Neollogia
Cogitações e quejandas quimeras 🧙‍♂️
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A maldição do Coringa

Joker

Após o suicídio do ator Heath Ledger (2008), o mundo voltou os olhos para esse personagem dos quadrinhos que tem um longa história nas telas: o Coringa. Ele, que até então era mais conhecido como uma figura cômica, revelou um ar mais sinistro e sombrio, tão sinistro a ponto de afetar pessoas do mundo real.

Décadas antes, o ator Cesar Romero já se queixara que interpretar o Coringa na série clássica do Batman (década de 60) lhe trouxe certos desconfortos psicológicos e até dor de cabeça. O ator Jack Nicholson foi outro que mencionou o peso que o personagem trazia, sofrendo de insônia e conflitos mentais no período em que viveu o personagem no cinema (1989).

Por fim, o Jared Leto foi outra vítima do fantasma do Coringa quando o interpretou no filme Esquadrão Suicida (2016). Durante este período, desde o laboratório até as gravações, o ator encarnou o personagem em tempo integral, comportando-se de forma esquisita e assustando o restante do elenco.

O caso do Heath Ledger claramente foi o mais grave, pois o ator afundou-se na depressão e obsessão, tinha um diário em que estudava o Coringa e fazia anotações bizarras e interpretou tão profundamente o palhaço que ganhou um Oscar póstumo, após ter cometido suicídio.

Desde então se fala nessa "maldição do Coringa". Bom, existe de fato uma explicação místico psicológica para o fenômeno. É o que algumas escolas esotéricas chamam de egrégora, outras chamam de "forma pensamento".

A consciência coletiva é capaz de criar entidades psíquicas. Seria difícil explicar do que elas são feitas. Não são coisas materiais, mas são fenômenos de certa forma naturais e que têm uma forte presença na cultura. Estes fenômenos influenciam e são influenciados pelas pessoas, alimentam-se da opinião pública e crescem, se desenvolvem, assim surgem os mitos, lendas, tropos, bem como os talismãs, símbolos de poder, feitiços e até marcas de empresas.

Uma marca começa como uma ideia e uma identidade visual, mas acaba virando algo mais, uma entidade cultural e com poder sobre a psicologia das massas. A Coca Cola, por exemplo, não é apenas um produto. Ela se tornou parte da cultura moderna e, mais ainda, se tornou uma poderosa egrégora.

É, parece louco e complicado isso, mas enfim, o fato é que o Coringa é uma ideia muito antiga e poderosa, é uma das manifestações da entidade brincalhona, zombeteira, caótica e destruidora. Este tipo de ser existe há muito, muito tempo no imaginário de praticamente todas as culturas e foi representado em figuras como o nórdico Loki, o ardiloso Diabo medieval, o grego Momo (o mesmo que inspirou o Rei Momo do carnaval) e o personagem Bufão das peças antigas, bem como o palhaço moderno (e os palhaços assassinos que são um consagrado subgênero do terror).

O Coringa é parte de tudo isso, do imaginário envolvendo esse ente psicopata, incontrolável e que se diverte com a confusão. Não à toa ele leva à confusão os atores que tentam interpretá-lo. É preciso cautela ao lidar com certas egrégoras.

Rezemos pelo Joaquin Phoenix, o próximo Coringa.

(01,11,2018)

Palavras-chave:

Cesar Romero, Heath Ledger, Jack Nicholson, Jared Leto, Joaquin Phoenix

Mountains, uma das músicas mais marcantes do cinema

Interstellar (2014)

Hans Zimmer é um compositor instrumental do que se pode chamar o gênero clássico moderno, é um gênero bastante apreciado pela indústria do cinema e não à toa Zimmer é um dos mais respeitados e premiados compositores da área, tendo inclusive várias indicações e premiações do Oscar e Globo de Ouro. Ele tem composições em blockbusters como O Rei Leão, Gladiador, Inception, Batman The Dark Knight, etc.

Mas até onde conheço de sua obra, destaco particularmente uma pequena peça chamada Mountains pela maneira como essa música conseguiu combinar, traduzir, comunicar-se com a cena do filme Interstellar (2014) em que ela aparece.

Interstellar trata de um drama da humanidade que é assolada pela degradação do planeta e, como último recurso, envia um grupo de astronautas para o espaço a fim de encontrar outro planeta habitável. Essa viagem é facilitada por um providencial buraco de minhoca que misteriosamente surge nas proximidades de Saturno. 

Enfim, em uma das viagens, eles descem em um planeta batizado como Miller, que orbita um buraco negro, Gargântua. A presença deste buraco negro (que basicamente é uma estrela absurdamente densa, com uma gravidade colossal) causa dois efeitos no planeta: cria um enorme tsunami que dá uma volta pelo planeta sempre atraído pela gravidade de Gargântua; e o impressionante fenômeno da relatividade do tempo. Ou seja, em Miller, cada hora equivale a sete anos na Terra, cada segundo vale mais ou menos um dia terrestre.

Interstellar (2014)

Os astronautas sabem disso e tentam passar o mínimo de tempo em Miller, pois enquanto passam alguns minutos ali, na Terra as pessoas estão envelhecendo e esperando o resultado da expedição. Ao mesmo tempo em que têm de lidar com a pressa, os astronautas se deparam com a imensa onda tsunami vindo em sua direção. A princípio pensam que a onda é uma montanha e é daí que vem o título da música que acompanha a cena.

A música possui o som de um tique taque de relógio, um som que começa lento, mas depois vai acelerando, apontando para o fato de que naquele planeta o tempo voa e precisam se apressar. De fato, cada tique e cada taque do relógio significa um dia que se passou na Terra e quando essa batida acelera, tendo em mente esta relação, ficamos com a sensação ainda mais forte de tempo perdido, de tempo roubado pelo efeito gravitacional do buraco negro.

E tem as vozes do coral, fortes, dramáticas, representando a aproximação da onda gigante. Este conjunto, o relógio, o coral e os instrumentos, desenha bem a cena da fuga dos astronautas daquele planeta oceânico, encolhidos diante da onda tão grande quanto uma montanha e do tempo relativizado, acelerado em relação à Terra.

(30,10,2018)

Palavras-chave:

Hans Zimmer

A letra Z

Tanto o Z maiúsculo quanto o z minúsculo têm o mesmo formato: duas barras horizontais ligadas por uma diagonal. Curiosamente, assemelha-se à letra N maiúscula, girada 90 graus. Todavia, a letra n minúscula não mantém o mesmo formato.

No semítico, a letra Zayin pode estar relacionada a "arma" ou "espada". O conceito também pode evoluir para a imagem de um cetro.

Proto semitic Z

O proto semítico Ze consiste em duas barras horizontais e especula-se que tenha sua origem na representação de barras de cobre, das quais se podem forjar armas.

Proto canaanite Z

O proto caananita representa uma barra horizontal sustentada por duas verticais.

Proto phoenician Z

O proto fenício, por sua vez, é semelhante ao caananita, porém girando-se 90 graus.

Hebrew Z

O hebraico Zayin é representado com uma forma semelhante a um T. É a sétima letra do alfabeto e representa o número 7, tanto nos numerais quanto na gematria. Curiosamente, o número 7 moderno tem uma semelhança gráfica com a letra Z.

Greek Zeta

Em grego temos a letra Zeta, que em maiúsculo assemelha-se ao nosso Z, mas em minúsculo parece um s. Daí veio a letra Z latina que compõe nosso alfabeto moderno.

Latin Z

Latin Ƶ

Tipograficamente, o Z pode ter sua forma convencional ou com um traço no meio.

Por representar uma espada ou cetro, Z simboliza poder, alcançar o auge, o zênite, a sabedoria, uma jornada bem sucedida.

(29,12,2024)


Project Gemini, o Interestelar russo

Project Gemini (2022)

O título original é Zvyozdniy Razum (2022) e em inglês ficou como Project Gemini. Em português o título ficou "Gemini: Planeta sombrio" que é pra manter nossa tradição de criar traduções aleatórias para os títulos. 

Se bem que essa tradução até ajuda na trama, pois nos faz pensar que eles estão em um planeta alienígena misterioso, não entregando o spoiler (que eu agora entrego) de que eles viajaram não no espaço, mas no tempo, voltando para a Terra há 4 bilhões de anos.

Trata-se de um filme russo e não é raro o cinema russo produzir longas de sci-fi, ainda que com uma qualidade mediana no CGI. No caso de Gemini, não há muito CGI e usa-se o truque de manter o cenário sempre na penumbra, um recurso muito comum em filmes espaciais de terror, que serve tanto para criar a ambientação de suspense, quanto para economizar nos efeitos especiais, afinal um alien espreitando nas sombras requer bem menos trabalho gráfico do que algo totalmente visível.

Project Gemini (2022)
É curioso como nestes filmes de terror espacial o interior da nave nunca tem uma iluminação adequada, é sempre uma penumbra.

Quanto à história, parece ter alguma inspiração em Interestelar (2014). Já começa apresentando uma crise global, com um vírus que está matando todas as plantas da Terra, o que se assemelha à crise de Interestelar em que um pó misterioso está destruindo as plantações e causando fome no mundo. 

Da mesma forma, a solução para isto é partir para o espaço em busca de outro mundo, outro planeta para terraformar. Convenhamos, aliás, que tanto em Interestelar quanto em Gemini, a noção de terraformação é um tanto ingênua. Terraformar um planeta é uma tarefa titânica, que exige muitos recursos e séculos ou milênios de processo. Seria mais fácil os humanos usarem todos os recursos e tecnologia que ainda tinham para tentar salvar a Terra, do que colonizar outro planeta.

Mas ok, vamos adiante. Assim como Interestelar usa o tempo como um recurso na trama, também Gemini o faz. No caso, a nave enviada para terraformar outro mundo acaba acidentalmente viajando no tempo, voltando para a Terra primitiva. O plano de colonizar outro planeta falhou.

Então um dos membros da equipe tem a ideia maluca de enviar uma mensagem para sua esposa na Terra. Acontece que antes de partir ele deu pra ela um bracelete feito com um pedaço de um artefato alienígena. Como ele voltou 4 bilhões de anos no tempo, o artefato alienígena também voltou no tempo e ainda continha o pedaço do bracelete, então ele gravou no pedaço um código que de alguma forma ajudaria a esposa dele, 4 bilhões de anos no futuro, a criar uma vacina para o vírus das plantas.

Pois é, uma solução bem mirabolante, assim como foi a comunicação entre pai e filha em Interestelar usando cordas gravitacionais.

Um detalhe curioso é que os atores russos deste filme russo falam em inglês. E não é dublagem. Dá pra notar no movimento dos lábios que eles estão atuando em inglês. Isso mostra como a intenção desse studio, chamado KD Studios, era produzir algo para o mercado internacional. 

De toda forma, é só mais um filme genérico de astronautas em uma nave com pouca iluminação e um alien intruso tocando o terror dentro da nave. Essa coisa de viajar no tempo para o passado da Terra também já é um grande clichê, inclusive outro filme viria com o mesmo tema em 2023, o 65, estrelado pelo Adam Driver, em que ele volta para a era da extinção dos dinossauros. É a eterna influência de Planeta dos Macacos.

(29,12,2024)

Palavras-chave:

KD Studios, Serik Beyseu

Esperança

Sou um estranho, um peregrino.
Nunca encontrei um lar
no passado ou no presente.
Só me resta olhar pra frente.
Não há lugar pra mim no mundo,
não no ontem, não no agora,
mas no amanhã, quem sabe.
No amanhã está minha âncora.

(27,12,2024)

Caminhos

O caminho que você está trilhando,
eu já percorri.
Já fui e já voltei,
mil anos eu vivi.

Acredite, eu entendo
o seu deslumbramento.
Sei que não entenderá
o meu olhar apático.

Não torço que nos encontremos
em futuros cruzamentos.
Apenas siga seu caminho,
enquanto sigo o meu, sozinho.

Olhe as vias desta estrada,
como elas são ramificadas.
O tempo é um labirinto
de corredores infinitos.

(25,12,2024)

Os profetas modernos

Daniel in the Lions' Den by Peter Paul Rubens

Normalmente se confunde o profeta com um adivinho, um vate, uma pitonisa, um oráculo. Estes quatro últimos são geralmente voltados a premonições propriamente ditas, a prever futuros acontecimentos na vida de uma pessoa. Já o profeta, no sentido bíblico, era um conselheiro da sociedade e de seus líderes, tinha mais a ver com política do que com previsões do futuro.

Observando profetas como Elias, Samuel, Isaías, Jeremias e Daniel, fica claro qual era o grande papel deles. Eles faziam uma leitura da sociedade, identificavam seus males, seus pecados, aquilo que levaria uma pessoa, um grupo de pessoas, ou mesmo uma nação para a ruína. Percebendo isto, o profeta alertava. Sua missão era avisar: "Não vá por este caminho que o destino será trágico".

Da mesma forma, o aviso de um profeta podia se tornar uma condenação, uma crítica severa, uma maldição lançada: "Vocês escolheram este caminho, então lamento informar que estão lascados e não tem mais jeito". Eles não costumavam fazer adivinhações para agradar, dizendo aquilo que as pessoas queriam ouvir. Seu papel era de diagnosticar a sociedade e sugerir o remédio. Vários profetas usaram a expressão "Ai de ti". Não à toa eram odiados, perseguidos, jogados aos leões. 

Entre todos os profetas bíblicos, dois tiveram um alcance mais amplo de suas análises. Daniel, no Antigo Testamento, profetizou não só para a Babilônia, o império do seu tempo, como para quatro impérios que ainda viriam a se estabelecer: Pérsia, Grécia, Roma e outro além destes. No Novo Testamento, o apóstolo João, no livro do Apocalipse, fez uma profecia para todo o planeta, se referindo a guerras e mazelas para além do seu tempo.

Acreditemos ou não no poder e na veracidade destes antigos profetas, o fato é que eles tinham um papel de críticos e entendedores do zeitgeist, do espírito de um tempo, de um povo ou de um possível futuro.

Hoje em dia os profetas ainda existem, mas já não com tanta roupagem religiosa ou mística. Existem jornalistas, escritores, políticos, pregadores, professores, pensadores, formadores de opinião que agem como profetas, que percebem os males e perigos da humanidade e fazem um alerta. 

E assim como antigamente, existem também os falsos profetas, que fazem o desserviço de desinformar e espalhar mentiras. Cabe a cada um ter a sensibilidade para discernir a verdadeira da falsa profecia.

(31,10,2018)

Autossabotar-me-ei

Jacob Wrestling with the Angel by Gustave Doré

O ato de se autossabotar é uma espécie de pessimismo, uma espécie de cinismo que sentimos em relação ao mundo e aplicamos a nós mesmos. Aquela sensação de que há algo de errado na existência, uma Lei de Murphy que empurra os eventos para uma tragédia, que faz com que o erro seja a regra. Então, para provar esta regra, aplicamo-la em nós mesmos, nos induzindo ao erro de forma muitas vezes inconsciente.

Bom, este é um tipo de autossabotagem, aquela motivada pelo pessimismo. É uma nóia existencial. Por outro lado, existe aquela que é fruto de um ódio por si mesmo, uma auto traição, uma vingança, uma punição. Você se culpa, se despreza, se considera digno de castigo. Este tipo de sentimento pode ter vindo de erros cometidos no passado ou foi simplesmente implantado por alguém, alguém que fez com que você se sentisse indigno, maligno, inferior. Você se demoniza e se condena ao inferno da autossabotagem.

No primeiro caso, uma possível maneira de superar esta condição é reformulando sua cosmovisão, revendo conceitos, se esvaziando e recriando uma nova forma de enxergar a realidade. Uma renovação existencial, um sair da caverna. É desvendar o enigma da Esfinge.

No segundo caso, é preciso entrar na caverna, mergulhar no passado, nas memórias, se conhecer, conhecer a formação da sua personalidade e identificar o que fez com que existisse esse ódio por si mesmo. É a luta conta o Minotauro, encontrar e dominar seu monstro interior.

(30,10,2018)

Do DCEU ao DCU e o renascimento do Superman

Superman (2025)

O DCEU foi um universo amorfo e experimental. Comparado ao MCU, ele se desenvolveu às pressas. O MCU apresentou seus principais personagens em 5 filmes solo (Iron Man 1 e 2, The Incredible Hulk, Thor e Captain America), para só então realizar o primeiro grande crossover em The Avengers (2012). Foram quatro anos de preparação para o crossover.

O DCEU também levou quatro anos para um crossover, mas a preparação foi desorganizada. Depois de Man of Steel (2013), já veio um crossover de Batman v Superman (2016), depois um filme da Wonder Woman (2017) e daí direto para Justice League (2017). Não teve filme solo do Batman, nem do Aquaman, do Flash ou do Cyborg. E nessa primeira fase ainda teve o Suicide Squad (2016), que parecia algo bem aleatório dentro da programação. Até tentaram costurar o universo, colocando o Batman do Ben Affleck em algumas cenas.

Na segunda fase enfim veio um filme solo do Aquaman (2018), o segundo da Wonder Woman (2020) e um do Shazam (2019). De fato, a inclusão do Shazam neste universo foi interessante e ele teria potencial para participar da Liga da Justiça, mas optaram por fazer um filme de comédia "marvelizado" e com um Shazam que claramente não combinava com o tom mais sombrio do snyderverso.

Ah, e nessa segunda fase também teve outra participação do universo Suicide Squad (2020), com o fraquíssimo spin-off Birds of Prey. A esta altura poderia haver um segundo filme da Liga da Justiça, mas em vez disto lançaram o Snyder cut em 2021, que era uma nova edição do filme de 2017, agora sem as interferências do Joss Whedon. Basicamente um revamp do primeiro filme, que resultou num longo longa de 4 horas.

Cronologia DCEU

O Snyder cut prometeu muito, mas acabou sendo mais uma despedida que uma promessa de recomeço. A história foi longe, com direito até a uma espécie de flashpoint, um reset do universo feito pelo Flash e que seria bem apropriado para colocar o DCEU nos eixos. O Snyder apresentou ali sua visão para o futuro da franquia, mas no fim das contas o Snyder cut foi apenas o início do fim, a despedida do diretor e de seu universo. Ali estava começando o processo que levaria ao surgimento do novo DCU. 

Na terceira fase, tivemos um segundo filme do Shazam (2023) e a inclusão do Black Adam (2022), com o The Rock todo empolgado falando que "a hierarquia de poder do DCEU está prestes a mudar". Palavras proféticas, mas ele só não sabia que era o James Gunn que assumiria esta hierarquia. Bom, a chegada do Black Adam foi até promissora. Poderia rolar um épico crossover entre ele, Shazam e Superman. Não rolou.

Aquaman teve seu segundo filme (2023) e finalmente tivemos um filme do Flash (2023), o que é bem irônico o fato do Flash ter chegado atrasado neste universo. Aí nessa festa chegou também um personagem bem aleatório, o Blue Beetle (2023). Pois é, em meio aos filmes do Shazam, Aquaman, Flash, Wonder Woman e Black Adam, temos o inesperado Besouro Azul, com sua pífia bilheteria de 130 milhões. Foi o último prego no caixão.

Mas eis que nesta última fase do DCEU, teve o remake The Suicide Squad (2021), dirigido pelo James Gunn. Ninguém sabia (na época nem mesmo o James Gunn sabia) que ali estava nascendo o novo DCU (sim, agora sem a letra E na sigla).

Após dar sua grande contribuição para o MCU, com três sucessos seguidos nos Guardiões da Galáxia, James Gunn migrou para a DC e já começou salvando o Esquadrão Suicida, fazendo um reboot de Suicide Squad (2016), renomeando para The Suicide Squad (2021) e trocando a equipe toda, mantendo apenas a Viola Davis como Amanda Waller e a Margot Robbie como Arlequina, afinal aquela Arlequina não era de se jogar fora. Ela foi um fenômeno pop e estabeleceu de vez a personagem. Óbvio que a Arlequina já era conhecida no mundo nerd, mas a sua popularidade pode ser dividida em antes e depois da versão da Margot Robbie.

The Suicide Squad rendeu um spin-off, a série Peacemaker (2022), que foi uma grande surpresa, uma série inesperada e que foi um sucesso, além de ter uma abertura dançante inesquecível. Até aí ainda se tratava de snyderverso, pois em Peacemaker vemos rapidamente as silhuetas dos heróis da Liga, numa breve menção feita apenas para criar o nexo com o snyderverso.

Cronologia DCU

Então finalmente em 2023 aconteceu a grande decisão da Warner de colocar James Gunn e Peter Safran como cabeças da DC (no audiovisual, não nos quadrinhos), e organizar um departamento mais autônomo para isto, a DC Studios, substituindo a DC Films. É basicamente uma mudança burocrática e um leve rebranding da marca, mas que acaba sendo muito importante, devido ao fato de agora este studio ter uma direção bem definida, orquestrada pelo James Gunn, um nerd de verdade e que já provou várias vezes que sabe fazer filmes de super-heróis.

Só que nessa nova direção o James Gunn teria que trocar o pneu furado do carro com o carro em movimento. Ainda havia filmes do DCEU em curso. Em 2023 teve um segundo filme do Shazam, o segundo do Aquaman, o atrasado Flash e o irrelevante Blue Beetle. O jeito era deixar acontecer naturalmente.

De toda forma, James Gunn anunciou seu roadmap, seu plano para a primeira fase do novo DCU, intitulada "Gods and Monsters". Em 2024 veio a primeira produção do novo universo: a animação Creature Commandos. Ela serve como um aperitivo, uma preparação de terreno, pois a grande inauguração do DCE mesmo será em 2025 com Superman.

Tecnicamente, o DCU já existe desde 2021. Acontece que Creature Commandos canonizou The Suicide Squad. Na animação vemos Amanda Waller e Rick Flag conversando sobre os eventos narrados no filme, confirmando que The Suicide Squad não é do snyderverso, mas do gunnverso. Foi ali que tudo começou. Da mesma forma, Peacemaker também está incluso, tanto que em 2025 já está prevista uma segunda temporada desta série e nela provavelmente haverá esforços para conectar a série ao DCU.

E quando à aparição da Liga na primeira temporada de Peacemaker? Bom, o James Gunn basicamente disse para ignorarmos este detalhe. Foi apenas um cameo e que sofreu um soft reboot nos planos do James Gunn. Vamos fingir que não aconteceu.

Embora The Suicide Squad seja do novo DCU, acho improvável que a equipe retorne, ou mesmo a Arlequina. O filme apenas deixou as bases para Peacemaker e Creature Commandos, e estes sim devem continuar por alguns anos. A Arlequina de 2016 já sofreu um reboot em 2021 e deve se aposentar para não criar mais confusão na cabeça do público.

Quanto ao Blue Beetle, há rumores de que vai fazer parte do DCU. Bom, está programada uma animação do Besouro Azul, então provavelmente o ator do filme será o dublador, mas acho improvável que ele retorne em algum live action.

Logo, estes são os precursores do novo DCU: The Suicide Squad, Peacemaker e Blue Beetle. Eles estão no limbo entre os dois universos, na fase de transição. Creature Commandos também participa desta transição, sendo um elo entre o novo DCU e o universo Suicide Squad.

Enfim, em 2025 é que teremos a grande inauguração. E olha, creio que será marcante. Esta semana saiu o primeiro teaser do filme e a recepção foi fenomenal. Nas redes sociais o Superman virou trend como há muito não acontecia. Aliás, desde que surgiram as redes sociais, creio que nunca o Superman foi tão comentado e discutido.

David Corenswet in Superman (2025)

Yamcha, Superman and Tibia body
Eu entendi a referência.

O trailer já começa chamando atenção ao mostrar um Superman caído na neve, já começa abatido na lona, como um Rocky 2, o que atiçou a curiosidade das pessoas. Quem pode ter feito isto com o herói mais forte da DC? Alguns odiaram a ideia, pois tem quem ache que o Superman é imbatível e nunca sangra. Bom, o Batman do Ben Affleck uma vez perguntou: "Do you bleed?". E eis agora a resposta. Ele bleeda sim. 

Outro detalhe que logo de cara chama atenção é a trilha sonora, claramente fazendo homenagem ao clássico de John Williams, agora composta por John Murphy. Murphy para mim faz parte da trindade dos compositores modernos de trilhas de cinema, junto com Clint Mansel e Hans Zimmer (este, o mais popular dos três). Ele certamente foi uma boa escolha.

David Corenswet, Rachel Brosnaham and James Gunn reading Superman

O James Gunn sabe escolher com quem trabalhar. Esta é uma das qualidades dele. Ele tem tato para seleção e até agora tem feito vários acertos. Acertou no David Corenswet e Rachel Brosnaham como Clark e Lois, acertou no Nicholas Hoult como Lex Luthor (o no trailer já vemos que o visual dele ficou muito convincente), acertou até no Skyler Gisondo como Jimmy Olsen.

Aliás, teremos até a participação de ninguém menos que Will Reeve, o filho de Christopher Reeve. Será apenas um cameo em que ele aparece como repórter, mas a sua presença no filme já representa uma bela homenagem ao legado do pai.

Superman and Krypto

Outra escolha valiosa foi não de uma pessoa, mas um animal e que na verdade será performado em CGI. O Krypto recentemente teve uma animação, DC League of Super-Pets (2022), e já teve algumas aparições em live action, como na série Smallville (2001-2011), em Titans (2018-2023) e no finalzinho de Superman & Lois (2021-2024), mas certamente nada se compara ao que veremos em 2025. 

O trailer já dá uma ideia, pois vemos um cachorro feito com ótimo CGI e que vem dando um poderoso rasante na neve, o que já mostra sua força incomum. Esse bicho vai dar o que falar, a criançada vai adorar ele (e os adultos também) e vai vender muitos bonecos. Talvez ele até se machuque, mas o James Gunn não é louco de matar o Krypto. Ele será o mascote definitivo do DCU.

O fato do Superman começar o trailer caído não é à toa. Além disso gerar muito falatório, tem um valor simbólico. Ele está em posição fetal, representando o renascimento do personagem, e também, lembrando novamente Rocky 2, ele começa caído para que possa se levantar, para mostrar sua resiliência. Ao longo do filme ele vai evoluir e ascender, mostrando porque é o símbolo de esperança e o personagem mais solar da DC. 

Depois do sombrio e alienígena Superman do Snyder, o Superman mais humano e solar está de volta.

(25,12,2024)

Palavras-chave:

Ben Affleck, Christopher Reeve, David Corenswet, DC Comics, James Gunn, John Murphy, Margot Robbie, Nicholas Hoult, Peter Safran, Rachel Brosnaham, Skyler Gisondo, snyderverso, The Rock, Viola Davis, Warner, Will Reeve, Zack Snyder

A vocação da loucura

Dizem que os loucos não sabem que o são. Faz parte da loucura não ter consciência de seu estado. O que dizer então daqueles que sabem que são loucos? Existe uma loucura voluntária, a loucura como vocação. É o perfeito casamento de duas almas gêmeas. Feitos um para o outro, o louco e sua loucura. A loucura é a música e o louco o instrumento. União inseparável, como a mente e o pensamento.

(24,12,2024)

Ascensão e queda do Joker

Joker (2019)

Joker (2019)

O Coringa é um dos mais antigos vilões dos quadrinhos e talvez até o mais importante e popular, afinal ele é o adversário eterno do Batman. Coringa e Batman são a perfeita dualidade: o caos versus a ordem, o crime versus a justiça, o deboche versus a seriedade. O Coringa é colorido, o Batman é preto e cinza.

Não à toa, ao longo das décadas, surgiram tantas versões e adaptações deste personagem icônico para diversas mídias como a TV, o cinema e até os jogos eletrônicos. Há Coringas de desenho animado, de séries, de filmes e cada qual tem sua própria personalidade, seu estilo.

Se compararmos cada versão, vemos que não existe um Coringa definitivo. O do Cesar Romero, na série galhofa dos anos 60, era um bandido palhaço que só queria infernizar a vida do Batman (e comer a tia dele, na sua versão alternativa da Feira da Fruta); o do Heath Ledger era um anarquista niilista; o do Jared Leto era um gangster que ostentava riqueza e foi o primeiro Coringa do cinema a ter um par romântico.

Joaquin Phoenix in Joker (2019)

Joaquin Phoenix in Joker (2019)

E quanto a esse mais recente Coringa interpretado pelo Joaquin Phoenix? Ele é, talvez, o menos parecido com o personagem, mas ao mesmo tempo tem sua origem inspirada em uma das versões mais respeitadas que é a de Alan Moore na Piada Mortal.

Tradicionalmente, o Coringa é um vilão de origem misteriosa. Não se sabe ao certo de onde ele vem ou mesmo quais suas reais intenções e motivações. Esse enigma faz parte da essência caótica do personagem. Alan Moore, porém, ousou criar uma história de origem: ele era um pacato homem comum, casado, comediante fracassado de stand-up, que é levado pelas circunstâncias a se tornar um criminoso e enlouquece após mergulhar acidentalmente em substâncias químicas, o que também explica o tom pálido de sua pele. 

Joker (2019)
Um diário bem perturbado.

Joaquin Phoenix in Joker (2019)

Joaquin Phoenix in Joker (2019)

Na versão do filme de Todd Phillips, Joker (2019), o protagonista, chamado Arthur Fleck, é também um comediante fracassado, mas a referência à versão de Alan Moore para por aí. O que vem em seguida é uma espécie de homenagem a personagens desajustados clássicos do cinema, como o Travis de Taxi Driver (1976) e o Rupert de O Rei da Comédia (1982).

O Joker de Joaquin Phoenix é uma colcha de retalhos, um resumo, o suprassumo da mistura de fracassados, criminosos, doentes mentais e desajustados sociais. Diferente da maioria das versões, este Coringa tem uma origem em pobreza e humilhações. É um desprezado da sociedade, um filho sem pai, abusado pela mãe, com problemas psicológicos, mal nutrido, depressivo e solitário. "All I have are negative thoughts", ele confessa para sua psiquiatra. "Tudo o que tenho são pensamentos negativos".

Joaquin Phoenix in Joker (2019)

Joaquin Phoenix in Joker (2019)

Arthur Fleck é um coitado, um cara sofrido e que causa pena. Até sua risada é angustiante, pois é na verdade um tique nervoso. Já no começo vemos sua fragilidade ao ser espancado por crianças, depois por uns mauricinhos, quando finalmente revida usando uma arma e aí começa a gênese do Coringa.

O curioso é que este novo Coringa exerce uma liderança invisível. Não é como aquele do Heath Ledger que tinha capangas e um plano bem elaborado para semear o caos em Gotham, inclusive manipulando figuras influentes como o Harvey Dent. Ele disse que não tinha um plano e era como um cachorro correndo atrás de um caminhão, mas isso era uma farsa. Aquele Coringa do filme do Christopher Nolan tinha sim um grande plano e realizou tudo com maestria.

Joaquin Phoenix in Joker (2019)
Nasce o Coringa, aclamado pela multidão.

O Arthur Fleck, por outro lado, era alguém sem qualquer poder ou influência e tudo o que aconteceu com ele e por causa dele foi acidental. Foi por acidente que ele matou os caras no metrô e, sem que ele tivesse qualquer controle, esse evento desencadeou uma revolta na cidade. Quando ele estava sendo levado para a prisão, os amotinados nas ruas o libertaram e naquele momento ele se consagrou como o Joker. 

Joaquin Phoenix in Joker (2019)

Joaquin Phoenix in Joker (2019)

Então, no fim das contas, existe um Coringa neste filme que não é o Arthur Fleck. É uma entidade, uma egrégora, um sentimento coletivo de revolta, insatisfação e caos. Esta egrégora se apoderou da multidão em Gotham e elegeu Arthur Fleck como seu rosto, mas poderia ter sido qualquer outra pessoa. 

O Coringa é uma força transcendente que sempre estará ali em Gotham, sempre assombrando a cidade e criando o Batman como seu antagonista. Ele é um espírito, uma divindade zombeteira, como um Loki ou Momo. Joker é uma ideia.

Joaquin Phoenix in Joker (2019)

O Coringa sempre esteve no imaginário popular como o palhaço aterrorizante, uma entidade brincalhona que quer apenas semear o caos. Por outro lado, o Coringa do Joaquin Phoenix parece mais humano, mais terreno. Ele é um tipo de pessoa que não é tão raro de se encontrar nas massas: pobre, doente física e mentalmente, sofrido, abandonado pelo mundo.

A revolta de Arthur Fleck é a revolta do cidadão comum que, ou tem uma vida parecida com a dele, ou tem pessoas próximas que vivem assim, depressivos, decadentes, desesperados com a vida. Como o William Foster em Um Dia de Fúria (1993), Arthur chega ao limite e tem um surto. Este surto acaba sendo libertador, abrindo as portas para uma personalidade sombria que vivia oculta nele e que tem mais força de vontade do que o apático Arthur.

No Brasil, o Joker de 2019 acabou popularizando o termo "coringar", referindo-se a uma pessoa que vivencia um rompimento com o conformismo em que vivia, metendo o louco, chutando o balde, caindo na risada com a tragicomédia humana, etc.

O sucesso do filme rendeu uma bilheteria de 1 bilhão e várias premiações, incluindo o Oscar de melhor ator para o Joaquin Phoenix. Com 11 indicações ao Oscar, Joker também superou The Dark Knight (2008), que havia recebido 8 indicações, tornando-se o filme baseado em história em quadrinhos que mais recebeu indicações ao Oscar. Foi um fenômeno cultural e cinematográfico.

Mas aí o Todd Phillips cometeu um erro que persegue criadores: ele não aceitou a vida própria que sua criação desenvolveu. Incomodado que militantes políticos de direita adotaram o Joker como um símbolo e também incomodado com a admiração que o público teve pelo personagem, pois seu objetivo não era construir um ídolo, o diretor iconoclasticamente resolveu desconstruir o personagem. Mais ainda, ele o destruiu. Ele descoringou o Coringa.

Joker Folie à Deux (2024)

Joker Folie à Deux (2024)

Assim veio Joker: Folie à Deux (2024), uma sequência que trouxe também uma versão da Arlequina, interpretada pela Lady Gaga. Para subverter o gênero, adotou um estilo musical e o filme acabou sendo bem diferente do que os fãs esperavam. Foi um balde de água fria.

Arthur é destruído de todas as formas. Encarcerado, constantemente humilhado na prisão, mentalmente dominado por medicação, emasculado, literalmente abusado pelos guardas. Ele experimenta um momento de alegria ao conhecer a Arlequina, a única pessoa que demonstrou afeto por ele em toda sua vida (com exceção do "afeto" disfuncional e pervertido de sua mãe), mas quando ele resolve abandonar a persona do Joker, a Arlequina perde totalmente o interesse por ele.

Joaquin Phoenix in Joker Folie à Deux (2024)

Joaquin Phoenix in Joker Folie à Deux (2024)
Pelo menos a fotografia do filme é legal.

Pois é, a Arlequina é basicamente uma mulher guiada pela hibristofilia, aquele interesse patológico por bandidos, por desajustados, assassinos, etc. Arthur, depois de estar tão quebrado, acabou resgatando sua humanidade, desenvolveu arrependimento pelos crimes e o desejo de superar a persona do Joker e isto graças à descoberta do amor, mas ironicamente, aquela que o fez descobrir o amor o abandonou quando ele começou a se tornar mais humano. A Arlequina é o grande monstro neste filme.

E para garantir que este Joker não teria mais uma sequência, para tirar de vez o personagem das mãos do público, o Todd Phillips fez questão de matar o personagem no final. O público também não deixou barato. Joker 2 teve uma bilheteria de 206 milhões, um grande prejuízo, levando em conta que os gastos com produção, marketing e distribuição devem girar em torno de 400 milhões.

Joker and Compadre Washington

(22,03,2020; 19,12,2024)

Palavras-chave:

Alan Moore, Christopher Nolan, Compadre Washington, DC Comics, Heath Ledger, Joaquin Phoenix, Lady Gaga, Todd Phillips, Warner

A comédia e o insulto

Nelson haha

É perfeitamente possível fazer humor sem insultar, fazer piadinhas inocentes e trocadilhos inofensivos. Todavia, desde o início do tempo o humor esteve relacionado ao insulto, a rir da desgraça e provocar os outros. Quando os homens das cavernas viam alguém tropeçar na fogueira e caiam na risada, ali estava a essência da comédia.

A comédia é o oposto da tragédia e ambas se completam. Se na tragédia as pessoas lidavam de maneira triste e dramática com as dores da vida, na comédia elas riem de seus próprios infortúnios. Um gênero específico da comédia que explicita seu aspecto crítico é a sátira. A sátira não tem medo de insultar, pois o insulto é justamente a sua ferramenta de construção da piada. Além disso, existe um objetivo maior além da mera provocação do riso. O insulto é uma crítica e a sátira não raro foi usada para atacar a má política e a má conduta da sociedade.

Existem limites entre o insulto jocoso e a ofensa criminosa, mas estes limites estarão sempre em discussão porque é impossível traçar a linha precisa e somente na prática estes limites vão sendo demonstrados. E a comédia sempre tocará estes limites porque é da sua natureza ser arriscada. "Uma piada é uma coisa muito séria", disse Churchill.

De certa forma, a liberdade da comédia em determinada sociedade serve como termômetro para a liberdade de expressão. Governos tiranos são os primeiros a reprimir o humor, afinal o humor é uma ferramenta muito útil de crítica ao governo.

(30,10,2018)

Inumanos, Novos Titans e a cospobrização das séries

É normal que os figurinos em séries de super heróis sejam menos caprichados do que em filmes, devido às limitações do orçamento, mas mesmo assim existem boas caracterizações, como no universo da DC no canal CW que em geral faz uma bela representação dos personagens. Aliás, da maquiagem ao CGI, o visual das séries da CW não ficou apenas bom, ficou muito bom.

arrowverso

Mas às vezes acontece algum erro de cálculo e o resultado fica digno de ser chamado de "cospobre", uma versão tosca do cosplay. Foi o caso de Inumanos, que falhou não só nas roupas como também no CGI (especialmente no famigerado cabelo da Medusa).

Inhumans (2017)

E agora também é o caso dos Novos Titans. Até deram uma investida na armadura do Robin, mas aí parece que acabou a verba e o resto da equipe ficou... bom, ninguém diria que são os Titans se visse essa foto sem saber que se trata da série.

Titans (2018-2023)

No caso da Estelar, foi uma boa ideia escolher uma atriz negra, já que nos quadrinhos ela tem uma pele bronze-alaranjada e seria meio estranho uma atriz toda pintada de laranja, mas o cabelo, por que com esse rosa vibrante? E por que tão curto? Os cabelos longos e volumosos da Estelar são uma marca da personagem e não acho que seria difícil achar uma boa peruca ou fazer uns apliques pra replicar isso em live action.

Starfire

Aliás, existem pessoas que têm esse cabelão de verdade. Dia desses passeando no Pinterest me deparei com essa garota e eis aí a verdadeira Estelar.

Long hair

(29,10,2018)

As vantagens de viver na Matrix

Matrix pills

A ideia de um mundo virtual onde as pessoas viveriam com suas mentes imersas foi definitivamente consagrada no filme Matrix, tanto que "matrix" virou sinônimo de mundo virtual. O filme transmitiu uma aura distópica e pessimista deste "mundo da imaginação", mas confesso que vejo algumas vantagens.

Para mim, pelo menos, a maior vantagem seria o ganho de tempo. Digamos que na Matrix, devido à sua integração profunda com o cérebro, o tempo aconteça em outra velocidade, algo semelhante ao filme Inception em que um dia vivido lá dentro só leve algumas horas ou minutos no mundo real, imagine as possibilidades de aproveitamento do tempo que teríamos.

Eu penso logo em livros. Ah, tem tantos livros que quero ler... Tenho uma lista imensa de títulos que vou levar a vida toda pra ler. E se eu pudesse entrar nesse mundo mental-cibernético e viver toda uma vida de 40, 50 anos em apenas algumas horas de imersão? O corpo ficaria deitado, semiadormecido por algum tempo, enquanto a mente estaria vivendo a pleno vapor. Quando acordasse, eu estaria com centenas de livros na memória.

O trabalho humano também seria turbinado. Eu poderia dormir por uma hora e acordar com um livro de 800 páginas que escrevi lá na Matrix. Pesquisas complexas poderiam ser feitas em laboratórios virtuais, reduzindo o tempo para o desenvolvimento de tecnologias, curas de doenças, etc. Seria um salto evolutivo na ciência, nas artes, na cultura em geral.

Também imagino possibilidades mais bizarras. Por exemplo, em nossa vida natural, temos pouco tempo para acumular certas experiências. Em algumas décadas fazemos alguns amigos, podemos constituir uma família, casar uma vez ou duas, ou três, ter alguns empregos, fazer algumas viagens.

Na Matrix, teríamos dezenas de vidas assim, quem sabe centenas. Viajaríamos o mundo, ou melhor, uma réplica virtual do mundo, inúmeras vezes, conheceríamos muitas pessoas, na certa até brincaríamos de constituir famílias numa versão aprimorada do The Sims. Pode parecer estranho, mas se a Matrix nos transmitir um senso de realismo muito forte, estas coisas vão acontecer com muita naturalidade. 

Por outro lado, acho improvável que um mundo virtual consiga se assemelhar à experiência sensorial do mundo real. São muitos detalhes, detalhes microscópicos que tornam a vida no corpo físico algo inigualável. É agradável ouvir um som de chuva gravado e assistir a uma animação de chuva na floresta, mas dificilmente a recriação virtual de uma chuva chegaria aos pés da realidade, daquilo que eu posso sentir ao presenciar uma chuva real debaixo de uma árvore real, vendo as gotas atravessando as folhas, produzindo mil barulhinhos e acertando as formigas na terra e levantando um cheiro peculiar do mato e criando uma temperatura e uma densidade e umidade do ar que envolvem nossa pele. A Matrix precisaria de muito poder de processamento pra reproduzir algo assim.

Então acho que o ideal seria juntar o melhor dos dois mundos. Seria interessante e produtivo viver numa Matrix, mas não em uma imersão perpétua, com os corpos ou o cérebro em animação suspensa numa cápsula. Seria legal poder entrar na Matrix, passar umas horinhas lá e depois sair e deitar numa grama de verdade e olhar as nuvens de um céu de verdade.

(29,10,2018)

Palavras-chave:

Matrix

Superman & Lois e um final digno para o arrowverso

Superman & Lois (2021-2024)

O MCU é o maior universo interligado de filmes na história do cinema, um feito grandioso e que a DC até agora não conseguiu igualar. Por outro lado, no mundo das séries, o arrowverso da DC é o maior universo interligado em toda a história das séries televisivas.

Naturalmente, por se tratar de séries que envolvem uma grande quantidade de episódios lançados semanalmente, o arrowverso tem seus defeitos, tem um roteiro muitas vezes simples, novelesco, e efeitos especiais limitados, mas convenhamos que isto tudo é aceitável e compreensível.

A série do Arrow (2012-2020) teve 170 episódios; a do Flash (2014-2023) teve 184 episódios. Não se pode esperar que séries tão volumosas assim, com centenas de horas de conteúdo, tenham a mesma super produção de um Game of Thrones (2011-2019) que produzia 10 episódios por ano.

O fato é que o arrowverso conseguiu o louvável feito de construir um universo enorme e interligado, com dezenas de super heróis trazidos dos quadrinhos, conectando suas histórias, realizando grandes crossovers entre as séries e até trazendo para as telas uma versão da maior saga da história da DC, a Crise nas Infinitas Terras.

Mas algum dia este universo teria que acabar. Após uma década, o arrowverso se despediu das telas. Uma a uma as séries foram encerrando, até que restou apenas uma, Superman & Lois (2021-2024). 

Esta série chegou bem tardia e foi produzida nos complicados anos da pandemia. O próprio Arrow, a primeira de todas as séries, já havia encerrado em 2020; Supergirl terminaria em 2021, Legends of Tomorrow em 2022 e The Flash em 2023. Logo, Superman & Lois seguiu como uma série isolada, mas ainda assim parte do arrowverso, o último filho do arrowverso e o último a sair pela porta e apagar a luz do studio.

Superman and Supergirl

A primeira aparição deste Superman, interpretado pelo Tyler Hoechlin, foi na série da Supergirl, depois ele retornou no crossover da Crise nas Infinitas Terras, interagindo com os heróis das outras séries, mas depois da Crise os showrunners decidiram aproveitar a reformulação do multiverso para levar este Superman para um universo próprio, separado da Terra Prime, que era o mundo do arrowverso.

Este Superman chegou humilde, como quem não quer nada. De fato, em termos de aparência, o Tyler Hoechlin não tem exatamente a physique du rôle imponente e musculosa como um Henry Cavill, mas ele acabou convencendo em outro aspecto: a alma do Superman.

Tyler Hoechlin in Superman & Lois (2021-2024)

Doomsday in Superman & Lois (2021-2024)

Ao longo dos quatro episódios ele enfrentou o Bizarro, a Intergangue, Lex Luthor e até o Doomsday, morrendo tragicamente em suas mãos, como era de se esperar. Aliás, eu diria que de todas as versões da morte do Superman, esta foi a mais dramática, com Doomsday literalmente arrancando o coração do Super e os filhos deste tentando recuperar o coração na esperança de ressuscitar o kryptoniano.

Também esta é a melhor versão live action do Doomsday. Tivemos uma versão na série Krypton (2018-2019) e aquele tosco e mal acabado ogro de Batman v Superman (2016), mas visualmente, o Doomsday de Superman & Lois, feito certamente com um baixo orçamento de CGI, conseguiu ser muito mais fiel aos quadrinhos e humilhar o monstro do caríssimo filme do Zack Snyder.

Sim, na série o Superman já está casado com Lois e tem dois filhos que posteriormente despertam também seus poderes, formando uma verdadeira superfamília. Inclusive este foi o grande mérito da série: desenvolveu bastante o Superman em sua esfera familiar, o Superman marido e pai. Nenhum filme ou série do Superman conseguiu fazer isto com tanta profundidade quanto Superman & Lois.

Pontos extras também para o compositor Dan Romer, cuja trilha sonora é belíssima e com uma qualidade cinematográfica acima do esperado para uma série televisiva.

Então a série chegou ao fim e terminou com dignidade, atando todas as pontas, realizando um réquiem para a série, para esta versão do Superman e mesmo para todo o arrowverso. Como o Super foi ressuscitado recebendo o transplante do coração humano de seu sogro, ele estava com os dias contados e morreria como um humano.

Elizabeth Tulloch and Tyler Hoechlin in Superman & Lois (2021-2024)

Assim acompanhamos Clark envelhecendo junto de Lois. Ela é levada pelo câncer, mas tem uma morte pacífica e estoica. Clark segue seus dias até que o velho coração enfim se entrega e ele morre, numa cena contemplativa em que vemos Clark atravessar o limiar do mundo dos vivos, revendo família e amigos. Com um plácido sorriso no rosto, ele descansa.

E assim termina a jornada deste que foi uma das versões mais marcantes do Superman, ainda que pouco conhecida do grande público. Com ele também termina o arrowverso e agora a tocha irá passar para as mãos do próximo Superman, interpretado pelo David Corenswet. O arrowverso se encerra para dar lugar ao DCU do James Gunn.

Superman & Lois (2021-2024)

(16,12,2024)

Palavras-chave:

arrowverso, Dan Romer, David Corenswet, DC Comics, Elizabeth Tulloch, Greg Berlanti, James Gunn, Todd Helbing, Tyler Hoechlin, Warner