Eu estava no quarto lendo um livro, deitado no chão. O computador ligado labutando em algum download. Então faltou energia.
Saí para o jardim e fui agraciado com uma teofania. Todo o bairro estava escuro. Morcegos piavam aos montes no ar. A uns dez quarteirões, uma banda tocava Janaína, do Biquini Cavadão. Fiquei sabendo no dia seguinte que o apagão atingiu muitos estados do Nordeste.
Deitei-me no cimento. O céu estava imenso. Sim, as luzes da cidade diminuem o tamanho do céu. E as estrelas, outrora intimidadas, resolveram todas comparecer. Você tem noção de quantas estrelas podem ser vistas numa noite totalmente escura?
O céu estava pontilhado delas. Uma multidão imensa. Estrelas azuis, vermelhas, grandes, pequenas, solitárias, aglomeradas, duplas, trios. No horizonte, alguns relâmpagos mudos, silenciosos, pareciam aplaudir por trás das nuvens.
Os vagalumes se empolgaram. Apareceu um, depois três, cinco. Pareciam querer dialogar uns com os outros, com os relâmpagos, as estrelas.
Levantei-me e fui ao quarto. Sim, me movimento com facilidade no escuro. Peguei papel e caneta, o livro que estava no chão, e voltei ao jardim.
Pus-me então a escrever isto daqui. Isto mesmo, no escuro. Poderia ter apalpado e encontrado o celular, mas não queria profanar esse momento com uma luz artificial. Claro que depois tive que decifrar os garranchos na hora de digitar, mas não foi difícil.
Você sabe o que é a Via láctea? Sabe mesmo? Você já a viu numa noite densa e escura? Se não, precisa ver. Provoque um blecaute em seu bairro, fuja para um deserto, mas de alguma forma e alguma vez na vida procure conhecer a Via láctea em sua plenitude.
Ali estava ela, cortando o negrume da noite. Ela se assemelhava mesmo a um rastro de leite derramado no céu. E os antigos sempre a viam. Antes de Thomas Edson, todos viam a Via láctea. Ali estava a mesma mancha que Olavo Bilac espiava de sua janela. Então vieram os postes e as luzes fluorescentes, e o céu ficou opaco.
Deitar-se no chão e olhar este abismo no alto é uma experiência estranha. A sensação é a de que o céu me puxa, pedindo que eu mergulhe. Sinto-me como se estivesse preso à terra, como um exilado, como se meu lugar não fosse aqui, mas lá.
Sinto como se fosse capaz de a qualquer momento flutuar e voltar para minha casa verdadeira, unir-me às estrelas. Não é à toa que os antigos diziam que os mortos viravam estrelas, pois elas nos chamam, nos atraem.
E neste momento singular as palavras já não têm mais utilidade. Quem dera a banda lá na praça também parasse de tocar. Quem dera um blecaute de som, um silêncio total. Aí sim o silêncio e a escuridão seriam o palco perfeito para o eloquente discurso das estrelas.
(04,02,2011)
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