Quando vejo algo apelidado de "feliz" tenho a impressão de que é uma coisa medíocre ou boba. O "palhaço feliz", o "Mc lanche feliz". "Feliz" parece uma palavra infantil, como "pimpão". Combina com ursinhos de pelúcia, o ursinho Pimpão, o ursinho Feliz.
"A felicidade é uma ideia velha", disse Abujamra. É velha como o bicho papão, como a fada do dente. Felicidade é uma história que se conta pra você dormir. Pois é isto o que as pessoas esperam dela, esperam adormecer na felicidade, descansar em seu colo.
Mas nenhuma pessoa honesta jamais dirá que alcançou isto que procura. Quem diz que é feliz, se pressionado a ser um pouco mais sincero, logo irá confessar algum porém: "Sou feliz, mas...". A felicidade é um perpétuo estado de "ainda não". As pessoas buscam, alcançam a barra da túnica da felicidade, mas ainda não conseguiram agarrá-la totalmente. E esta busca prossegue ad perpetuam.
Logo, quem busca a felicidade se parece um pouco com alguém que, rastejando, tenta agarrar as pernas dela, enquanto ela caminha, indiferente às mãos que tentam segurá-la. Buscar a felicidade se torna algo um tanto patético, um tanto ridículo, como ridículo é rastejar tentando agarrar as pernas de quem se afasta.
E o interessante é que os grandes exemplos de realização espiritual nos quais a humanidade se inspira não buscavam felicidade. Epicuro buscou a satisfação com o simples da vida. Sócrates buscou a serenidade. Buda buscou a ausência de desejos. Jesus buscou uma condição existencial mais elevada e muitas vezes a busca não o levou à felicidade, mas ao sofrimento.
Felicidade é uma ideia velha, mas não é antiga. É uma ideia pós-medieval. Foi propagada nos romances, nas aspirações das classes emergentes, e se confundiu no caos da modernidade, tornando-se uma ideia vaga, disforme, como vago e disforme também é o amor, palavra que ganhou tantos significados que já não significa coisa alguma.
Desta forma, vive o homem moderno a buscar fantasmas, a caminhar na bruma agarrando fumaça. Vive o homem preso, acorrentado a este dever, o dever de ser feliz. O paradoxo disso tudo é que, quanto mais o homem busca ser feliz, mais está admitindo que é infeliz.
"Torna-te quem tu és", disse Nietzsche. Se esperam uma solução ao problema aqui proposto, ei-la. O homem não precisa ser feliz, assim como não precisa de cigarro. Mas uma vez que é oferecido o primeiro trago, passa o homem a buscar aquilo que sequer precisa como se precisasse. O homem precisa resgatar sua condição de rei, de rainha. Descobrir sua dignidade intrínseca. E não rastejar aos pés dum fantasma fugidio.
(24,02,2012)
Notas:
Uma nota em 09,01,2025. Como dizia Thomas Jefferson, entre nossos direitos inalienáveis, estão "a vida, a liberdade e a procura pela felicidade". A vida é a condição fundamental para tudo o mais; a liberdade é a condição necessária para que busquemos a felicidade, exercendo nossa livre vontade, livre iniciativa.
Sim, eu acredito na felicidade, mas, assim como amor, ela é uma palavra que tem vários espectros. Todos nós procuramos fugir do sofrimento, buscar algum conforto e realização. Conseguir isto, ainda que pouco, já é algum grau de felicidade. Ninguém em sã consciência rejeita isto.
Todavia, corremos o risco de idealizar a felicidade, assim como idealizamos o amor e o romance, buscando algo irreal, fictício. Esta busca pelo impossível está fadada a por a alma de quatro, rastejando aos pés de um ideal patológico de felicidade. Quem chega a este ponto, acaba condenando a si mesmo, ironicamente, a viver sempre infeliz.
Palavras-chave:
Antônio Abujamra, Buda, Epicuro, Jesus, Nietzsche, Sócrates, Thomas Jefferson
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