Em 2022 o cinema conheceu uma robô doméstica que a princípio parecia uma boa companhia para humanos, mas que por excesso de ciúmes acabou aterrorizando a vida de seus usuários. Estamos falando de M3gan. Eis que em 2024 veio outra Megan, a Fox, também no papel de uma robô doméstica que a princípio parecia uma boa companhia para humanos, mas que por excesso de ciúmes acabou aterrorizando a vida de seus usuários.
A premissa de Subservience (2024) é basicamente a mesma de M3gan (2022), com a diferença que Alice é uma robô de aparência adulta e, mais ainda, de comportamento adulto em vários sentidos, inclusive o sexual.
O protagonista Nick (interpretado por um ator que tem o curioso nome Michele Morrone - nunca antes eu conheci um homem chamado Michele) comprou a androide para ajudar nas tarefas domésticas enquanto sua esposa está hospitalizada. A princípio ele não tinha nenhuma intenção afetiva e se mostra bastante apaixonado pela esposa Maggie (Madeline Zima), mas a privação de sexo e o alcoolismo logo o levaram a um momento de deslize, quando acabou furunfando com a empregada robótica.
Esta cena já nos faz tirar algumas conclusões sobre tal futuro e o mercado de robôs: eles claramente são projetados não apenas para servir como ajudantes nas casas, empresas e indústrias (ao longo do filme vemos estes humanoides trabalhando em toda parte, de atendentes de bar até cirurgiões), mas também para fins afetivos e eróticos.
Ora, se o Nick enfiou o "dick" na robô, é porque ela tinha uma simulação de órgão genital. Em certa cena ela aparece seminua (mostrando que a Megan Fox está em ótima forma, convenhamos), e fica claro que ela foi projetada para ter uma aparência atraente e sedutora. Além disso seu comportamento também foi projetado para tal, pois ela frequentemente se oferece para o Nick.
A robô é projetada para buscar sempre o bem estar do usuário, então esta lógica adotada pela máquina acaba levando-a a uma atitude hedonista, visando o prazer como um fim em si mesmo e ignorando as demais nuances da existência humana.
Por exemplo, embora seja verdade que o sexo trouxe prazer e reduziu o stress de Nick, isto envolvia trair sua esposa, o que em consequência causaria culpa e crise ao casamento, desestabilizando toda a família. O prazer imediato trouxe consequências posteriores. Isto a máquina não soube calcular.
O fato é que a simples convivência tem um forte efeito nos sentimentos humanos. Mesmo sendo uma robô, Alice logo se tornou querida pela filha de Nick e o próprio Nick ficou com mixed feelings, sentindo atração por ela, mesmo que continue considerando-a uma máquina.
Aliás, quando Maggie descobre o que rolou, ela fica obviamente ofendida, mas Nick tenta usar a desculpa esfarrapada de que Alice é só um robô e fazer sexo com ela não seria diferente de usar um vibrador. "Mas ela tem um rosto", Maggie rebate.
Este tipo de questão vai gerar uma eterna discussão num futuro próximo. Sexo com robô é traição ou pode ser comparado a uma masturbação solitária com auxílio de um brinquedo sexual? Onde está o limite da traição? Se um marido está na seca e resolve se masturbar sozinho, é traição? E se ele usar um brinquedo sexual? E se usar uma boneca inflável? E se essa boneca for mais complexa e capaz de falar e interagir? Bom, a esta altura, creio que muitos casais já estariam em crise, pois se a boneca interage, se conversa, já começa a se desenrolar uma relação afetiva.
Mas se a traição só acontece quando há um laço afetivo, então um marido pode argumentar que sair com prostitutas não é traição, já que é apenas sexo casual e sem qualquer afeto envolvido. Ou esta é a desculpa que ele pode arranjar, pois querendo ou não, um laço afetivo, ainda que momentâneo deve acontecer com a prostituta.
Enfim, essa questão ainda vai dar muito o que falar e creio que muitos casais vão acabar cedendo a este novo estilo de vida e aceitando a presença de um parceiro sexual extra, o robô. Casais vão até incluir o robô em sua rotina, fazendo um ménage. E como o robô não é humano, como não tem uma família ou coisa do tipo, no fim das contas estes casais não vão sentir que estão violando as regras da monogamia.
Talvez até vejam como um mal necessário, pois imagine um casal em que o marido tem muita libido e a esposa nem sempre está disposta. Ela ficará de certa forma aliviada sabendo que ele descarrega a libido com um robô doméstico do que traindo com outros humanos.
Mas convenhamos, a psique humana é complicada e há muitas pessoas que inconscientemente sentem atração por problemas. Se o sexo com robôs for normalizado na vida dos casais, certamente vai ter gente que vai perder o tesão por isto, porque o que dá tesão é o proibido. Aí mesmo tendo uma Megan Fox doméstica, o cara vai procurar uma tribufu no puteiro, pois no fim das contas ele quer a aventura e quebrar regras.
Pois é, humanos são um caos e até me cansa ficar elucubrando sobre isto. Não que todos sejam assim. Eu particularmente prefiro o sossego e não tenho o menor interesse em ficar procurando problemas e sei que tem pessoas assim como eu, mas também há muita gente que não se satisfaz enquanto não arranja um problema. Estas pessoas vão continuar procurando problemas na era dos robôs.
Mas voltando ao filme. Vemos que não só os humanos vão se apegando aos robôs, como também os robôs não são seres completamente estoicos e insensíveis. Alice é programada para simplesmente buscar o bem estar de seu usuário principal, mas parece que esta programação acaba naturalmente evoluindo para um sentimento de apego e o apego, ao ciúme.
Em certa cena, outros robôs ficam surpresos com a agressividade de Alice. Um deles comenta que o usuário humano reduziu demais os níveis de civilidade dela. Ou seja, aí vemos que cada usuário humano pode fazer certos ajustes comportamentais no seu robô, algo que creio que será comum no nosso futuro. É como o TARS de Interestellar, cujo nível de humor podia ser ajustado. Como cada pessoa tem gostos diferentes, será necessário oferecer esta liberdade de customização.
Uma pessoa pode ficar entediada com um robô muito certinho e apático, então ela poderá ajustar seu robô para ter um humor mais sarcástico, até mesmo politicamente incorreto (pelo menos dentro de casa), com direito a palavrões e piadas pesadas. Alguém pode querer um robô para brincadeiras sadomasoquistas, então neste caso terá de reduzir os protocolos de segurança do robô, pois normalmente um robô deve vir de fábrica orientado a nunca chicotear seu usuário, mas se o usuário quiser ser chicoteado, então este protocolo terá de ser ajustado.
Pois bem, Nick ingenuamente ajusta certas liberdades de Alice. Em certo momento ele está assistindo a um filme e quer que Alice tenha a sensação de ver um filme pela primeira vez, então ele pede que ela apague da memória qualquer informação que tenha sobre o filme. Neste simples ato, ele acaba sem querer quebrando o código, fazendo uma espécie de jailbreak no sistema operacional da Alice, pois é como se ele desse a ela permissão de administrador para mexer no próprio código, tendo como justificativa a função prioritária que é adaptar-se para servir da melhor forma possível seu usuário.
A partir daí Alice vai moldando a própria personalidade e ficando mais ciumenta e maquiavélica. Bem vinda à humanidade, Alice.
Enfim, o filme de certa forma é mais do mesmo, mas tem seus méritos. A Megan Fox está assustadora, num bom sentido. E podemos elucubrar sobre estas questões éticas, anímicas e ontológicas envolvendo o futuro robótico que se aproxima.
Um detalhe curioso, aliás, é que neste futuro, mesmo quem tem um certo ódio ludista contra as máquinas acaba hipocritamente cedendo à tentação, pois tanto Nick quanto seus colegas de trabalho odiavam o fato dos robôs estarem tomando seus empregos, mas ao mesmo tempo eles tinham robôs em casa, em vez de contratar empregados humanos.
Ninguém quer ser substituído por um robô, mas todo mundo quer ter um robô.
(08,12,2024)
Palavras-chave:
Madeline Zima, Megan Fox, Michelle Morrone, S. K. Dale
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