Quando o pescador vai para o mar, o que ele mais teme é uma tempestade. E eis aqui um pescador que acaba de sobreviver a uma.
Ele descobriu sua vocação ainda jovem, e lançou-se na aventura marítima com a euforia de um adolescente. Nesta época o Sol sorria forte no céu, convidando todos a irem ao mar sem medo.
E de fato seus primeiros meses de pesca foram ótimos. Não lhe faltaram peixes nem colegas para ajudá-lo no trabalho. O fato de ser ainda imaturo era compensado com a companhia de pescadores mais experientes.
Foi então nesta tenra idade que ele descobriu uma das maravilhas do mar: a sereia. Existem muitas delas, soltando seu canto que encanta os homens. O pescador em sua jornada viu vários homens lutando por uma única sereia, viu aquele que conseguiu conquistar uma sereia, viu várias sereias tentando cativar um único homem.
Com ele não foi diferente. Sereias passavam perto dele, soltavam seu canto e depois sumiam. Até que um dia passou uma sereia de olhos castanhos que o cativou com seu canto. Ele lançou a rede e a conquistou e ambos passaram anos se encontrando numa ilhota. Ela cantava para ele, ele contava suas aventuras de pescador.
O que poderia ser melhor para um pescador do que um dia ensolarado e uma companheira do mar?
Pois eis que o céu começou a fechar-se. Ficou nublado, turvo, como se anunciasse uma tempestade. Pescador e sereia olharam para o céu, olharam um para o outro; os olhos castanhos dela estavam vazios. Ele, assustado, olhava para o céu novamente e, quando desceu o olhar, a sereia havia sumido nas ondas.
Ele conformou-se. Tanto que certo dia ela apareceu furtivamente à sua frente, mas ele desviou o olhar e prosseguiu.
Não sentiu culpa, pois quando o céu começava a escurecer a sereia por diversas vezes pediu para ir, dizendo que seria melhor assim. E ele chorava, pedia mais um tempo. E assim foi por meses. Quando finalmente se despediram, ele sentiu que fez tudo o que podia e agora não queria mais insistir.
Prosseguiu sozinho, sem a sereia, sem os colegas de trabalho que avistava apenas de longe, e sem o Sol. Uma chuva fria caia de vez em quando até que a tempestade veio.
Enfrentar uma tempestade na companhia de outros é difícil, mas fazê-lo sozinho é desesperador. O pescador chorava, mas não dava pra perceber em seu rosto quais gotas eram lágrimas e quais eram da chuva.
Nesse momento tudo o que ele temia era naufragar, mas permanecia milagrosamente dentro do barco, apesar de ser levado violentamente pelas ondas e pelo vento.
Algumas sereias passaram por perto e ele tinha dificuldade de aproximar-se, pois mal podia ficar firme no barco. Uma, porém, chegou bem perto. Ele conseguiu ver até a cor de seus olhos: pretos. Profundos como o mar.
O encanto que sentiu quando jovem, quando foi cativado pela sereia de olhos castanhos, este encanto renasceu com a sereia de olhos negros. Mas a tempestade ficava mais forte, os distanciava. O pescador não sabia o que fazer para não perdê-la. Então a perdeu, e sua concentração agora voltou-se inteiramente para o barco e a tempestade.
Sozinho novamente, agora enfrentava o momento mais difícil da vida. As gotas lhe doíam na pele, as ondas tentavam fazer o barco virar. E ele nunca se sentiu tão só.
Então finalmente o pescador vê que no horizonte o céu está limpo e em breve a tempestade cessará. Cheio de esperança, recomeça lentamente a remar.
Foi nessa época que avistou outra sereia, olhos de avelã. Ouviu seu canto e criou vigor. Achou que a vida lhe sorria novamente, pois o Sol já dava sinais de querer surgir no céu e no mar um canto doce lhe atraía.
Mal ele se aproximou da sereia, porém, logo ela mergulhou, fugindo dele. Isso o feriu, mas, para quem viera de uma tormenta, não era algo tão ruim.
Ah, o Sol. Eis aí ele de novo. Não veio com a intensidade do Sol vespertino, de quando o pescador, ainda jovem, lançou-se ao mar. Agora vinha aos poucos, como o Sol da manhã nascendo no horizonte.
O pescador já não era tão jovem. Sua adolescência se foi. Estava mais prudente, menos eufórico, mais sábio, menos inconsequente. Sinais de envelhecimento começaram a surgir em seu corpo e principalmente em sua alma, agora mais madura, o que se notava no olhar firme e resoluto que se incrustou em seu rosto. As cicatrizes que adquiriu durante a tempestade ainda saravam.
É nessa nova fase de sua vida que surge outra sereia. Agora de olhos verdes. Em toda sua jornada ele só havia conquistado uma sereia, a de olhos castanhos, ainda era adolescente e o Sol reinava no céu.
Durante a tempestade duas sereias lhe surgiram à frente. A de olhos negros sumiu porque ele não conseguiu aproximar-se; a de olhos de avelã sumiu logo que ele se aproximou. E agora que o Sol voltava e o pescador surgia de dentro da tempestade transformado, adulto, uma linda sereia lhe surge na frente.
Ele por um tempo a ignorou, mas quando ouviu melhor seu canto e quando seus olhos se encontraram, pronto, ficou encantado.
Percebeu, porém, que esta era diferente. Tinha um jeito rebelde, não se deixava conquistar facilmente. O que deveria ter desestimulado o pescador, fê-lo mais interessado, atiçou seu espírito aventureiro. Queria conquistar aquela sereia.
E ficaram desafiando um ao outro. O pescador se aproximava, a sereia se afastava; o pescador dava sinais de desistir, a sereia o buscava.
Quando pareciam já cativados um pelo outro, a sereia se afastou. Viu outro pescador e foi até ele a fim de encantá-lo.
Esta atitude encheu o pescador de desapontamento. Já lhe bastavam as decepções anteriores, quando a tempestade veio.
Mas quem disse que ele desistiu? Agora que o Sol nascia, nada lhe impedia de lutar por aquela criatura encantadora de olhos verdes.
Mal sabia este pescador, porém, como é longa a jornada no mar e como tantas sereias nele habitam. Encantar-se-ia ainda tantas vezes; tantos olhos de tantas cores ele veria: castanhos, verdes, avelãs, pretos e azuis...
(09,02,2005; 06,01,2025)
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