Presente, Ausente, Futuro

Presente

Um dia eu acordei e o céu pra mim sorria.

Inexplicavelmente senti que aquele dia

Marcava nova fase de minha vida e, ora,

Como feliz estive! Sorri por várias horas.

Não foi nada sublime, apenas a certeza

Que Deus fez assentar-me perante farta mesa,

E disse a mim: "Meu filho, enchi a tua taça

E o vinho que há nela é minha doce graça".

Dos meus olhos a gota caiu dentro do vinho

Que respingou na roupa que eu vestia: um linho

Tão branco que pensei tanto não merecer,

Mas Deus disse: "Esta roupa teci para você".

E agora quando ando um dos meus pés diz: "Glória",

E o outro: "Aleluia. Jesus me deu vitória!"

(17,02,2005)

Ausente

Uma tarde me achei sentindo nostalgia.

A paz me abandonava, enquanto anoitecia.

E assim, após uns dias felizes e de festa,

A existência muda e só vazio resta.

Ser desprezado é algo que faz a noite logo

Aparecer no alto do céu e nem mil fogos

Nos bastam pra trazer a luz que é preciso

Pra compensar a falta da luz de um sorriso.

Mas meu modo de ver a vida é um paradoxo,

Pois nos dias amargos, com otimismo adoço

Um pouco este vazio, até que se dilua;

E a noite fica linda quando aparece a lua.

Então curto a tristeza, mas depois digo: "É hora.

Bebi fel à tua mesa, mas chega. Vou-me embora".

(03,03,2005)

Futuro

Uma noite¹ eu sonhei que estava acordado

E, por um minuto, quase despertei.

E onde estaria eu hoje se, acaso,

Tivesse aberto meus olhos pra ver?

Será que nós somos, porventura, deuses?

Será que os vermes são nossos senhores?

Pois todos fadados estamos a ter

Toda nossa obra reduzida a lodo.

Sim, nós somos deuses, pois mundos criamos

E imaginamos muitas fantasias,

Então vem o verme e destrói nossos planos,

Mas é um engano pensar que é o fim.

Pois o pensamento, uma vez concebido,

Não morre enquanto existirem ouvidos.

(24,05,2008)

Notas:

1: Ao longo dos anos, acabei formando uma espécie de coleção com poemas que seguem uma certa estética. No caso destes três, eles formam uma trilogia, porque começam respectivamente com "Um dia", "Uma tarde" e "Uma noite". Mas este último originalmente se escrevia "Um dia" e eu resolvi alterar agora (07,01,2025) para "Uma noite", de modo a criar esta sequência entre os três poemas.