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The Thing, um ícone do terror cósmico

The Thing (literalmente A Coisa) é um título bem genérico para um filme, mas não se engane. Ele se refere a uma das mais cultuadas história de terror cósmico do cinema e que já teve alguns remakes.

O início de tudo está no livro Who Goes There?, publicado em 1938 pelo grande autor pulp John W. Campbell, contemporâneo de Lovecraft. É importante mencionar Lovecraft, pois Who Goes There é de fato um terror cósmico lovecraftiano. 

Inclusive, em 1936, Lovecraft havia publicado At the Mountains of Madness, em que um grupo de exploradores na Antártica descobre uma antiga civilização alienígena. Neste livro são mencionadas criaturas que se tornaram parte dos Mitos de Cthulhu, os Elder Things.

Claramente, portanto, Campbell inspirou-se em Lovecraft e até mesmo o alien de sua história é chamado simplesmente de The Thing.

The Thing from Another World (1951)

The Thing from Another World (1951)

Eis que 1951 a novela de Campbell foi adaptada para o filme The Thing from Another World, que no Brasil foi traduzido como O Monstro do Ártico (perdendo um pouco do impacto misterioso da palavra "Coisa" e também removendo a menção a um mundo alienígena, trocando Another World por Ártico). Pois é, esta tradução foi bem infeliz, pois desfez todo o horror cósmico do título, criando algo bem genérico que pode fazer o público imaginar um Pé Grande ou algo do tipo.

James Arness; The Thing from Another World (1951)

Nesta adaptação, o monstro alienígena é um ser humanoide que parece até o monstro de Frankenstein. Foi interpretado pelo ator James Arness, com seus 2,01 metros de altura. A maior parte do filme é basicamente a equipe dialogando sobre a misteriosa ameaça e a criatura só aparece por alguns segundos, porém são breves cenas bem marcantes.


Quando o monstro vai ao encontro da equipe, eles jogam combustível e ateiam fogo, numa cena impressionante, principalmente se levar em conta que foi filmada em 1951. O ator obviamente estava vestindo algum tipo de proteção, mas o fato é que tacaram fogo nele e naquela época certamente não havia uma tecnologia de proteção térmica tão avançada quanto à que os dublês usam hoje em dia. O monstro foge para a neve e apaga o fogo, mas quando retorna é finalmente eletrocutado.

The Thing (1982)
Esta tela de abertura claramente homenageia o filme de 1951.

The Thing (1982)

The Thing (1982)

The Thing (1982)

Kurt Russell; The Thing (1982)

A melhor adaptação viria décadas depois, no filme simplesmente intitulado The Thing (1982). Em português até que a tradução ficou legal: O Enigma de Outro Mundo. Foi dirigido por ninguém menos que o lendário John Carpenter, com trilha sonora de Ennio Morricone e estrelado pelo Kurt Russell.

Aliás, a música de Ennio Morricone neste filme é bem diferente de seu estilo convencional. Ele possui marcantes peças com estilo clássico e temáticas românticas e melancólicas. Já em The Thing ele envereda por uma música mais eletrônica e industrial.

Com o modesto orçamento de 15 milhões de dólares, o filme teve uma fraca bilheteria de apenas 19 milhões na América do Norte, além disso a recepção do público e da crítica em geral foi negativa, considerando o filme muito repulsivo. O mundo não estava pronto para The Thing, ainda mais no ano em que o E.T. do Spielberg trouxe uma abordagem bem mais fofinha e infantil dos alienígenas.

The Thing (1982)

The Thing (1982)

O tempo se encarregou de transformar esta obra, que a princípio foi um fracasso, em um ícone cult do terror cósmico, até hoje admirado pelos efeitos práticos das grotescas criaturas, o que ficou a cargo de Rob Bottin e sua equipe de mais de 30 artistas.

Nos filmes, seres metamórficos geralmente se transformam num piscar de olhos. Vide, por exemplo, a Mística dos X-Men. Se pararmos para pensar em uma representação mais realista, a transformação de um organismo provavelmente seria um processo longo e complexo de reestruturação da pele, órgãos, ossos, etc. 

Neste sentido, The Thing parece imaginar uma representação mais verossímil e detalhista de um ser metamórfico. Enquanto está se reconfigurando, o alien assume uma forma grotesca, mista, um meio termo entre o que ele era e o que pretende ser. Assim, o processo de assumir a forma humana é assustador e relativamente lento e, quando interrompido, deixa aquele corpo com uma quimérica e hedionda aparência.

The Thing (2011)

The Thing (2011)

Em 2011, foi lançado um remake de mesmo nome. Pode não ser tão memorável quanto a versão de 1982, mas é um filme decente e que explora bem o suspense, além de ter bons e grotescos efeitos especiais misturando CGI e bonecos reais.

Neste longa, uma vez que os exploradores descobrem que o alien pode replicar um deles, como um doppelgänger, concordam em fazer exames de sangue a fim de verificar se alguém está infectado, assim como ocorreu no filme de 1982. Isto facilmente resolveria o mistério do "inimigo entre nós", mas convenientemente o laboratório pega fogo.

Então a cientista Kate Lloyd (que eu achei a cara da Marjorie Estiano), tem um insigth muito engenhoso: já foi constatado que o alien, ao absorver e replicar um humano, expulsava do corpo todo material inorgânico, como próteses e amálgamas dentários. Logo, uma maneira simples de ver quem era humano de verdade era conferir a boca de cada um a fim de ver se eles tinham amálgamas.

The Thing (2011)

Algo que ocasionalmente me chama atenção ao ver filmes do século XX é este fato dos atores terem amálgamas, o que em alguns casos vira um detalhe inverossímil, como em filmes futuristas. Como assim no futuro as pessoas vão viajar pelas estrelas, mas ainda vão usar amálgama nos dentes? 

Recentemente amálgamas foram se tornando menos comuns, substituídos por porcelana e resina, de modo que hoje é raro algum ator que tenha amálgamas, e os dentes dos personagens nos filmes atuais são sempre branquinhos. Mas ainda em 2011 os amálgamas eram regra, então foi bem conveniente para o filme aproveitar os amálgamas dos atores como um plot device.

(27,08,2025)

Notas:

1: The Thing literalmente se traduziria como A Coisa, mas aqui no Brasil o filme de 1951 virou O Monstro do Ártico e os de 1982 e 2011 viraram O Enigma de Outro Mundo. Curiosamente, nos anos 80-90 foi outro filme que ficou conhecido no Brasil como A Coisa, o The Stuff (1985), que era sobre um "iogurte" que se tornou muito popular, mas que acabou comendo as pessoas por dentro. Era um filme mais trash, se comparado a The Thing, porém muito marcante.

Stuff de fato pode ser traduzido como Coisa, porém o título em inglês faz ainda mais sentido por se tratar de um alimento. Stuff pode significar recheio ou algo que você usa para encher, estufar, empalhar animais. Quando alguém come demais, diz que ficou "stuffed". Logo, essa marca de iogurte do filme transmite um sentido ambíguo de substância misteriosa, uma coisa, bem como algo que te enche por dentro. Inclusive enche até transbordar, pois esse troço acaba saindo pela boca das pessoas.

A Coisa (1985)

The Stuff (1985)

É um filme trash e até meio cômico, mas não deixa de ser assustador. A estranha geleia foi encontrada por operários saindo do solo e, quando provaram o sabor, viram que era algo com grande potencial comercial. Logo o produto se tornou um fenômeno nacional e pelo visto havia uma grande fonte subterrânea da substância. A guloseima é consumida aos montes em todas as casas e as pessoas ficam tão viciadas que chegam até a tratar com hostilidade quem critica ou recusa comer o Stuff.

The Stuff (1985)

Acontece que aquela coisa está viva e ataca algumas pessoas, se avolumando pelo chão e paredes. Em outros casos, vemos que a coisa estava comendo as pessoas por dentro, a ponto delas quebrarem como cascas vazias ou vazarem a substância pela boca.

A curiosa reviravolta acontece quando o protagonista, chamado Mo, chega armado ao escritório dos donos da companhia a fim de fazer uma justiça poética. Ele apresenta um novo produto, que se chamará The Taste, e consiste em 88% sorvete e 12% de Stuff, uma fórmula que garante o sabor delicioso, mas sem chegar a dominar as mentes e corpos das pessoas. 

The Stuff (1985)

The Stuff (1985)

The Stuff (1985)

Ao mesmo tempo ele força os empresários a comer potes e potes de Stuff como uma forma de punição. Eles serão devorados pelo mesmo produto que lhes deixou ricos. De certa forma, pode ser uma analogia para a crise das drogas que já vinha assolando os EUA nos anos 80. A perfeita punição para os traficantes seria torná-los viciados, retornando o mesmo mal que eles causaram à população.

Palavras-chave:

Christian Nyby, Ennio Morricone, H. P. Lovecraft, John Carpenter, John W. Campbell, Kurt Russell, Larry Cohen, Mary Elizabeth Winstead, Matthijs van Heijningen Jr., New World Pictures, Rob Bottin, Universal

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