Neollogia
Cogitações e quejandas quimeras 🧙‍♂️
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O Kubrick stare e o Thousand-yard stare

O Kubrick stare

Kubrick stare

Stanley Kubrick gostava de usar um determinado ângulo ao dar um close no rosto de certos personagens, particularmente os malignos e psicopatas. Consistia em dar um close no rosto enquanto o personagem faz uma expressão com o queixo recuado para baixo e o olhar para cima, numa expressão ameaçadora. 

Dexter

Kubrick stare

Ele pode não ter sido o primeiro a fazer isto no cinema, mas consagrou essa expressão que por isso ficou conhecida como "Kubrick stare", a "encarada estilo Kubrick". Desde então muitos filmes têm feito homenagem a esse tipo de close que acabou se tornando um trope da cinematografia, afinal é algo que funciona, que realmente passa um ar creepy de psicopata.

(02,12,2022)

O Thousand-yard stare, o "olhar de mil jardas"

Thousand yard stare

Esta expressão começou a ser usada para descrever a maneira como soldados sobreviventes de guerras apresentam uma expressão facial e um jeito de olhar apáticos, catatônicos, um olhar perdido e fixo, como que vendo através das pessoas.

Este termo hoje em dia já não se limita a pessoas com traumas de guerra, pois o olhar de mil jardas pode ser percebido em quem teve outras experiências traumáticas, estressantes ou desgastantes na vida, como a depressão, cansaço existencial, traumas de infância, até mesmo um acúmulo de decepções amorosas ou uma vida de hedonismo mal administrada que termina levando ao sentimento de tédio com a vida, de desinteresse. 

Há várias nuances neste olhar, pois ele pode transmitir um sentimento de medo, susto, desespero, esgotamento, desilusão, até mesmo de desprezo.

Quando nada mais importa, isto se reflete no olhar.

Thousand yard stare

(29,06,2023)

Palavras-chave:

Stanley Kubrick

A angustiante ou aconchegante vinheta do Supercine

Supercine

Antes da internet se tornar o maior meio de entretenimento e comunicação do mundo, quem reinava era a TV, sendo o principal meio para as pessoas assistirem filmes. No Brasil alguns programas na TV aberta se consagraram na veiculação de filmes, como Sessão da Tarde, Cinema em Casa, Tela Quente, Cine Belas Artes e Supercine.

É curioso que o Supercine tinha uma vinheta que despertava certos sentimentos nas pessoas. Hoje com a internet podemos facilmente encontrar pessoas comentando nas redes sociais sobre isto e me chama atenção o fato de que muita gente costuma comentar que aquela vinheta causava uma sensação de solidão e tristeza.

Não é preciso muito esforço para entender o motivo. O Supercine passa tarde da noite de Sábado, já virando a madrugada. É final de semana e a pessoa que está em casa assistindo TV neste horário em muitos casos está sozinha. Se é criança ou adolescente, está sozinha no meio da noite, enquanto o resto da família dorme. Se é adulto e mora sozinho, a sensação de solidão é ainda maior, pois a pessoa está vendo filme em casa num Sábado à noite em vez de estar nas baladas e noitadas lá fora. Assim, muita gente acaba associando o som da vinheta do Supercine a momentos tristes de solidão.

Para mim a experiência foi diferente. Não que eu seja o diferentão, mas estou ciente que faço parte de uma minoria de pessoas que têm prazer na solidão. É isso mesmo.


Como a maioria das pessoas naturalmente associa solidão a tristeza, pode ser difícil conceber que exista gente que realmente goste de ficar sozinha. Adotamos até mesmo uma palavra para definir este estado: solitude.

Para mim, os momentos de solitude assistindo TV de madrugada eram aconchegantes. Eu adorava a vinheta do Supercine, com seu estilo noir. Ela me preparava para a imersão em um mundo de ficção. Somado ao fato de que eu gostava de solidão desde criança, também sempre fui noturno, sempre apreciei o escuro da noite e o silêncio. 

Desta forma, a vinheta do Supercine pode ter sido angustiante para muitas pessoas, mas para mim e provavelmente para outros amantes da solitude, ela era bem aconchegante.

Detalhe que o compositor da vinheta, Roger Henri, já foi tantas vezes questionado pelas pessoas se havia uma versão completa da música que ele acabou compondo a música completa, tendo a vinheta como refrão.

(06,08,2023)

Palavras-chave:

Roger Henri

Throne and Liberty após um ano

Throne and Liberty

Meu primeiro MMORPG foi o Tibia, lá por volta de 2008, e depois o Runescape em 2010. Ao longo dos anos experimentei um pouquinho de tudo, mas apenas estes dois eu joguei por algumas centenas de horas, até que em 2021 veio o New World.

Diferente do Tibia e do Runescape, que quando conheci já eram jogos com muitos anos de existência, com o New World pude ter a experiência de acompanhar o nascimento de um novo MMO. Participei dos beta testes e quando lançou eu estava lá no primeiro dia. 

Obviamente também tive a experiência ruim que marcou toda aquela comunidade, pois um jogo novo, ainda mais um multiplayer com mundo aberto, vem incompleto e com muitos bugs ainda por polir. No caso do New World esse polimento se mostrou mais lento do que o tolerável pela maior parte da comunidade, assim a queda de players foi gigantesca.

Mas enfim, segui acompanhando o jogo, com seus altos e baixos. Vivi o ciclo de parar de jogar alguns meses e retornar após algum update relevante, até parar definitivamente em 2024.

Throne and Liberty

Throne and Liberty

Throne and Liberty

Throne and Liberty

Em compensação, naquele ano veio o Throne and Liberty, que já estava no meu radar desde 2023. Acompanhei cada trailer, assistia as gameplays quando foi lançado na Coréia e aguardei ansioso o lançamento global. Participei dos testes beta e, assim como no New World, no dia um de lançamento eu estava lá.

E agora eis que o TL completa um ano desde o lançamento global. Tenho jogado fielmente todos estes meses. Fielmente, porém casual. Só recentemente, após um ano, alcancei 500 horas de jogo. A essa altura os jogadores mais viciados já devem estar com 2000-3000 horas ou mais.

Meu plano sempre foi jogar assim mais casual, fazendo as coisas no meu tempo. Não entrei em guildas, só fiz atividades em grupo para realizar alguns achievements. Não fiquei repetindo dungeons em grupo exaustivamente como muitos fazem. Foquei mais em fazer as missões, completar as diversas categorias de achievements. 

Throne and Liberty

Throne and Liberty

Throne and Liberty

Throne and Liberty
Na época do lançamento, a baleia voadora ficava lotada de players.

Tem achievement pra tudo nesse jogo, na pesca, na culinária, nas missões secundárias e páginas de lore espalhadas no mapa e, embora não tenha um bestiário, tem o chamado livro de litografias, em que você vai adicionando itens que dropa. São atividades que poucos players realizam, já que o jogador padrão se dedica a ficar repetindo dungeons e participando de eventos de boss e PvP.

Assim tenho jogado solo a maior parte do tempo e gosto assim, pois jogar em grupo compromete o aspecto casual, afinal você tem que organizar seu tempo e tarefas para se adequar ao grupo. Estando solo posso perambular pelo mapa e alternar atividades como preferir. 

Claro que também me dediquei a upar o personagem e seus equipamentos. Agora estou com o score de 5600, que é um nível já de endgame e me permite encarar os mobs avançados no PvE. Completei todos os passes de temporada ao longo dos meses. Não deixei passar nenhum passe e nenhum evento, então posso me orgulhar de ter as skins, amitois e outras recompensas dos passes desde o lançamento.

Throne and Liberty

Throne and Liberty

Throne and Liberty

Throne and Liberty

É possível jogar completamente gratuito, mas os passes têm uma parte das recompensas que são premium, pagas com lucent, uma moeda que pode ser comprada com dinheiro real. A boa notícia é que lucent também pode ser farmado ingame, pois você pode vender os equipamentos que farma. 

No New World fiquei bastante habituado ao combate action, mesmo porque era um estilo de combate e uso de teclas que eu já vinha praticando em jogos como Team Fortress 2, Paladins e Overwatch, então no TL precisei de tempo para me readaptar ao combate tab target e à quantidade de skills significativamente maior que do New World. Hoje em dia já estou com a memória muscular das teclas, de modo que faço o combate sem dificuldade. 

A gente fica manipulando de 8 a 10 teclas de skills ou até mais, pois ainda existem teclas para poções e poderes especiais. É realmente bem diferente do New World onde a rotação envolve só umas 3 ou 4 teclas. A grande diferença, porém, é que no NW você tem de mirar e clicar no alvo a cada hit, enquanto no TL você fica travado no alvo e pode se concentrar em ficar digitando as inúmeras teclas de skills. No NW você castiga mais o mouse e no TL o teclado.

Throne and Liberty

Throne and Liberty

Throne and Liberty

Throne and Liberty

Em termos de desenvolvimento, o TL supera em muito o NW. Afinal a NCSoft é uma empresa gigantesca, bilionária, com décadas de experiência no ramo de MMO, com equipes enormes. O pedaço da Amazon Games dedicado ao New World tem o porte de um studio indie e inexperiente.

No New World amarguei por meses updates demorados, muitas vezes adiados e que vinham cheios de novos bugs. Os bugs foram um problema constante ao longo de anos. Já o TL tem se mostrado bem mais polido, com updates regulares, constante inclusão de novos conteúdos e rápida correção de bugs. Existem bugs, como em todo jogo, mas quem veio do New World sabe como é superior o polimento do TL.

O mapa e os cenários do NW têm seu charme, mas o TL também supera em beleza do mundo, nas construções monumentais e na variedade de ambientes e biomas. As dungeons de mundo aberto do TL têm uma grandeza e profundidade que nada no NW se compara. 

Throne and Liberty

Throne and Liberty

Throne and Liberty

Throne and Liberty

Por outro lado, o NW tem algo que eu realmente sinto falta no TL: a coleta de recursos na natureza. No NW eu gostava de sair pelo mapa cortando árvores, minerando, esfolando animais. Esta interação com o ambiente dá uma sensação maior de vida e utilidade do cenário. O cenário do TL é menos interativo nesse aspecto. Até existem umas pequenas rochas e tocos de árvore coletáveis, bem como umas ervas, mas são bem escassos e não oferecem uma experiência agradável (no NW até o som do corte de leia e da mineração é agradável).

Em ambos os jogos existe pesca. No NW há mais aprimoramentos para a vara de pescar, existem até roupas que dão bônus de pesca. No TL os equipamentos são mais limitados, por outro lado, a atividade da pesca em si é mais recompensadora, existe uma espécie de bestiário de peixes e eles são muito úteis na culinária.

Outra coisa que eu gostava muito no NW era do housing, brincar de casinha. A casa se torna um lugar para colecionismo. Eu gostava de coletar quadros e móveis explorando o mundo e assim decorar a casa com estes souvenires. No TL ainda não existe housing, mas a boa notícia é que será lançado agora em setembro, então nem nisto ele ficará atrás do NW.

Throne and Liberty

Throne and Liberty

Throne and Liberty

Throne and Liberty
Clay, também conhecido como "fat Harry Potter".

O TL segue evoluindo rápido. O jogo está em constante transformação, os updates são regulares, o polimento é constante, visualmente o mundo e os personagens são lindos, com belas (e sensuais, diga-se de passagem) skins. Nisso o NW não chega aos pés, pois os personagens e skins são horríveis.

Enfim, estou satisfeito com o TL e foi a melhor coisa ter parado com o NW para adotar este novo mundo. Confesso, porém, que realmente sinto falta da coleta do NW. A coleta no TL é escassa e sofrível. As ervas, por exemplo, são bem pequenas e de difícil visibilidade. Elas aparecem marcadas no minimapa, mas são bem chatinhas de encontrar no chão. Ninguém se dedica a ficar coletando ervas por isso. Não é divertido.

Creio que o TL nunca terá realmente uma natureza assim cheia de oportunidades de coleta. Não dá para cortar as árvores nem esfolar os animais e isso provavelmente nunca vai mudar. Minha necessidade de coleta só será satisfeita em outro jogo, no Pax Dei. Ali sim temos um mundo extremamente interativo, com árvores, rochas, ervas, animais, etc. 

Mas o Pax Dei já é outra história. É o terceiro MMO que acompanho desde o início. Eu estava lá na abertura do early access, porém os wipes do early access não me apetecem, então decidi só me dedicar ao Pax Dei depois que for lançado. 

Throne and Liberty

Throne and Liberty

Throne and Liberty

(30,08,2025)

Palavras-chave:

Amazon, NCSoft

Ryan Gosling fofo, frio e calculista em Drive

Drive (2011)

Drive (2011)

Drive (2011)

Drive (2011) foi um filme indie com um modesto orçamento de 15 milhões de dólares e que se tornou um verdadeiro ícone pop. Curiosamente, o protagonista, interpretado pelo Ryan Gosling, nem mesmo tem o nome mencionado, sendo conhecido em toda a história apenas como O Motorista.

Geralmente os filmes com cenas de perseguição policial costumam concentrar a atenção nos carros, mostrando suas manobras arriscadas, fazendo takes aéreos para dar ao espectador uma visão de helicóptero e os cortes rápidos dão a sensação de velocidade. Drive segue por um caminho diferente.

Ryan Gosling; Drive (2011)

O filme começa com uma cena de 10 minutos de perseguição em que o protagonista dá uma "carona" para dois assaltantes e se engaja em uma fuga, enquanto carros da polícia e até um helicóptero vasculham as ruas. Só que não vemos todos aqueles cortes rápidos dos filmes de ação e a câmera mal mostra o carro. 

Em vez disso, a câmera concentra-se em mostrar o interior do carro, alternando entre a expressão de medo e expectativa dos assaltantes e o rosto apático e concentrado do motorista, um profissional acostumado a fazer este tipo de trabalho. E mesmo sem todo o malabarismo típico das cenas de ação, estes 10 minutos prendem a nossa atenção e nos deixam com o mesmo sentimento de expectativa dos assaltantes. No fim, há uma sensação de satisfação quando vemos o Ryan Gosling sumir em meio à multidão como um cara qualquer.

Então vem a abertura com os créditos que virou um ícone entre os fãs de música eletrônica dark, quando vemos o motorista voltando para casa estoicamente, quieto e low profile, enquanto toca Nightcall, de Kavinsky. Não à toa no Youtube existem vários clipes e montagens desta música com cenas de filmes do Ryan Gosling, incluindo o próprio Drive, mas também Blade Runner 2049 e até mesmo Barbie.

O motorista tem um jeitão quieto, é lacônico e discreto. Embora às vezes passe um ar de arrogância, ele também sabe ser doce e simpático a seu modo, tanto que conquista a simpatia de sua vizinha Irene (a fofa Carey Mulligan), bem como do garotinho filho dela. 

Carey Mulligan; Drive (2011)

Carey Mulligan; Drive (2011)
Irene é fofa, mas um ímã de problemas.

Ryan Gosling, Carey Mulligan; Drive (2011)

Ryan Gosling, Carey Mulligan; Drive (2011)
O cavalheiro moderno protegendo a donzela.

Muitos homens têm receio de se relacionar com mães solteiras, mas o motorista não só parece não se importar com isto como rapidamente cria um laço com o garoto. Irene revela que o pai do menino está na cadeia, o que poderia ser entendido como uma red flag, um alerta de que se aproximar daquela moça poderia trazer problemas. Novamente ele não se importa. Ele não tem medo algum de perigo e segue se aproximando da moça e do garoto com um jeito gentil e tranquilo. 

Ele não é um cara que busca problemas, só que os problemas acabam indo até ele. Por um lado, o marido de Irene sai da cadeia e o cara é uma bomba-relógio ambulante, arranjando encrenca com a máfia e pondo em risco a família. Ao mesmo tempo, o patrão do motorista, Shannon (interpretado pelo Bryan Cranston) também se envolve com mafiosos e as coisas vão convergindo de modo que o motorista acaba no meio de um problemão, quando terá que lutar pela sua vida e de Irene e seu filho.

Ryan Gosling; Drive (2011)

Então conhecemos outro lado do motorista, seu lado badass, frio e também violento. Não à toa ele costuma usar uma jaqueta com um símbolo de escorpião nas costas, o que pode ser uma referência a seu signo e igualmente à sua personalidade arisca e vingativa, que fica quieto na sua, mas possui um ferrão para se vingar de quem ameaçá-lo.

Ele lembra um pouco o personagem do Mel Gibson no filme O Troco (1999), um cara sozinho que consegue ser uma grande ameaça para uma máfia graças a sua engenhosidade e a frieza com que lida com o perigo. Ele não chega a ser um John Wick, mesmo porque quase não usa armas de fogo, mas é um grande badass.

Ryan Gosling; Drive (2011)

Ryan Gosling; Drive (2011)

Muitas pessoas, diante de uma situação dessas, simplesmente pulariam fora para não arriscar a vida comprando os problemas que outra pessoa arranjou. No caso, o motorista não tinha nada a ver com a dívida que o marido da Irene arranjou, mesmo assim ele foi lá tentar resolver, comprando briga com a máfia. 

Ele se sacrificou para proteger Irene e o filho, o que foi um ato heroico, mas ele não é exatamente um herói. Se por um lado era cavalheiro com Irene, por outro ele não hesitou em dar uns tapas e ameaçar a Blanche (personagem da Christina Hendricks). Ele é bonzinho apenas com as pessoas com quem tem intimidade, como Irene, o menino e o Shannon. Creio que ele se caracteriza como um lawful neutral. Ele não é nem bom nem mal e só é leal a um pequeno número de pessoas.

(08,08,2023)

Palavras-chave:

Bryan Cranston, Carey Mulligan, Christina Hendricks, Kavinsky, Nicolas Winding Refn, Ryan Gosling

The Thing, um ícone do terror cósmico

The Thing (literalmente A Coisa) é um título bem genérico para um filme, mas não se engane. Ele se refere a uma das mais cultuadas história de terror cósmico do cinema e que já teve alguns remakes.

O início de tudo está no livro Who Goes There?, publicado em 1938 pelo grande autor pulp John W. Campbell, contemporâneo de Lovecraft. É importante mencionar Lovecraft, pois Who Goes There é de fato um terror cósmico lovecraftiano. 

Inclusive, em 1936, Lovecraft havia publicado At the Mountains of Madness, em que um grupo de exploradores na Antártica descobre uma antiga civilização alienígena. Neste livro são mencionadas criaturas que se tornaram parte dos Mitos de Cthulhu, os Elder Things.

Claramente, portanto, Campbell inspirou-se em Lovecraft e até mesmo o alien de sua história é chamado simplesmente de The Thing.

The Thing from Another World (1951)

The Thing from Another World (1951)

Eis que 1951 a novela de Campbell foi adaptada para o filme The Thing from Another World, que no Brasil foi traduzido como O Monstro do Ártico (perdendo um pouco do impacto misterioso da palavra "Coisa" e também removendo a menção a um mundo alienígena, trocando Another World por Ártico). Pois é, esta tradução foi bem infeliz, pois desfez todo o horror cósmico do título, criando algo bem genérico que pode fazer o público imaginar um Pé Grande ou algo do tipo.

James Arness; The Thing from Another World (1951)

Nesta adaptação, o monstro alienígena é um ser humanoide que parece até o monstro de Frankenstein. Foi interpretado pelo ator James Arness, com seus 2,01 metros de altura. A maior parte do filme é basicamente a equipe dialogando sobre a misteriosa ameaça e a criatura só aparece por alguns segundos, porém são breves cenas bem marcantes.


Quando o monstro vai ao encontro da equipe, eles jogam combustível e ateiam fogo, numa cena impressionante, principalmente se levar em conta que foi filmada em 1951. O ator obviamente estava vestindo algum tipo de proteção, mas o fato é que tacaram fogo nele e naquela época certamente não havia uma tecnologia de proteção térmica tão avançada quanto à que os dublês usam hoje em dia. O monstro foge para a neve e apaga o fogo, mas quando retorna é finalmente eletrocutado.

The Thing (1982)
Esta tela de abertura claramente homenageia o filme de 1951.

The Thing (1982)

The Thing (1982)

The Thing (1982)

Kurt Russell; The Thing (1982)

A melhor adaptação viria décadas depois, no filme simplesmente intitulado The Thing (1982). Em português até que a tradução ficou legal: O Enigma de Outro Mundo. Foi dirigido por ninguém menos que o lendário John Carpenter, com trilha sonora de Ennio Morricone e estrelado pelo Kurt Russell.

Aliás, a música de Ennio Morricone neste filme é bem diferente de seu estilo convencional. Ele possui marcantes peças com estilo clássico e temáticas românticas e melancólicas. Já em The Thing ele envereda por uma música mais eletrônica e industrial.

Com o modesto orçamento de 15 milhões de dólares, o filme teve uma fraca bilheteria de apenas 19 milhões na América do Norte, além disso a recepção do público e da crítica em geral foi negativa, considerando o filme muito repulsivo. O mundo não estava pronto para The Thing, ainda mais no ano em que o E.T. do Spielberg trouxe uma abordagem bem mais fofinha e infantil dos alienígenas.

The Thing (1982)

The Thing (1982)

O tempo se encarregou de transformar esta obra, que a princípio foi um fracasso, em um ícone cult do terror cósmico, até hoje admirado pelos efeitos práticos das grotescas criaturas, o que ficou a cargo de Rob Bottin e sua equipe de mais de 30 artistas.

Nos filmes, seres metamórficos geralmente se transformam num piscar de olhos. Vide, por exemplo, a Mística dos X-Men. Se pararmos para pensar em uma representação mais realista, a transformação de um organismo provavelmente seria um processo longo e complexo de reestruturação da pele, órgãos, ossos, etc. 

Neste sentido, The Thing parece imaginar uma representação mais verossímil e detalhista de um ser metamórfico. Enquanto está se reconfigurando, o alien assume uma forma grotesca, mista, um meio termo entre o que ele era e o que pretende ser. Assim, o processo de assumir a forma humana é assustador e relativamente lento e, quando interrompido, deixa aquele corpo com uma quimérica e hedionda aparência.

The Thing (2011)

The Thing (2011)

Em 2011, foi lançado um remake de mesmo nome. Pode não ser tão memorável quanto a versão de 1982, mas é um filme decente e que explora bem o suspense, além de ter bons e grotescos efeitos especiais misturando CGI e bonecos reais.

Neste longa, uma vez que os exploradores descobrem que o alien pode replicar um deles, como um doppelgänger, concordam em fazer exames de sangue a fim de verificar se alguém está infectado, assim como ocorreu no filme de 1982. Isto facilmente resolveria o mistério do "inimigo entre nós", mas convenientemente o laboratório pega fogo.

Então a cientista Kate Lloyd (que eu achei a cara da Marjorie Estiano), tem um insigth muito engenhoso: já foi constatado que o alien, ao absorver e replicar um humano, expulsava do corpo todo material inorgânico, como próteses e amálgamas dentários. Logo, uma maneira simples de ver quem era humano de verdade era conferir a boca de cada um a fim de ver se eles tinham amálgamas.

The Thing (2011)

Algo que ocasionalmente me chama atenção ao ver filmes do século XX é este fato dos atores terem amálgamas, o que em alguns casos vira um detalhe inverossímil, como em filmes futuristas. Como assim no futuro as pessoas vão viajar pelas estrelas, mas ainda vão usar amálgama nos dentes? 

Recentemente amálgamas foram se tornando menos comuns, substituídos por porcelana e resina, de modo que hoje é raro algum ator que tenha amálgamas, e os dentes dos personagens nos filmes atuais são sempre branquinhos. Mas ainda em 2011 os amálgamas eram regra, então foi bem conveniente para o filme aproveitar os amálgamas dos atores como um plot device.

(27,08,2025)

Notas:

1: The Thing literalmente se traduziria como A Coisa, mas aqui no Brasil o filme de 1951 virou O Monstro do Ártico e os de 1982 e 2011 viraram O Enigma de Outro Mundo. Curiosamente, nos anos 80-90 foi outro filme que ficou conhecido no Brasil como A Coisa, o The Stuff (1985), que era sobre um "iogurte" que se tornou muito popular, mas que acabou comendo as pessoas por dentro. Era um filme mais trash, se comparado a The Thing, porém muito marcante.

Stuff de fato pode ser traduzido como Coisa, porém o título em inglês faz ainda mais sentido por se tratar de um alimento. Stuff pode significar recheio ou algo que você usa para encher, estufar, empalhar animais. Quando alguém come demais, diz que ficou "stuffed". Logo, essa marca de iogurte do filme transmite um sentido ambíguo de substância misteriosa, uma coisa, bem como algo que te enche por dentro. Inclusive enche até transbordar, pois esse troço acaba saindo pela boca das pessoas.

A Coisa (1985)

The Stuff (1985)

É um filme trash e até meio cômico, mas não deixa de ser assustador. A estranha geleia foi encontrada por operários saindo do solo e, quando provaram o sabor, viram que era algo com grande potencial comercial. Logo o produto se tornou um fenômeno nacional e pelo visto havia uma grande fonte subterrânea da substância. A guloseima é consumida aos montes em todas as casas e as pessoas ficam tão viciadas que chegam até a tratar com hostilidade quem critica ou recusa comer o Stuff.

The Stuff (1985)

Acontece que aquela coisa está viva e ataca algumas pessoas, se avolumando pelo chão e paredes. Em outros casos, vemos que a coisa estava comendo as pessoas por dentro, a ponto delas quebrarem como cascas vazias ou vazarem a substância pela boca.

A curiosa reviravolta acontece quando o protagonista, chamado Mo, chega armado ao escritório dos donos da companhia a fim de fazer uma justiça poética. Ele apresenta um novo produto, que se chamará The Taste, e consiste em 88% sorvete e 12% de Stuff, uma fórmula que garante o sabor delicioso, mas sem chegar a dominar as mentes e corpos das pessoas. 

The Stuff (1985)

The Stuff (1985)

The Stuff (1985)

Ao mesmo tempo ele força os empresários a comer potes e potes de Stuff como uma forma de punição. Eles serão devorados pelo mesmo produto que lhes deixou ricos. De certa forma, pode ser uma analogia para a crise das drogas que já vinha assolando os EUA nos anos 80. A perfeita punição para os traficantes seria torná-los viciados, retornando o mesmo mal que eles causaram à população.

Palavras-chave:

Christian Nyby, Ennio Morricone, H. P. Lovecraft, John Carpenter, John W. Campbell, Kurt Russell, Larry Cohen, Mary Elizabeth Winstead, Matthijs van Heijningen Jr., New World Pictures, Rob Bottin, Universal