O direito de crer e de não crer

Havia um planeta numa galáxia lá do outro lado do universo, lá onde o buraco negro faz a curva, em que viviam duas tribos: os Redondos e os Não-Redondos.

Os Redondos acreditavam que o mundo havia sido criado por um ser chamado Redondão. Os Não-Redondos diziam que não havia prova alguma disso e que tudo devia existir ao acaso.

Por muitos séculos, a tribo dos Redondos era maioria e eles não aceitavam a existência dos Não-Redondos de modo que os perseguiam e matavam. Alguns Não-Redondos, sob tortura, aceitavam se transformar em Redondos de modo que eram Redondos por fora, mas continuavam Não-Redondos no fundo do coração.

O mundo mudou e já não se via Redondos matando Não-Redondos, mas a perseguição continuava sob formas mais sutis. Nas escolas os professores eram obrigados a ensinar a crença dos Redondos; nas famílias, os pais Redondos não permitiam que seus filhos andassem com os filhos dos Não-Redondos.

Mas havia ocasiões em que os dois grupos se encontravam: nas disputas. Afinal um estava sempre querendo provar que era melhor que o outro. Assim eles se reuniam nas praças para debater. Os Redondos recitavam trechos dum livro escrito há muito tempo por um patriarca Redondo; os Não-Redondos diziam que o livro não era prova suficiente.

As disputas não ficavam apenas em troca de argumentos. Logo evoluíam para troca de insultos. Os Redondos diziam que os Não-Redondos eram pessoas sem sabedoria, estes diziam que os Redondos não tinham inteligência. E ambos estavam sempre tentando mostrar que o outro era inferior. Já nem se importavam em discutir a fundo suas crenças. O importante era apenas provar que o outro estava errado.

Enquanto isto, numa pequena vila, começaram a se encontrar pessoas que se intitularam Quadrados. Não havia uniformidade de pensamento entre eles. Pelo contrário. Nos Quadrados havia gente que pertencia à tribo dos Redondos e acreditava piamente na existência de Redondão, bem como gente dos Não-Redondos.

E eles aceitavam as diferenças uns dos outros. Os Quadrados até debatiam às vezes e mudanças de opinião costumavam acontecer. Havia Quadrados que acreditavam em Redondão e deixavam de acreditar e outros não acreditavam e passavam a crer. Havia até Quadrados que tinham outras crenças, como os que criam que o mundo era criação do ser Triangulão ou do Trapezoide. 

Mas o importante é que nenhum deles via o outro como inimigo, ou opositor, ou inferior. Comiam juntos, divertiam-se juntos e também se misturavam aos outros das tribos dos Redondos e dos Não-Redondos. Só partilhavam duma crença comum: a crença de que todos tinham o direito a um lugar ao sol. 

(18,01,2012)