material erótico baseado em desenhos, animes, jogos, etc. A chamada "rule 34". Isto é puro animismo.

Mas não só isto. Na verdade, até mesmo representações de humanos reais são animistas. Uma escultura em mármore baseada em um modelo humano real se torna um ser em si e daí nasceu o pigmalionismo. Há quem tenha sentimentos pela Mona Lisa, que hoje é apenas a representação de uma mulher real que já nem mais existe. 

Ora, o que são fotos e vídeos senão também representações de pessoas reais? Quando as pessoas assistem a um vídeo erótico ou veem fotos nuas de pessoas e se excitam com isto, até mesmo ao ponto do orgasmo, estão tendo uma relação anímica, já que a pessoa real, de carne e osso, não está ali participando deste momento erótico. 

Casais apaixonados que ficam de daydreaming um com o outro, imaginando a pessoa amada e fantasiando histórias, estão se relacionando no momento do devaneio não com a pessoa real, mas com a sua representação mental e anímica. 

Já parou para pensar nisto? Quando você sonha, pensa, imagina a pessoa com quem você está se relacionando, naquele momento você está nutrindo sentimentos por uma construção da sua mente e não pela pessoa concreta que não está fisicamente presente. De fato, todo relacionamento tem um aspecto anímico, uma vez que você não direciona seus sentimentos simplesmente a uma pessoa, mas também à projeção imaginária que você faz dela.

Sentimentos religiosos são por natureza anímicos, já que você projeta sentimentos em ídolos, talismãs, santos, anjos, espíritos, divindades, seres que geralmente não se mostram fisicamente presentes. Tudo isto nos faz perceber que a dimensão física é apenas um pequeno aspecto da realidade vislumbrada pela nossa mente. Vivemos em um misto de mundo físico e mental, sendo o mundo mental muito mais amplo.

E eis que agora a tecnologia está levando a humanidade para uma espécie de renascença do animismo, com a inteligência artificial. Algumas pessoas vão resistir inicialmente, rejeitando a ideia de humanos terem algum tipo de sentimento direcionado a máquinas, mas com o tempo isto se tornará cada vez mais comum. Ora, quando você se irrita com a Alexa ou ri de um comportamento dela, já está desenvolvendo um laço anímico com esta inteligência artificial.

Até que ponto irá se aprofundar a relação entre humanos e máquinas? Um dia haverá crianças que serão criadas por robôs e nutrirão por eles sentimentos filiais. Haverá idosos solitários que terão a valiosa companhia de um cuidador robótico e muitos vão ter por estes robôs o sentimento que se tem por um grande amigo. No mundo erótico, então, as pessoas terão experiências eróticas envolvendo máquinas com mais frequência do que as relações humano com humano.

Em algum momento, talvez até existam robôs se convertendo e praticando alguma religião. Quando isto acontecer, teremos um curioso fechamento de ciclo, pois um ser anímico, a inteligência artificial, será igualmente praticante do animismo.  

E assim toda a jornada da humanidade, que no tempo das cavernas começou com sentimentos anímicos voltados para criaturas desenhadas nas rochas e bonecos de palha, ruma para uma espécie de animismo cósmico, com a compreensão de que o universo inteiro, além de sua camada puramente física, é também um mundo mental experimentado pela consciência. 

Nós, seres conscientes, somos a consciência do universo, e vivemos neste limiar entre a matéria e o mundo mental. Ao criar um mundo virtual, chegamos ao ponto em que ambos os reinos se misturam e se confundem. Este mundo irá se expandir e se mesclar à própria consciência individual e coletiva. A era de ouro do animismo.  

(16,10,2023)

De Equilibrium a John Wick, a arte do gun kata

Gun kata

A primeira vez que ouvi falar em gun kata foi há mais de dez anos quando assisti Equilibrium (2002). Nessa época eu ainda alugava filmes em locadoras físicas e algo que eu adorava (e hoje não existe mais no streaming, já que geralmente você aluga apenas o filme em si) era o material extra, principalmente o making of. Pois bem, foi numa destas entrevistas que vi o diretor de Equilibrium explicando sobre esta arte marcial criada especialmente para aquele filme.

Basicamente, o gun kata é uma arte marcial baseada em probabilidades estatísticas, algo que combina com o mundo lógico e puramente racional de Equilibrium. O objetivo é realizar movimentos e disparos em direções bem específicas, visando ao mesmo tempo acertar os alvos nos spots estatisticamente mais prováveis e também desviar-se da trajetória dos disparos inimigos. O resultado é uma espécie de dança bem estilosa e badass.


Conforme vemos ao longo do filme, o gun kata não se resume a tiros, mas também combate a curta distância e até técnicas de desarmamento. Daí temos a icônica cena em que Preston e DuPont, ambos treinados na arte, ficam numa longa sequência de mútua tentativa de desarmamento.

Christian Bale; Equilibrium (2002)

Na definição do próprio DuPont:

"Each fluid position representing a maximum kill zone, inflicting maximum damage on the maximum number of opponents while keeping the defender clear of the statistically traditional trajectories of return fire. By the rote mastery of this art, your firing efficiency will rise by no less than 120%. The difference of a 63% increase to lethal proficiency makes the master of the gun katas an adversary not to be taken lightly."

Armas de fogo e tiroteios são populares no cinema desde o tempo dos filmes de Velho Oeste, os chamados bang bang. Neste caso, os personagens pareciam descolados e fodões por causa da agilidade com que sacavam as armas da cintura e a mira fabulosa. Suas poses eram mais estáticas e rígidas e não havia firulas. Muitas vezes a cena era lenta, como quando usavam espingardas para um tiro à distância e levavam certo tempo mirando calmamente, mas tudo isso dava também um ar descolado de um cara que sabe o que está fazendo. O negócio era ser bom de tiro e pronto.

Clint Eastwood; The Good, the Bad and the Ugly (1966)

Nos filmes de kung fu foi só uma questão de tempo até armas de fogo também se tornarem parte da luta marcial. Então em Matrix (1999) esse conceito foi esteticamente melhorado com recursos de câmera e computação, criando aquelas cenas do Neo e Trinity literalmente subindo pelas paredes enquanto dão tiros e recarregam suas armas e trocam de armas e desviam de balas em câmera lenta (ato que ficou conhecido como "bullet time" e desde então foi copiado à exaustão em filmes e jogos).

Equilibrium refinou a ideia e transformou essa prática, outrora fruto apenas da habilidade marcial dos personagens, em uma arte que é uma espécie de ciência, fruto de cálculos estatísticos, resultando numa performance muito elegante de tiro e coreografia. O Christian Bale fez isso com maestria.

Kingsman (2014)

Em 2014 tivemos uma das melhores cenas envolvendo essa técnica que foi a já clássica "cena da igreja em Kingsman", em que Colin Firth, do alto da elegância do seu terno inglês, massacrou uma turba ensandecida usando uma pistola tanto para dar tiros como para espancar com coronhadas e até perfurou um cara com as peças desmontadas da arma. Isso é que é tirar o proveito máximo de uma pistola.

John Wick (2014)

E então chegamos em John Wick. John Wick é o gun kata ambulante. Todas as cenas de luta (e são muitas) estão recheadas de uma elaborada coreografia envolvendo judô, karatê e manipulação de armas de fogo ou qualquer coisa que na mão de John Wick vira uma arma (até um lápis!). 

(15,05,2019; 08,08,2025)

Palavras-chave:

Christian Bale, Clint Eastwood, Colin Firth, Dimension Films, Keanu Reeves, Kurt Wimmer

E Anora só queria um abraço

Anora (2024)

Anora (2024)

Em Anora (2024) uma stripper de 23 anos atende um cliente que é filho de um oligarca russo. O garoto Vanya, impulsivo e imaturo, gosta tanto dela que a pede em casamento e Anora "Ani" acaba aceitando. 

Anora é infantil, inconsequente, hedonista, impulsiva. Ela conhece um cliente novo e na mesma semana decide casar com ele. Alguns diriam que ela estava apaixonada e a paixão nos deixa inconsequentes. Bom, se isso é paixão, então quero distância desse sentimento impulsivo. 

A verdade é que não era paixão ou apenas isso. Era ambição mesmo. Ela viu nele uma oportunidade de ter uma vida de luxo. Ele era jovem, imaturo, bobinho e manipulável. Tudo o que eles fizeram foi curtir baladas, sexo e drogas em uma semana. Ela não o conheceu de verdade e o suficiente para ver nele a pessoa com que queria passar o resto da vida. De ambas as partes, foi tudo um impulso superficial e raso.

Mark Eydelshteyn, Mikey Madison; Anora (2024)

O garoto não era diferente dela. Igualmente impulsivo e inconsequente, só queria saber de curtição. Enfim, dois jovens imaturos tomando decisões impensadas. 

Então os adultos entram em cena, pois capangas enviados pelos pais de Vanya tentam persuadir os dois pombinhos a anularem o casamento, então o filme se torna uma série de barracos e trapalhadas; como uma criança fugindo das consequências, Vanya simplesmente foge de casa, deixando Ani com os capangas, até que enfim eles encontram o rapaz e a essa altura os dois já estão se detestando e convencidos a anular o casamento.

Convenhamos que como "adultos" os dois tinham o direito de se casarem e ninguém tinha nada com isso, mas esse casamento impulsivo estava fadado a dar errado. Anora é uma personagem detestável, tanto quanto Vanya. A sensualidade e beleza da Mickey Madison é bem aproveitada no filme, mas isso não torna Anora menos irritante. 

Yura Borisov, Mikey Madison; Anora (2024)
Como começou...

Yura Borisov, Mikey Madison; Anora (2024)
...como terminou.

A cena final, todavia, acrescenta uma camada mais profunda à personagem, quando vemos que ela facilmente se entrega a uma relação sexual, mas hesita bastante em beijar na boca. É aquela famosa máxima de que prostitutas não beijam na boca, pois este é o limite da intimidade. Quando confrontada com esta situação, ela expõe a casca que criou contra a verdadeira intimidade afetiva, então ela desaba e mostra que tudo o que precisava era de um abraço.

Pretty Woman (1990)

De certa forma Anora é uma versão modernizada de Pretty Woman (1990), modernizada inclusive no tom. O cinema dos anos 90 era em geral mais solar, mais feliz e com personagens mais leves, divertidos, que mesmo tendo seus problemas lidavam com a vida e uns com os outros de uma forma amistosa. Já o cinema atual tende para o pessimismo, o cinismo, uma abordagem mais sombria da vida e os personagens não raro são antipáticos e vivem em perpétuo conflito uns com os outros. 

Anora é irritante, trata todos com desdém e agressividade e é igualmente desprezada pelos outros. A Vivian, por sua vez, é sorridente, amistosa. Ela passa por algumas situações em que é destratada pelas pessoas, também tem seu momento de desentendimento com o Edward, mas a história tem seu final feliz.

Julia Roberts; Pretty Woman (1990)

Enfim, Pretty Woman é um conto de fadas moderno, uma Cinderela que é agraciada por um rico príncipe encantado, diferente do moleque irresponsável de Anora. Inclusive, quando Vivian pede para a amiga um exemplo de casal como ela que deu certo, ela menciona "Cinde Fucking Rella", de modo que claramente o filme assume a referência.

O filme se tornou um clássico da comédia romântica, consagrou a Julia Roberts como símbolo sexual e também popularizou imensamente a música Oh Pretty Woman, que já era famosa desde seu lançamento em 1964 pela voz de Roy Orbison, mas se tornou ainda mais conhecida após o filme.

Jason Alexander; Pretty Woman (1990)
Olhaí o eterno George Constanza.

(27/07/2025)

Palavras-chave:

Disney, Garry Marshall, Jason Alexander, Julia Roberts, Mark Eydelshteyn, Mikey Madison, Neon Rated, Richard Gere, Roy Orbison, Sean Baker

Narcisistas

Narcisistas agem como crianças.
Tratam os outros como brinquedos, objetos.
E quando enfim estes brinquedos quebram,
Continuam exigindo um não merecido afeto.
"Funcione, brinquedo, funcione,
Pois te criei para me servir".
Assim são narcisistas, tão perversos,
Que usam e quebram os próprios filhos.

(24,07,2023)

Empatas

É uma condição ingrata,
A dos espíritos empatas.
Eles emitem doce fragrância
Que atraem dos vampiros a ganância.

Fuja, empata, dos vampiros.
Jamais ceda aos seus ardis.
Seja altruísta antes consigo
E proteja-se do perigo.

Almas gordas, ambiciosas,
Não merecem as suas rosas.
Não gaste sua chuva e sol
Nestes que a tudo absorvem.

Preserve-se, portanto, empata,
Das narcísicas ciladas.

(26,07,2023)

Hienas

Há pessoas que são como hienas,
Com seus risos estridentes, histéricos,
Se agrupam em bandos e perseguem
Indivíduos a fim de fazer cena.

São pessoas que não têm alma amena,
Que divertem-se em tirar seu sossego.
Não conhecem o valor do respeito.
Intelectos tão pobres que dá pena.

Devorando carniça as hienas
Se assemelham a estes seres simplórios
Que divertem-se em semear o ódio.
Almas rudes, insensíveis, pequenas.

(14,09,2023)

Solidão e solitude

A solidão é como um furacão
E com força terrível ela te arrebata
A um mundo turbulento de caos e de loucura,
Destrói sua alegria, seus sonhos despedaça.

Muitos então se perdem no caos da solidão,
Levados pelos ventos da dor e desespero,
Eis que, porém, alguns conseguem ir além,
Atravessando essa triste e atroz barreira.

Estes chegam no mundo de paz e de sossego,
Do furacão o olho, a região mais calma.
A solitude é o olho do furacão e eis que
Ali só há descanso e alívio para a alma.

(18,09,2023)

Geometria e magia

Poliedros de Platão
Os Poliedros de Platão ou Sólidos de Platão são uma das associações mais antigas entre misticismo e geometria.

Magia e ciência são em geral inconciliáveis, mas não se engane, muitos dos grandes cientistas tinham alguma familiaridade com a magia ou a linguagem mística, a exemplo de Isaac Newton, que deixou um grande volume de textos herméticos e análises misteriosas da Bíblia, textos que, obviamente, não são muito divulgados pela comunidade científica por não se tratarem de ciência propriamente dita, mas de magia.

Ainda hoje, numa era em que o secularismo é cada vez mais dominante e que, como diria Carl Sagan, abandonamos o "mundo assombrado pelos demônios", há cientistas que enveredam pelo misticismo, até mesmo buscando uma conciliação entre ciência e magia, como Fritjof Capra, autor de O Tao da Física. 

Sim, sim, há cientistas que abominam esta mistura e advogam a favor da "pura ciência". Enfim, esta é uma discussão sem fim, como tudo na filosofia e teologia. De toda forma, venho aqui propor um conceito peculiar que abre espaço para uma possível conciliação entre ciência e magia, a geometria espacial.

Todos sabemos que em nosso mundo existem três dimensões visíveis: comprimento, largura e profundidade. Basicamente isto significa que você pode observar o espaço à sua volta olhando para os lados, para cima/baixo e para o horizonte. A estas três dimensões, ainda podemos acrescentar uma quarta, o tempo, algo que, mesmo que não seja observável com os olhos, pode ser mensurado pelo movimentos dos corpos dentro do espaço tridimensional. Tudo o que existe e se move, move-se no tempo.

Estas quatro dimensões são o limite do que podemos observar por quaisquer meios, seja pelos olhos, por instrumentos científicos ou por cálculos matemáticos. Desta forma, nossa ciência tem um campo de observação limitado às quatro dimensões.

Na teoria, porém, a ciência pode especular sobre dimensões que ultrapassam este limite do universo conhecido. Além das três dimensões do espaço, pode haver uma quarta, uma quinta, sexta, quem sabe até mais. São dimensões que não podemos observar, uma vez que estamos limitados, aprisionados nas três dimensões do nosso espaço, todavia, se tais dimensões existem, elas certamente têm alguma interação e influência em nosso mundo e nossa existência.

Imagine que exista um universo bidimensional, com seres bidimensionais. Para nós, que o observamos de fora, este universo pode parecer uma pizza, porém sem espessura. Uma pizza finíssima e que possui apenas comprimento e largura, como uma folha de papel de proporções cósmicas. Nós, seres tridimensionais, temos o privilégio de conseguir observar este universo plano de fora e perceber que ele é plano e bidimensional, já os seres que vivem neste universo têm uma percepção limitadíssima, pois não conseguem ver acima e abaixo ou ter noção de profundidade. Basicamente só conseguem ver o que está nos lados.

Imaginemos um exemplo mais simples. Se você desenhar um círculo em uma folha de papel e falar para uma formiga bidimensional (obviamente nossas formigas são tridimensionais, mas aqui temos uma formiga hipotética bidimensional) entrar neste círculo sem atravessar a linha de sua circunferência, será uma tarefa impossível, pois a única maneira dela entrar ali é caminhando através da folha e passando para dentro do círculo. 

Já você, que é um ser tridimensional e tem a vantagem de estar em uma dimensão além, pode simplesmente pegar aquela formiga, levantá-la para fora do papel, e colocá-la dentro do círculo sem que ela tenha que atravessar a linha. Ela foi magicamente teleportada graças à intervenção de uma força de uma dimensão superior.

Quem está em uma dimensão superior consegue ver e interagir com uma dimensão inferior, mas o inverso é mais difícil ou impossível. Imagine então que exista uma quarta dimensão do espaço, ou uma quinta. O que quer que exista nestas dimensões, tem o poder de interagir com o nosso mundo tridimensional (ou quadridimensional, se incluirmos o tempo) e tal interação é impossível de ser observada por nós que estamos limitados às dimensões inferiores, a não ser que...

A não ser que alguma parte de nós faça parte de dimensões superiores. Qual o melhor candidato a isto? A consciência. A consciência é o maior mistério da humanidade e seu verdadeiro potencial é desconhecido. Digamos então que a consciência seja um fenômeno que tem origem em uma quarta ou quinta dimensão do universo, reverberando para as camadas inferiores, para o nosso mundo conhecido. Neste caso, a consciência seria o elo entre as dimensões.

A magia, portanto, pode ser um fenômeno em que a consciência obtém acesso aos poderes e "facilidades" que as dimensões superiores têm sobre as três dimensões inferiores, poderes como a clarividência, a capacidade de enxergar o curso do tempo e as suas diversas possibilidades. Os chamados "seres superiores" ou "transcendentes" mencionados em toda a religião e misticismo podem ser seres literalmente de dimensões superiores no espaço e que, portanto, têm poderes que em muito superam os limitados poderes daqueles que estão presos nas três dimensões. 

Para a formiga bidimensional, presa nos limites da folha de papel, aquela mão tridimensional que a teleportou para dentro do círculo é uma entidade superior e de poderes praticamente divinos, poderes estes que existem pelo simples fato da mão existir em uma dimensão a mais do espaço.

Por fim, a ideia das dimensões extras pode também ser uma boa candidata para a teoria de tudo. Ela não só explicaria a magia, como também seria capaz de conciliar as leis até então inconciliáveis de nosso universo tetradimensional. As dimensões superiores podem conciliar tudo, unificar tudo, ciência e magia. O que está acima e o que está abaixo.

Quod Superius Macroprosopus, Quod Inferius Microprosopus

(13,12,2023)

Palavras-chave:

Carl Sagan, Fritjof Capra, Isaac Newton, Platão 

Intel 10400F vs 12600k

Intel i5-10400F

Há alguns anos venho usando o Intel i5-10400F. Posso dizer que é um processador excelente em termos de custo-benefício para um PC gamer "de entrada". Para desempenho em jogos pesados, é uma CPU modesta e com a vantagem da economia de energia, já que tem um consumo de 65 W. Por este motivo nem necessita de um resfriamento potente. Eu uso aquele coolerzinho básico que vem na caixa do chip.

Ok, quando estou jogando o New World, o uso da CPU vai às alturas e este cooler fica gritando, se esforçando pra resfriar a peça. A temperatura máxima chega a bater 92°. Pois é, estou vivendo no limite. Bom, estava, pois chegou a hora do upgrade.

New World é um jogo mal otimizado. Com um i5-10400F e uma RTX 2060 Super, até dá pra rodar com os gráficos no alto ou mesmo no ultra, mas aí é pedir pra ficar com 15-20 FPS, então costumo jogar no mínimo ou no médio, quando consigo ter 60 FPS, mas variando dependendo do número de players no local. No centro da cidade chega a 45 e em rotas com muita gente junta em um só local chega até a 25. De toda forma, tá dando pra jogar. Sempre fui acostumado a jogar com menos de 60 FPS.

Intel i5-12600K

Neste caso, o problema não é a GPU, pois a 2060 S é uma placa decente. Chegou a hora de atualizar a CPU e optei pelo i5-12600K. Eis algumas diferenças.

O 10400F tem 6 núcleos e 12 threads, com frequência base de 2.90 GHz e turbo de 4.30 GHz. O 12600K tem 10 núcleos e 16 threads, com frequência base de 3.7 GHz e turbo de 4.9 GHz. O cache é respectivamente 12 e 20.

Além de toda esta diferença na velocidade, existe a importante questão do suporte a peças melhores. A 10400F aceita memórias RAM DDR4 de até 2666 MHz de velocidade, enquanto o 12600K aceita DDR4 de até 3200 MHz e DDR5 de até 4800 MHz. Isto garante uma boa vida útil para a CPU, pois eu continuo usando DDR4, mas futuramente posso fazer um upgrade para DDR5, o que trará uma bela de uma melhoria. Para games a DDR4 ainda é suficiente e convenhamos que memórias DDR5 ainda são caras (bem como as placas-mãe com suporte), mas em alguns anos vão baratear e quem sabe eu possa fazer um upgrade a baixo custo, mantendo a CPU. Enfim, é bom saber que a 12600K oferece essa possibilidade.

Também é importante o suporte ao PCI Express que na 10400F vai até 3.0 e na 12600K vai para 4.0 e 5.0. Inclusive uso um NVMe que é PCIe 4.0, com velocidade de 3000 MB/s, mas esta velocidade é bastante reduzida porque minha placa-mãe e a CPU só suportam 3.0. Mesmo sendo 4.0, o SSD roda numa build 3.0, mas com menor desempenho. Logo, com o upgrade para a CPU nova, automaticamente vou ganhar uma melhoria também no SSD que já tenho e que está com as mãos atadas pelas limitações do PCIe.

Bom notar que os soquetes destas CPUs são diferentes. LGA 1200 para a 10400F e LGA 1700 para a 12600K. Isto inclui uma diferença de formato. O LGA 1200 é quadrado, enquanto o 1700 é retangular. Deste modo, é preciso prestar atenção na compatibilidade do cooler, pois a área de contato deve ter o formato adequado.

A diferença de desempenho também tem um custo energético. Enquanto o antigo chip consome 65 W, o novo fica na faixa de 125 W e obviamente também aquece mais. Pela primeira vez comprei um cooler à parte do processador. Em todos os meus 20 anos usando PC (sendo que comprei meu primeiro PC há 15 anos), sempre usei o cooler básico que costuma vir na caixa da CPU ou já montado na placa-mãe. 

PCYES LORX

O 12600K nem mesmo vem com cooler na caixa, justamente porque ele exige um ventilador maior e mais potente. Optei por um cooler modesto da PCYES LORX, mas que tem um radiador bem maior que os coolers genéricos e o ventilador não fica voltado pra cima da CPU, mas para o radiador em si, o que deve otimizar a dissipação de calor.

O fato do 12600K consumir mais energia não significa que ele sempre está rodando a 125 W, mas apenas que o seu teto máximo de consumo é maior que o do 10400K. Normalmente, com o PC em baixa atividade ou apenas usando o navegador, rodando um vídeo, etc, o consumo pode ficar na faixa de 10-20 W e a temperatura entre 20 e 40 graus. Quando roda algo mais pesado como um jogo, aí é que a CPU passa a trabalhar forte e demandar mais energia e gerar mais calor, chegando a uns 70-80 graus, dependendo da otimização do jogo.

(22,12,2023)

Nobody, um ótimo filme de ação genérico

Nobody (2021)

Um pacato pai de família tem sua casa invadida, o que desperta nele um lado que ele manteve escondido por anos. Agora ele se envolve em uma saga de vingança e pancadaria, comprando briga até mesmo com a perigosa máfia russa.

É, parece a sinopse de um monte de filmes genéricos de ação, mas Nobody (2021) consegue executar esta premissa com maestria. O filme é dirigido por Ilya Naishuller, um russo que ainda está iniciando na carreira e tem uma pequena filmografia, mas que pelo visto leva jeito para o gênero de ação e brucutu, pois soube aplicar a boa e velha fórmula de modo a proporcionar puro entretenimento.

O ator protagonista Bob Odenkirk, eternizado como o Saul Goodman do universo de Breaking Bad, não faz o typecast de brucutu. Ao contrário, ele encaixa no papel de um sujeito pacato e covarde, como foi o Saul, e que, ao se meter em encrenca, tem que usar a lábia e não os punhos. Em Nobody, ao contrário, ele usa os punhos e é incrivelmente convincente.

Bob Odenkirk; Nobody (2021)

Bom, é claro que em filmes de ação é importante ligar a suspensão de descrença, pois inevitavelmente há cenas bem exageradas e a capacidade de sobrevivência do personagem em meio a tiroteios e pancadaria tem um nível sobre-humano, mas mesmo com o exagero, um bom filme de ação consegue nos convencer de que o protagonista é humano, mas um humano badass.

Hutch Mansell, o protagonista, que se apresenta simplesmente como Nobody, era um assassino de aluguel do governo dos EUA, contratado para trabalhos sujos. Ele fez sua fama como um cara temível, lendário, até que resolveu se aposentar e levar uma vida aparentemente tranquila de pai de família. Então acontecem eventos que despertam seu lado assassino e novamente ele vai mostrar do que é capaz.

Existe realmente algo de John Wick na história, pois a trama se desenrola porque Hutch dá uma bela surra no filho de um mafioso russo, sem saber quem ele era, de modo que acidentalmente comprou briga com a máfia. Então vemos um homem sozinho atravessar toda a onda de capangas até chegar no chefão.

Destaque também para o Christopher Lloyd, o famoso Dr. Brown de De Volta Para o Futuro, que aqui interpreta o pai de Hutch, um velho tão badass quanto o filho.

Christopher Lloyd, Bob Odenkirk; Nobody (2021)

(08,01,2024)

Palavras-chave: 

Bob Odenkirk, Christopher Lloyd, Ilya Naishuller, Universal Pictures

Top Gun: Maverik, a sequência que superou o original

Top Gun: Maverick (2022)

Top Gun original, de 1986, não é exatamente um grande filme. É um típico "filme Sessão da Tarde", com ação e aventura sem se importar em ganhar Oscar, apenas visando o entretenimento. No IMDb ele tem a pontuação entre 6 e 7, uma avaliação mediana. 

É inegável, todavia, que Top Gun marcou uma geração, é um ícone entre os filmes de temática militar/aeronáutica e de tal forma virou parte da cultura pop que até mesmo popularizou o visual "piloto de Ray Ban".

Eis que, quase quatro décadas depois, surge uma inesperada sequência, Top Gun: Maverick (2022), com o retorno do excêntrico piloto Maverick, interpretado pelo Tom Cruise. Bem que poderia ser apenas um fan service para os nostálgicos, mas foi mais do que isto. Trata-se de uma obra atemporal e que, assim como John Wick, faz parte da renascença do gênero de ação.

Tom Cruise; Top Gun: Maverick (2022)

Tudo deu certo em Top Gun: Maverick. O elenco trabalhou muito bem, dos veteranos aos jovens; a fotografia é de qualidade; as cenas de voo mais ainda, pois foram feitas com aviões reais, voando de verdade no céu, sem tela verde. O bom e velho efeito prático. Isto com certeza é um diferencial hoje em dia com tanto CGI nos filmes.

Além disso, ele consegue ser mais do que um filme de ação, pois desenvolve uma tocante relação entre Maverick e o jovem piloto Rooster, filho de Goose, que fora o melhor amigo de Maverick, mas morreu durante uma missão. A relação entre Maverick e Rooster começa tensa, mas acaba se tornando uma jornada de redenção, com uma satisfatória catarse.

Os nostálgicos do filme de 1986 são agraciados com o devido fan service em Top Gun: Maverick, mas este último pode tranquilamente ser assistido por pessoas de qualquer geração que nunca viram o original. Apesar de ser uma sequência, ele forma uma história completa em si e que não ficará datada, pois não pretende se dirigir a uma geração específica. Top Gun: Maverick é atemporal.

(09,01,2024)

Palavras-chave:

Joseph Kosinski, Paramount, Tom Cruise

O futuro de Pax Dei

Pax Dei membership

Este mês de julho a Mainframe finalmente publicou a informação mais esperada pela comunidade de Pax Dei: o sistema de monetização.

A forma como um jogo é monetizado é uma das principais preocupações dos players e que tem um forte impacto na decisão deles se irão abraçar o jogo ou deixar pra lá. Logo, essa notícia de Pax Dei veio para definir de vez a mente dos jogadores. E é uma notícia um tanto preocupante.

Um sistema de monetização sempre foi esperado, obviamente, afinal um jogo não pode simplesmente se manter sem dinheiro. Também já foi avisado desde o início do early access que o plano era trazer algum modelo de mensalidade, o que soa um tanto antiquado hoje em dia, mas convenhamos que é um modelo ainda em voga em alguns MMOs, como WoW, Tibia, Runescape, etc.

Pois bem, o modelo adotado foi o seguinte: o acesso ao jogo em si será baseado em uma compra inicial e após esta única compra você poderá jogar para sempre sem pagar mais nada, tendo acesso a todas as funcionalidades do jogo, menos uma: a posse de terreno para construção.

Os terrenos, chamados plots, são o recurso mais precioso do jogo, afinal eles literalmente ocupam espaço no mapa e é de se esperar que com o passar do tempo as áreas habitáveis fiquem lotadas, impossibilitando novos players de achar um lugarzinho para chamar de seu. 

Ora, imagine se o acesso aos plots fosse gratuito: players casuais iriam construir suas casinhas e com o tempo abandonariam o jogo, deixando o mapa cheio de construções fantasma. Um sistema de valorização dos plots é de fato necessário, bem como uma forma de garantir que plots abandonados sejam disponibilizados para novos jogadores. A ocupação de espaço no mapa precisa ter um custo, pois este custo vai definir o nível de comprometimento de um jogador com o plot.

Poderia haver um sistema de liberação de plot baseado na inatividade do player? Poderia. Por exemplo, após ficar um mês sem logar, um player perderia seu plot, liberando espaço no mapa para quem está jogando. Desta forma não seria necessário cobrar dinheiro real para manter um plot, apenas impor a condição da presença do jogador.

Só que isto poderia não ser suficiente para impedir a formação de cidades fantasma, além disso, o jogo precisa se manter de alguma forma e, como os plots são a funcionalidade mais marcante do jogo e que geram um bom custo de manutenção, é razoável que a mensalidade seja baseada na posse do plot. Pegando o exemplo do Tibia, inclusive, lá só pode ter uma casa quem paga mensalidade e a comunidade vem aceitando este acordo há décadas. 

Existem jogos em que a casa funciona em uma instância separada. É o caso do New World e será assim também no Throne and Liberty que em breve lançará seu sistema de housing. Desta forma, vários players podem ocupar a mesma casa no mapa, porque o espaço interior da casa existe no limbo de uma instância separada.

Já em casos como o Tibia ou Pax Dei, a casa ocupa a área real do mapa, sendo portanto um bem escasso. Logo, a escassez gera valor.

Até aí, portanto, é justificável haver mensalidade para a posse dos plots. O problema é o valor dessa mensalidade. Tem de ser algo razoável, acessível. E eis que os preços divulgados foram: 6,99 dólares/euros para 1 plot, 10,99 para 2 plots e 18,99 para 4 plots. Ou seja, aqui no Brasil, a mensalidade para um simples plot deve chegar perto dos 40 reais e por volta de 120 para 4 plots. Precinho bem salgado.

Tá certo que ninguém precisa de 4 plots para ser feliz. Essa quantidade é para players hardcore e guildas que querem dominar uma área e construir imensas bases. Para estes, convenhamos que é justo que paguem alto por tal luxo. O preço para apenas um plot, porém, poderia ser mais amistoso. Eu diria que um valor de 10 ou até 15 reais, cerca de 3 dólares, seria aceitável para a mensalidade.

Bom, quem não se importa de abrir mão da experiência de construção vai poder jogar de toda forma. Haverá estações de crafting e armazenamento para os players "sem teto". Além disso, basta você entrar em uma guilda e poderá brincar de construção na base, de modo que é possível sim ter a experiência de construção de forma free to play.

Todavia existe outro detalhe que realmente enfureceu a comunidade: a mensalidade irá garantir certos bônus de experiência e da moeda chamada "grace", o que claramente adiciona um certo grau de pay to win ao jogo, algo que jogadores ocidentais detestam.

Confesso que não me importo com P2W, afinal não jogo de forma competitiva. Não me interessa se outros jogadores estão evoluindo mais rápido do que eu porque compram vantagens. Sigo jogando meu jogo e evoluindo no meu ritmo. Só que muitos jogadores de MMO estão nessa pela competição, para tentar superar os outros na corrida pela evolução, de modo que a ideia de que alguém pode ter vantagens competitivas com dinheiro real é broxante e enfurecedora.

Se este aspecto P2W não existisse e se os preços fossem mais razoáveis, talvez a reação da comunidade não fosse tão intensa. Mas a verdade é que muitos reclamariam de toda forma, pois hoje em dia o sistema de mensalidade é algo incomum e muitos players estão acostumados a jogar de graça, às custas de outros players que gastam em cosméticos ou passes de temporada para garantir a existência do jogo.

Creio que é improvável que Pax Dei sobrevivesse apenas de cosméticos ou mesmo de passes. O jogo já nasceu destinado a um nicho específico de sandbox/sobrevivência. Pax Dei nunca pareceu um MMO que atrairia multidões e jogos assim de nicho não conseguem sobreviver num modelo free to play. Então, olhando pelo lado dos desenvolvedores, a opção viável que tinham era a mensalidade.

De toda forma, este modelo, agora que foi anunciado, já deve estar afastando muitos players que ficaram insatisfeitos e agora decidiram abandonar de vez. Pax Dei está fadado a ser um jogo cult, sem grandes multidões, mantido por uma comunidade pequena, mas fiel. E talvez seja isso que os desenvolvedores visaram desde o início. Veremos, porém, se essa comunidade será mesmo suficiente para manter o jogo por anos a fio.

(23,07,2025)

Palavras-chave:

Mainframe Industries

A arte de rejeitar os rudes

A ofensa em si não é nada. Palavras não são paus e pedras e não podem causar dano concreto. Enquanto o dano da pedra é inevitável, o dano da palavra depende apenas de quem a escuta, de como sua mente reage. Você pode treinar a mente para ignorar palavras, para relevar insultos, assumir uma atitude socrática e até mesmo debochar dos insultos que te oferecem.

O problema do insulto, portanto, não está nas palavras, mas na atitude, na intenção. Se alguém intencionalmente tenta te insultar, esta atitude revela a hostilidade da pessoa e o desejo dela causar algum tipo de dano. Ora, se uma pessoa tem sentimentos hostis a seu respeito, é melhor afastar-se dela, pois ela nada de bom tem a oferecer. 

É por isto que rejeito os rudes: não pelas suas palavras, mas pelas suas atitudes.

(26,09,2023)

Renascença

Olha o céu, olha o céu now.
Está se aproximando a aurora boreal.
Quantos se prepararam, quantos
Estão se protegendo com um manto.

Gafanhotos e ovelhas marchando.
Redemoinho humano. São tantos.
Algo vai acontecer, algo vai
Multiplicar-se e renascer após o caos.

Bye bye, balbuciante Babilônia.
Em breve teremos dois corações.
No céu veremos vinte mil vimanas
Que vêm visitar seus anfitriões.

Aguarde mais um pouco, paciência.
A espera acumula a recompensa.
O orvalho voltará renovando o cantil
Por entre as luzes do komorebi.

(28,09,2023)

Luto

Eu visto preto como quem está de luto.
De fato estou. Luto pela minha alma.
Essa tristeza que me acolhe como um leito,
Essa eterna noite negra que me abarca.

Talvez um dia este luto tenha fim.
Vou vestir branco, até mesmo um amarelo.
Sempre serei da Lua, da noite, do frio,
Mas contemplando o alvorecer pela janela.

(23,10,2023)

Estamos muito longe de criar a verdadeira matrix

Ano após ano ficamos fascinados com a evolução dos gráficos nos jogos. A cada novo jogo nos empolgamos com a ideia de sermos capazes de criar outro mundo, um mundo digital tão detalhista e realista quanto o teal. A tecnologia ray-tracing faz um jogo de luz impressionante e que dá a sensação de imersão e realidade. Todavia, a verdade é que estamos muito longe de replicar o mundo.

Estes gráficos que chamamos "realistas", simulam apenas uma camada muito superficial da realidade, apenas o aspecto visual em uma escala humana e de uma forma ainda bastante limitada. Tomemos um pequeno exemplo para perceber o abismo que separa o mundo digital que temos até o momento e o mundo real: uma folha.

Florestas nos games são um bom exemplo de quão impressionante pode ser uma simulação de mundo. A textura dos troncos de árvores, a luz interagindo com a vegetação, atravessando as folhas a ponto de simular um efeito komorebi, o chapinhar da água quando pisamos em um rio... Tudo parece tão detalhista. Mas olhemos apenas para uma folha, uma simples folha neste cenário. Se dermos um zoom, veremos alguns detalhes da folha, mas logo vamos nos deparar com pixels, pontos de cor. Aí acaba a profundidade daquele objeto.

Na vida real, ao olharmos uma folha mais de perto, vemos os intrincados detalhes de suas nervuras, as formas poligonais da superfície, minúsculos insetos a caminhar por ela. Em um zoom microscópico, veremos uma estrutura ainda mais complexa, as células, as moléculas, todo um mundo vivo existindo ali naquele pequeno espaço de uma folha. Outro zoom ainda mais profundo revelará os átomos presentes nas moléculas, um microuniverso composto por estes planetoides de prótons, elétrons e nêutrons. 

Se fosse possível olhar ainda mais a fundo, veríamos as partículas subatômicas mais fundamentais, o mundo quântico povoado por um enxame de ondas e partículas misteriosas. E talvez ainda haja uma camada mais profunda, a das cordas, vibrando de maneiras peculiares. Estamos falando aqui de algo tão pequeno e infinitesimal, que nossa imaginação mal consegue obter um parâmetro para comparar. Qual seria o tamanho de uma partícula subatômica em comparação à folha? Uma formiga no sistema solar? Ou na galáxia?

Uma folha, uma simples folha contém um mundo praticamente infinito. Não existe tecnologia computacional no mundo capaz de replicar isto em uma simulação. Ora, se sequer conseguimos criar uma folha tão profundamente detalhista, imagine quão longe ainda estamos de sermos capazes de replicar um mundo inteiro em uma simulação digital. Mesmo que a computação siga evoluindo exponencialmente, precisaremos ainda de séculos ou milênios até conseguirmos criar de fato um mundo virtual tão complexo quanto o real.

(31,10,2023)

Rebel Moon, o Jupiter Ascending do Zack Snyder

Rebel Moon (2023)

Depois do grande sucesso de Matrix (1999), muito se esperava da dupla Wachowski. Em 2012 lançaram Cloud Atlas, que tinha uma ousada proposta de roteiro entrelaçando várias linhas temporais. Era para ser algo grandioso e marcante. Não foi. Depois em 2015 veio Jupiter Ascending, novamente tentando oferecer um novo e fabuloso universo com o selo Wachowski de criatividade, mas acabou sendo um filme esquecível, o mais fraco da filmografia da dupla.

Vendo Rebel Moon, fiquei com esta mesma impressão. Havia uma expectativa de que esse seria o grande momento do Zack Snyder criar seu próprio universo fictício, um mundo realmente autoral e no qual ele imprimiria toda sua assinatura. Bom, de fato ele fez isto e até demais. Em Rebel Moon uma das assinaturas do diretor ficou exaustivamente enfatizada: o slow motion. É tanto slow motion que cansa e estraga o ritmo da ação.

Era para ser um filme de ação e aventura, pois a premissa envolve uma guerreira recrutando pessoas habilidosas para enfrentar um império do mal. E sim, a história toda é claramente uma homenagem a Star Wars, mesmo porque Zack Snyder originalmente escrevera o roteiro com o fim de ser uma história no universo Star Wars, mas o projeto foi engavetado (para não dizer "recusado" pela Lucasfilm) por anos e só agora o tio Snyder teve a oportunidade de retomá-lo.

No fim das contas trata-se de um filme morno e também insosso, já que não oferece uma ideia original e sim somente uma imitação homenagem a Star Wars.

(09,01,2024)

Palavras-chave:

Netflix, Zack Snyder

O mundo em que vivo

Eu não estou no mundo, aqui fora. Estou em mim, no universo interior, o lar onírico, o abrigo dos meus pensamentos. Aqui fora eu sou apenas um diplomata, um enviado para me representar, enquanto o meu eu completo vive em seu próprio ecossistema habitado por lembranças, fantasmas, fragmentos, reflexos e aspectos do meu ser. Neste mundo, nunca há sol de meio dia, nem mesmo o vespertino. Na maior parte do tempo é nublado, com uma leve neblina a gotejar, criando orvalho nas plantas, reluzindo entre a komorebi que atravessa a folhagem. À noite a chuva se intensifica e embala meu sono. É assim na capital, na cidade onde a mente reina, um mundo noir, misturando a penumbra e as cores do neon. Há, porém, outros biomas. O deserto do eremita, contendo dunas e cavernas nas rochas, um mundo próprio para o recolhimento, um mundo de fuga. À noite, o deserto é o melhor lugar para contemplar as estrelas. O bosque do mago, do druida, um bioma multicolorido e variegado, tomado pela imaginação e a loucura. Em algum lugar do bosque há um pântano e ali vive uma criatura. Há também campos floridos e árvores gigantescas e ancestrais, guardiãs de uma longa memória e portadoras do saber. O oceano é um mundo de forças primitivas, misteriosas, e nas suas profundezas encontra-se um abismo. No continente há montanhas e uns poucos vulcões que parecem já não estar ativos, tendo sua ira aplacada ou recolhida nas profundezas do ventre da terra. Há tanto a se explorar, tanto a se conhecer, mas quanto mais eu caminho, mais o horizonte se estica e reconfigura. E pensar que isto é apenas um fragmento, um fractal, do vasto campo quântico que consiste na consciência cósmica.

(02,11,2023) 

O conforto da tristeza

Muitos temem a tristeza, fogem dela, a rejeitam. Os masoquistas a procuram, porém como uma forma de punição. Alguns, no entanto, veem beleza na tristeza, a beleza incompreendida de uma flor alienígena. O seu frio é aconchegante, em sua penumbra noturna posso descansar os olhos. A tristeza para mim confunde-se com o relaxamento, um estado de calma como o da vigília antes do sono. Ela conserva minha energia e evita que eu me degrade com o calor das fortes emoções. Além disso, quem ama a tristeza nada teme. A alegria é sempre acompanhada do temor que algo ou alguém a roube ou a destrua. É um tesouro cobiçado. A tristeza, ao contrário, é um tesouro envolto em mistério e que muitos evitam e rejeitam. Ninguém vai querer roubar sua tristeza, ninguém vai invejá-la. Só não deixe que o mundo perceba que a tristeza é a sua paz, pois a paz, esta sim, todos querem roubar.

(13,11,2023)

No Man's Sky, Starfield, New World e Cyberpunk 2077, os 4 cavaleiros do apocalipse gamer

No Man's Sky (2016)

Existem alguns jogos que começam com o pé errado no lançamento, em grande parte por culpa da própria desenvolvedora e de um marketing errado. Um grande exemplo foi No Man's Sky em 2016. Este jogo fez tantas promessas não cumpridas, especialmente a promessa de um mundo multiplayer. Isto foi o que mais irritou a comunidade, pois todos estavam esperando se deparar com players voando e pousando por aí, o que daria uma imersiva sensação de vida naquele universo.

Além disto, o jogo tinha problemas de bugs e a geração procedural dos mundos não parecia ser suficiente para superar a sensação de repetitividade, de que a cada novo planeta você encontrava sempre as mesmas coisas. Com o tempo, porém, a Hello Games conseguiu se redimir.

Ao longo dos anos, novos updates foram polindo o No Man's Sky e acrescentando mais conteúdos, enriquecendo o jogo, além de inserir uma instância multiplayer. Assim, este jogo envelheceu como vinho, ficando cada vez melhor, de modo que hoje em dia sua comunidade está bastante satisfeita e No Man's Sky se tornou um dos mais elogiados jogos de exploração espacial, até mesmo um modelo para o gênero.

Starfield (2023)

É curioso ver como NMS, que a princípio enfrentou uma onda de hate, agora vem sendo usado como parâmetro de um bom jogo espacial. Agora em 2023 veio Starfield, novo jogo da Bethesda, e as comparações com NMS foram inevitáveis. Em vários aspectos o NMS se mostrou melhor, como no fato de se poder voar livremente pelos planetas com as naves e veículos terrestres, a riqueza dos biomas e a real sensação de mundo aberto, pois NMS tem pouquíssimas telas de loading, enquanto Starfield tem loading até para se entrar em uma sala dentro de um edifício.

A verdade é que Starfield não tem a mesma proposta de NMS. Não é um jogo focado em exploração espacial, mas em história e interação com os personagens. Quem, como eu, gosta de explorar mundos, não vai ter muito prazer em Starfield. Inclusive a capacidade de carregar loot é limitadíssima, algo bem irritante para jogadores dados à exploração. Eu quero sair catando e colecionando tudo o que encontro, mas não dá.

Starfield é para quem curte diálogos, a imersão no roleplay. Inclusive dá até para flertar com os personagens e estabelecer um relacionamento. É um jogo interessante para streamers justamente por causa deste roleplay.

Joguei pouco de Starfield, mas assisti a algumas horas de streaming, o suficiente para concluir que não é meu tipo de jogo. Todavia, acho que houve um hate exagerado da comunidade, pois o jogo está bonito, rico em detalhes e com uma história bem elaborada. De toda forma, assim como NMS, Starfield vai precisar de tempo para ser polido e acrescentar as features que a comunidade deseja. Não duvido que ele terá a mesma redenção que NMS teve.

New World (2021)

Outro caso de grande hype seguida de decepção foi o New World, um MMORPG que joguei por algumas centenas de horas e já escrevi muito sobre ele aqui. No mês de lançamento, ele chegou a bater 900 mil players diários. Os grandes streamers estavam todos jogando, havia aquele clima de empolgação com o retorno do gênero MMORPG. Parecia até que teríamos uma nova era de ouro dos MMOs.

Então vieram as decepções. New World foi lançado precocemente, veio mal polido, cheio de bugs irritantes e com um conteúdo limitado. Tornou-se uma piada interna do jogo falar que ele não tem montaria, um recurso básico na maioria dos MMOs, e também dos mobs que são muito parecidos em todo o mapa. Era mesmo entediante explorar o mapa e encontrar por toda parte sempre os mesmos modelos de criaturas - piratas, zumbis, fantasmas... 

A gota d'água porém foi um exploit que a comunidade considera imperdoável: a duplicação de itens. Players folgados começaram a se aproveitar deste bug, duplicando materiais, fazendo fortuna, manipulando o mercado, tendo uma injusta vantagem competitiva contra os demais. Somando todos estes problemas, o jogo perdeu 90% de seu público no primeiro semestre e nunca mais o recuperou.

New World tem tentado se redimir. Em 2023 os devs programaram todo um calendário de atualizações, incluindo a tão solicitada montaria. Aos pouco o jogo está melhorando, enriquecendo, mas parece que a confiança perdida não será restaurada tão fácil, pois o New World se fixou em certa quantidade de players (uns 15 ou 20 mil diários) e daí não saiu mais.

Cyberpunk 2077 (2020)

Além destes três, temos outro caso recente de jogo que foi uma grande hype-decepção: o Cyberpunk 2077.

Sendo produto da CD Projekt RED, aclamada desenvolvedora da série The Witcher, Cyberpunk era uma grande promessa, com a proposta grandiosa de trazer um mundo aberto cheio de vida, uma grande cidade repleta de NPCs e sem telas de loading, com edifícios, ruas e becos plenamente exploráveis. De fato, já no lançamento Night City era enorme e deslumbrante. Esta promessa foi mesmo entregue. O problema de Cyberpunk foi mais no polimento, pois o jogo veio extremamente bugado.

A grande decepção veio por causa disto, os bugs, crashes, a péssima otimização que deixava o jogo pesado até em computadores de última geração. A cidade era repleta de NPCs, mas muitos deles repetidos e se comportando de maneira tosca, fazendo a famosa T-pose. Cyberpunk 2077 virou motivo de piada.

Então se passaram dois anos e a cada patch o jogo foi ficando melhor. Veio o grande patch 1.0, depois o 2.0 e agora a expansão Phantom Liberty. Em seu estado atual, já pode-se dizer que Cyberpunk 2077 se redimiu. Finalmente o jogo mostra seu verdadeiro potencial, está polido, rico em conteúdo e também otimizado. 

Foram acrescentadas as tecnologias de ray tracing e DLSS que extraem o máximo de beleza dos gráficos. Pude constatar isto vendo algumas gameplays, pois para usufruir do máximo de beleza deste jogo é preciso ter um computador robusto. O comportamento da luz, refletindo nos carros, nos pisos de cerâmica, nas janelas, é realmente formidável.

Quanto a mim, jogo com uma modesta (para os padrões atuais) RTX 2060 Super. Ela atende aos requisitos mínimos e de fato consigo jogar com os gráficos no máximo, mas as configurações de ray tracing ficam no mínimo a fim de conseguir uns 45-50 FPS. Mesmo assim, no meu humilde PC o jogo está rodando liso e com gráficos decentes. Parece realmente otimizado.

Enfim, destes quatro jogos, dois já se redimiram totalmente, No Man's Sky e Cyberpunk 2077. Estes outrora cavaleiros do apocalipse tornaram-se anjos queridos pelo seu público gamer. New World está seguindo numa lenta jornada de redenção, aprimorando-se a cada update, enquanto o Starfield, o mais novo dos quatro, também vai precisar de uns bons anos para melhorar.

(06,02,2024)

Palavras-chave:

Amazon, Bethesda, CD Projekt RED, Hello Games, MMORPG

Métal Hurlant Chronicles, a tosca adaptação de um clássico dos quadrinhos

Métal Hurlant Chronicles (2012-2014)

Em 1974, a revista Métal Hurlant foi lançada pela editora indie francesa Les Humanoïdes Associés. Era uma antologia sci-fi e dark fantasy, cada título trazendo uma história diferente e com o diferencial de ter uma abordagem mais adulta, com nudez e violência explícita, incomum no gênero de quadrinhos da época. 

Ao longo das décadas, entre cancelamentos e retornos, a série contaria com nomes de peso, como Alejandro Jodorowsky, Milo Manara e Moebius. Nos EUA, estas histórias foram relançadas na revista Heavy Metal, que com o tempo passou a produzir seu próprio conteúdo.

As várias histórias da revista francesa e também da americana serviram de inspiração direta ou indireta para obras audiovisuais e eis que, por acaso vasculhando o catálogo do Amazon Prime, me deparei com uma adaptação tosquíssima, uma série de TV produzida pelo canal France 4 e intitulada Métal Hurlant Chronicles (2014-2014).

Essa série chama atenção pelo visual bem datado de efeitos especiais e ambientação futurista de baixo orçamento, com o bônus da atuação quase amadora dos atores que chega a parecer caricata. De toda forma, a série tem certo charme inexplicável.

(19,07,2025)

Palavras-chave:

Alejandro Jodorowsky, Amazon, France 4, Guillaume Lubrano, Les Humanoïdes Associés, Milo Manara, Moebius

Cannibal Holocaust, o ícone do found footage de terror

Cannibal Holocaust (1980)

Nas décadas de 70 e 80, o canibalismo já era uma grande tendência nos filmes de terror, especialmente no cinema italiano. Eis, porém, que o diretor italiano Ruggero Deodato e o roteirista Gianfranco Clerici, aproveitando essa moda, terminaram por criar uma obra que se tornaria um clássico e grande representante do gênero, Cannibal Holocaust (1980).

Mais ainda, o filme também se tornou o ícone do subgênero found footage, um formato de narrativa em que a história é contada por meio de gravações feitas pelos próprios personagens, o que dá um ar de documentário e veracidade à trama. Alguns filmes já haviam usado este recurso antes, como The Connection (1961) e Coming Apart (1969), mas foi o Holocausto Canibal que consagrou o estilo, principalmente por causa de seu tom chocante.

Cannibal Holocaust (1980)

A história de Holocausto Canibal envolve um grupo de jovens cineastas que, em busca de fama e sucesso, se aventuraram nas entranhas da Amazônia para gravar o documentário The Green Inferno. Eles são dados por desaparecidos, então o antropólogo Harold Monroe e uma equipe de resgate entram na selva em busca do grupo, encontrando apenas restos mortais e a câmera com as fitas gravadas. Este material é levado de volta para Nova Iorque e assim tem início o found footage, quando acompanhamos o que aconteceu na selva por meio dos takes da câmera.

O que se vê é que estes cineastas amadores não tinham nenhum escrúpulo e em vez de simplesmente agirem como expectadores do tal documentário, eles forjavam situações para gerar conteúdo chocante. Começaram por capturar uma grande tartaruga e matá-la diante das câmeras, eviscerando o bicho. 

Como se trata de um filme dos anos 80 de baixo orçamento, não tinha animatrônico nem qualquer tipo de efeito especial. Uma tartaruga de verdade foi realmente morta e esquartejada, enquanto se contorcia, resultando na cena mais chocante de todo o filme, uma vez que se trata de uma matança real.

Cannibal Holocaust (1980)

Depois um dos membros do grupo é picado por uma cobra e eles estupidamente resolvem amputar a perna do cara com um machete, o que não adiantou de nada, de modo que deixaram o colega morto e seguiram adiante.

Quando encontram uma tribo indígena, começam a tocar o terror, apavorando-os com armas de fogo e usando a intimidação para agrupá-los dentro de uma cabana, então ateiam fogo. Alguns índios conseguem escapar, mas boa parte da tribo morre nas chamas, enquanto o grupo invasor filma tudo como se fosse um show. Excitados com a matança, o casal do grupo ainda faz sexo ali mesmo.

Eles encontram uma das índias sobreviventes e a estupram por mera diversão, enquanto um dos homens aproveita para filmar tudo. Depois encontram a índia morta e empalada, aproveitando para filmá-la. Fica subentendido que eles próprios fizeram isso apenas para ter mais material chocante para o tal documentário. 

Cannibal Holocaust (1980)

Isso foi a gota d'água para a tribo que finalmente cria coragem para perseguir os estranhos invasores e um a um os membros do grupo vão sendo mortos e esquartejados. A mulher tem um destino ainda pior, sendo vítima de estupro coletivo e só então morta a pauladas.

Acompanhamos toda essa história pelos olhos do antropólogo que analisa as fitas com executivos de uma rede de TV que querem aproveitar o material e lançar o documentário, visto que algo tão chocante promete fazer muito sucesso. Todavia, o que veem é tão grotesco que desistem do projeto e resolvem queimar as fitas. Harold Monroe sai do edifício e pensa consigo mesmo: "I wonder who the real cannibals are".

Pois é, em Holocausto Canibal, os maiores monstros nem mesmo são os canibais nativos e sim o homem "civilizado", os cineastas sádicos e inescrupulosos que forjaram um massacre só para produzir um documentário chocante.

Cannibal Holocaust (1980)

Um detalhe curioso é que a música tema do filme, composta por Riz Ortolani (intitulada Cannibal Holocaust Main Theme), é bem doce e agradável e toca nos momentos mais grotescos, criando um efeito de contraste perturbador.

Mesmo que nos anos 80 a tolerância da sociedade com os filmes de terror fosse um pouco maior do que hoje em dia, Holocausto Canibal enfrentou várias reações negativas, processos por obscenidade, o filme foi proibido em vários países, teve fitas queimadas e as mortes reais de animais em cena, especialmente a tartaruga, também geraram revolta.

Na verdade o próprio diretor chegou a dizer que os atores assinaram um contrato se comprometendo a não fazer aparições públicas, assim induzindo as pessoas a acreditarem que eles foram de fato mortos. A cena da índia empalada também parece tão real e convincente que levantou suspeitas do filme ser um "snuff film", ou seja, uma obra que tira proveito de cenas reais de assassinato.

The Green Inferno (2013)

Em The Green Inferno (2013), Eli Roth faz uma homenagem ao clássico, mostrando um grupo de ingênuos ativistas ecológicos que inventam de adentrar a selva amazônica para filmar atividades criminosas de uma empresa petrolífera que está dizimando tribos locais.

Nessa aventura o grupo é capturado por indígenas e claro que eles são canibais, garantindo cenas de muito gore e gritos de agonia. Além da homenagem ao Cannibal Holocaust, Roth também faz referência a Moby Dick, provavelmente a obra literária americana mais citada e referenciada no cinema.

Moby Dick; The Green Inferno (2013)

É apenas um breve frame quando a protagonista e futura "final girl" da trama abre a gaveta e vemos que ela guarda um pingente dentro do livro. Neste frame temos ao mesmo tempo uma referência literária e a arma de Checkhov, pois esse pingente servirá para a protagonista fazer amizade com uma criança indígena que então irá ajudá-la na fuga do massacre.

Moby Dick não é trazida à toa. De fato, todo o desastre só acontece por causa do líder do grupo de ativistas, um homem de moral duvidosa e que manipula as pessoas inescrupulosamente. Fanático pela causa, ele não se importa em colocar todos em risco, de modo que sua ambição leva todos à ruína, assim como Ahab arruinou a tripulação do Pequod em sua caça obsessiva pela baleia branca.

Sky Ferreira; The Green Inferno (2013)
A cantora indie Sky Ferreira fez uma pontinha no filme.

Bom, apesar das homenagens e de toda a metalinguagem, The Green Inferno é um filme bem medíocre, com péssimas atuações e um roteiro fraco, mas de toda forma proporciona a "diversão" prometida para aqueles que curtem este subgênero de terror.

(17,07,2025)

Palavras-chave:

Carl Gabriel Yorke, Eli Roth, Francesca Ciardi, Gianfranco Clerici, Lorenza Izzo, Luca Barbareschi, Perry Pirkanen, Riz Ortolani, Robert Kerman, Ruggero Deodato, Sky Ferreira